Sobre essa exigência velada (mas obrigatória) da superficialidade

Alegar que a rotina existe por pura comodidade é fácil. Mas vê-la como parte de um processo para o aprimoramento da qualidade de um trabalho, uma visão ou até mesmo uma doutrina profissional, não. Sair da rotina – ou como dizem, “se reinventar” – todos os dias tornou-se exigência no curriculum vitae. E não parece nenhum absurdo. Afinal, as pessoas flexíveis tem maiores chances nesse mundo tão dinâmico e articulado.

Toffler (autor do livro “Future Shock”) afirmou:

“Os analfabetos do futuro não serão os que não sabem ler ou escrever. Mas os que se recusarem a aprender, aprender e aprender novamente.”

E segundo a dúzia de profissionais veteranos que vi sendo descartados de suas empresas nos últimos anos (por motivos aparentemente banais, como não saber usar tão bem determinada ferramenta), nos faz acreditar que ele acertou em cheio sobre a forma de reação deste novo mercado.

Sem percebemos o conhecimento se tornou um commodity. E as empresas já não buscam estagiários para o aprendizado e aperfeiçoamento. Ele tem que falar inglês, espanhol, além de dominar Photoshop, Illustrator, InDesign, Flash, Dreamweaver, After Effects, Premiere, Audition, ser pontual, pró-ativo, dinâmico, não-fumante, sociável, com nota fiscal, carro próprio e disponibilidade, se necessário, nos fins de semana.

Overclocking mental impede o compromisso de poder “não ter um compromisso”

E assim, assoviar chupando cana passou a ter mais valor do que a experiência e a especialização – palavra praticamente morta. Criando assim um verdadeiro picadeiro mercadológico, onde os mais jovens (que buscam estagiar para crescimento e aprendizado, ao invés de acumular trabalhos de um veterano, ganhando pouco) não possuem as exigências “mínimas” das vagas, enquanto os mais calejados “ganham demais” e “são muito viciados na metodologia de trabalho”. “Não servem.”

Minha amiga (e editora do B9) Amanda de Almeida disse algo muito interessante sobre isso: “As empresas tem medo de investir na formação de um profissional e, finalizando o estágio, ele mudar de emprego. Parece que o estagiário passa a dever a própria alma depois de ter ganhado uma oportunidade. Como se a dedicação e vontade não contassem em nada.”

Muito se fala sobre “dobrar faturamento”, “triplicar prêmios”, “quadruplicar rentabilidade”. Mas “aumentar a satisfação dos clientes, com a qualidade da nossa entrega” parece utópico (ou conversa pra boi dormir). E sem romantismo, sabemos: números valem mais do que qualidade. “Future Shock” foi premonitório também sobre este novo ritmo das empresas e pessoas, inclusive alegando que essa sobrecarga de metas, conhecimento e informações nos deixaria mais desorientados, desligados e estressados. E vou além: superficiais, também.

Justamente por esse overclocking mental ser tão alto, muitos anseiam por aquele momento de “não pensamento” em algum minuto da semana. E pelo compromisso de poder “não ter um compromisso”.

Toda essa dissonância cria um ambiente instável, onde as pessoas não tem mais tempo para se dedicarem ao aprimoramento daquilo que fazem de melhor, mas vivem uma assimilação continua por algo novo. E, como já disse meu amigo Ronaldo Tavares (DM9) em um Braincast:

“… um oceano de conhecimento, com um palmo de profundidade”.

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Braincast 70 – Vida de Estagiário

Fazer estágio significa aprendizado com experiência prática, mas diversos estereótipos se criaram nos últimos tempos, como o “escraviário” ou aquele que é culpado por todos os erros. No Braincast 70 conversamos sobre as atribuições de um estagiário em publicidade, as expectativas da empresa, o que diz a lei, além das diferenças entre estagiar em comunicação em relação as outras áreas, e também entre Brasil e exterior.

Carlos Merigo, Saulo Mileti, Luiz Yassuda, Cristiano Dias e Guga Mafra contam suas histórias do tempo de início de carreira, e discutem os números de uma pesquisa realizada com os leitores do B9 que fazem ou já fizeram estágio.

Faça o download ou dê o play abaixo:

> 0h02m27 Comentando os Comentários?
> 0h12m50 Pauta principal
> 0h57m54 Borracharia do Seu Abel
> 1h03m40 Qual é a Boa?

LINKS:
Como é ser estagiário no Google
Tirinhas do Allan Sieber
Direitos do Estagiário
Manual do Estagiário (Eugenio Mohallen)
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Estágios e eventos sob a mesma ótica

Esse post é mais um apelo do que uma reclamação. Mas notei semelhanças entre a mecânica de eventos e de estágios não remunerados. Provavelmente não vão me chamar para nenhum evento depois desse post mas vamos ver o que acontece.

Só pensei nessa comparação recentemente mas ela é muito bizarra. Já notou como alguns eventos têm o mesmo racional de estágio não remunerado? Quando alguém topa algo assim é sempre na esperança de que por conta dessa experiência as portas para o fabuloso mundo da publicidade irão se abrir para você.

Quem chama/contrata tem a mão de obra/conteúdo de graça e oferece educação/experiência grátis.

Acham que trabalhar naquela empresa de graça ou participar daquele evento vai ser bom para você, já que é bom colocar no CV que tem esse tipo de experiência.

A moral da história é: ou as pessoas aprendem a dizer não ou o mercado as engole.

Acho que trocar o tempo de qualquer pessoa apenas por visibilidade é algo que deveria ser evitado. Por apenas um motivo: você perde o controle do que pode fazer se der algo errado. Explico. Um palestrante pago provavelmente assinará um contrato em que assuntos, opiniões polêmicas e etc sejam evitadas e o foco da apresentação esteja definido. Ele pode ser penalizado por não cumprir o contrato e, sem ele, o organizador está sem nenhuma garantia. Dependendo pode até ameaçar queimar a reputação do palestrante quando as coisas derem erradas e não chama-los mais.

Lembro de uma história do Douglas Rushkoff em que ele nunca cobrava para fazer as palestras dele. Até o New York Times publicar que ele cobrava US$7.500 por hora de consultoria para empresas e ele começar a receber convites para palestras e agora já perguntando o valor da palestra. Ele falava para as pessoas simplesmente lerem o livro que seria a mesma coisa mas as empresas preferiam pagar 7500/hora do que 20 dolares e algumas horas para ler o livro.

Mas há situações e situações. Acho que palestras para estudantes, dentro de faculdades não deveriam ser pagas. Acho que palestrantes de eventos pagos devem ser remunerados. É meio que o dilema de Tostines, o que veio antes? O reconhecimento profissional para ser chamado para o evento ou reconhecimento profissional por participar de eventos? O evento é bom por ter bons profissionais mostrando o seu conhecimento, idéias novas além, claro, de uma boa organização e infra-estrutura.

Se todo mundo começar a negar estágios não-remunerados, as empresas terão que se virar e pagar.

O conhecimento que o estagiário acumulou até aquele momento será a sua ferramenta para mostrar o seu valor. E isso vale para estágios e eventos. O estagiário tem uma experiência de vida que vai ajudar na hora de tomar alguma decisão. O que estudou na faculdade é, para o estagiário, a base de conhecimento para o que vai usar/fazer no mercado de trabalho. Acontece que o que era diferencial, virou obrigatório porque ninguém tem paciência de ensinar e tem trabalho para caramba para fazer. Então o estagiário tem que entrar na empresa já sabendo fazer o que deveria aprender. Ele vira mais um trabalhador só que sem remuneração porque, segundo a lógica perversa das empresas que não pagam estagiários, eles estão sendo pagos em experiência profissional.

Já o palestrante, acredita que um dia vai ser remunerado por apresentar suas idéias mas esse dia raramente acontece. E, se acontece, geralmente é porque ele vai dar uma palestra numa empresa e não em outros eventos. Nessa esperança de visibilidade, ele não cobra as horas gastas para preparar e apresentar a palestra. Horas essas que muitas vezes quem paga é a empresa em que ele trabalha.

Agora imagino que um evento que chame alguém de fora para palestrar. Provavelmente vai oferecer o pacote básico de Passagem, Hospedagem e Alimentação e mais o pagamento pela participação. Fora o tratamento de rockstars. É por isso que os caras vêm. Todo mundo é um pouco Jimmy Cliff e quer se sentir importante. Aos palestrantes locais, as vezes rola um brinde de agradecimento e para aí. Transporte, estacionamento, alimentação muitas vezes ficam por sua conta. Parece reclamação mesquinha, né? E é mesmo. Eventos com grandes patrocinadores, com espaço de estandes pago, com inscrição paga e os únicos que não são remunerados são os palestrantes? Não faz muito sentido, né?

Resolvi procurar saber a definição de salário e olha o que achei. Pela Wikipedia a definição é:

Nas sociedades capitalistas, salário (ou capital variável no conceito de Marx), é o preço oferecido pelo capitalista ao empregado pelo aluguel de sua força de trabalho por um período determinado, geralmente uma semana ou um mês, ou por unidade de produção.

Aulete
3. Recompensa prestada em troca de serviço encomendado

E aí sabe o que acontece se todo mundo começar a cobrar para dar palestra? O preço de tudo (inscrições, patrocínio, etc) vai subir, alguns eventos podem acabar mas aí outra coisa também pode acontecer. O sarrafo da audiência pode subir e ela ficar menos tolerante no caso do conteúdo apresentado ser fraco e por consequência, existe a grande possibilidade de a qualidade dos eventos subir. Eu acho que vale o risco. É bom para o mercado todo.

No caso dos estagiários a situação é a mesma. Se todo mundo começar a negar estágios não-remunerados, as empresas terão que se virar e pagar.

Mas no mundo real o que acontece é que os palestrantes ainda acham que vale a pena não ser remunerado em um evento por que isso é um reconhecimento como profissional. E os estagiários continuam aceitando estágios não remunerados porque precisam de experiência. Ambos os casos são parte um ciclo vicioso que não é quebrado nunca. O ponto é que os dois estão pagando para trabalhar.

Para o palestrante a vaidade de ser reconhecido alimenta a ilusão de um futuro como palestrante remunerado. Já para o estagiário, é a ilusão de que essa experiência vá abrir espaço em outras empresas. Será que ninguém nota que desse jeito a mediocridade ganha? O estagiário que consegue bancar o estágio com a mesada dos pais é privilegiado e o palestrante que aceita o que oferecem em troca da tal exposição muitas vezes acaba não sendo o melhor.

Ou seja, sempre tem alguém que topa e quebra a corrente.

Eu participei de alguns eventos na minha vida. Alguns na mesma cidade em que moro, outros fora e notei que eu mesmo ajudei esse ciclo vicioso a se manter. Exigi coisas do pessoal de fora, coisas que não exigi de eventos na cidade em que moro. Acredito que deve haver um pacote básico para palestrantes independente da sua origem (transporte, alimentação e hospedagem se for o caso) e acredito que o mercado só vai evoluir quando os palestrantes forem remunerados. De novo, é garantia para os organizadores e estímulo/compromisso para os palestrantes.

Os melhores estagiários que tive nunca tinham trabalhado com redes sociais mas eram inteligentes, pro-ativos e tinham uma cultura geral de dar inveja. Eles foram remunerados por seu trabalho e todos eles são excelentes profissionais até hoje e acredito que o conhecimento acumulado está sendo usado até hoje na rotina deles. E vários não trabalham mais com redes sociais. E isso é que é legal. O conhecimento valeu para alguma coisa. A experiência valeu para alguma coisa e ela foi remunerada. Nada mais justo.

No final das contas a moral da história é ou as pessoas aprendem a dizer não ou o mercado as engole. E isso serve para os dois cenários que citei nesse post.

Em tempo, a foto que ilustra esse post é do OZinOH

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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