Time terá anúncio bem na capa da revista

Cada um sabe o quanto lhe aperta o calo, e aparentemente a Time está disposta a arriscar ir contra algumas antigas diretrizes editoriais para alcançar uma maior verba dos anunciantes. A edição da revista que chegará amanhã às bancas nos EUA irá exibir um discreto formato publicitário bem na capa. Olhando de relance fica até difícil de reparar – é um retângulo acinzentado, logo abaixo do adesivo que traz as informações do assinante (ou o código de barras), e que remete o leitor para um anúncio mais avantajado, nas páginas internas da publicação.

O mesmo formato vai aparecer também na Sports Illustrated, outro título que também faz parte da Time Inc. A invasão da capa por um anúncio publicitário, por menor e mais discreto que seja, é uma ruptura com algumas das condutas sugeridas pela Sociedade Americana de Editores de Revista, que acredita que manter a capa isenta de propaganda ajuda a proteger a independência editorial das publicações.

O AdAge ressalta que o envelopamento de edições com capas removíveis que traziam propagandas já aconteceu anteriormente,  e que revistas menores já venderam espaços publicitários nas suas capas, mas que uma empresa jornalística do porte da Time ainda não tinha ‘se rendido’ a esse formato que ocupa a ‘vitrine’ do conteúdo editorial.

Uma empresa jornalística do porte da Time ainda não tinha ‘se rendido’ a esse formato que ocupa a ‘vitrine’ do conteúdo editorial

“A propaganda de capa tem o seu custo, e é obrigatório que o anunciante tenha um anúncio de página inteira ou uma página de conteúdo nativo naquela edição. Além disso, essa opção é oferecida apenas aos nossos maiores anunciantes, não está disponível para qualquer um”, esclareceu Norman Pearlstine, diretor de conteúdo da Time Inc.

O novo formato na capa da Time chega apenas duas semanas antes da Time Inc. fazer seu IPO na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), depois da separação da empresa do grupo Time Warner.

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AntiCast 131 – O Jornalismo no tempo da Internet

Olá, antidesigners e brainstormers!
Neste programa, Ivan Mizanzuk, Rafael Ancara, Luiz Yassuda e Álvaro Borba discutem sobre as dificuldades pelas quais o jornalismo passa em tempos de internet – ou seja, redes sociais, informações instantâneas, falta de dinheiro e por aí vai. Abordamos temas como necessidade de apuração, financiamento, espetacularização do cotidiano e muitos causos.

Download do episódio

>> 0h13min16seg Pauta principal
>> 1h53min45seg Leitura de comentários
>> 2h03min39seg Música de encerramento: “The Artist in the Ambulance”, da banda Thrice

Links
Debate sobre a Regulamentação, com Marcos Beccari e Túlio Filho, dia 25 de Maio (sexta) às 12h15

Workshops História da Arte para Criativos do Ivan
São Paulo – 22 de Junho
Curitiba – 19 de Julho
Belo Horizonte – 26 de Julho

Hangouts
03 de Agosto
10 de Agosto

Curso Introdução à Filosofia Contemporânea – Módulo 1 – com Marcos Beccari.
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Data/horário: aulas semanais aos sábados, de 07 a 28 de junho de 2014, das 15h00 às 17h00. Carga horária: 8 horas.
Investimento: R$ 160,00 ou duas parcelas de R$ 80,00.
Escopo e programa de aulas: disponível, em breve, na página de cursos do FdD: http://filosofiadodesign.com/cursos/.
Local: Mímesis Conexões Artísticas – Rua João Manuel, 74, São Francisco (entre o Largo da Ordem e a Cinemateca de Curitiba).
Informações e inscrições: contato@filosofiadodesign.com.

Conto “Arcano XV”, do Ivan

O relatório do NY Times que vazou

Mupoca (Podcast do Yassuda)

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Conteúdos patrocinados do NYT são tão populares quanto os conteúdos editoriais

A habilidade de contar histórias é um talento que serve bem tanto ao jornalismo quanto à publicidade. Entre uma coisa e outra, existe uma vasta zona acinzentada, em que não se sabe exatamente se o material é jornalístico (já que existe alguém patrocinando, pode haver um viés) ou propaganda com conteúdo.

Esse tipo de história não é novo, mas a sua adoção por grandes veículos é razoavelmente recente, e os primeiros resultados chamam a atenção.

Em uma apresentação em um fórum da American Associaton of Advertising Agencies, Meredith Levien, VP de propaganda do New York Times, revelou que os conteúdos patrocinados da publicação têm alcançado audiências tão boas ou melhores que os seus conteúdos editoriais. Desde janeiro deste ano, o jornal fechou parcerias com 8 anunciantes, que patrocinam conteúdos que levam sua marca ou que falam sobre algum de seus produtos ou serviços.

É o caso da matéria interativa sobre os Jogos Olímpicos de Sochi, que foi produzida em parceria com a United Airlines, e que recebeu cerca de 200 vezes mais visualizações que uma matéria editorial do mesmo nível.

Em paralelo ao caso de sucesso de propaganda nativa do NYT, o Yahoo também lança um novo modelo de anúncios em seus sites, que foram apelidados de unidades ‘in-stream’. Feitos para se misturarem ao conteúdo editorial, esses anúncios aparecerão claramente marcados como propaganda, mas podem ‘enganar’ quem passa os olhos, já que eles usam uma linguagem,  estilo de redação e design bem semelhantes aos conteúdos editoriais do site.

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Com essas estatísticas, executivos como Jonah Peretti, do BuzzFeed, ganham um reforço para a teoria de que conteúdos patrocinados não pioram o jornalismo, mas melhoram a publicidade – com uma mãozinha de quem sabe contar histórias, o material da propaganda fica mais atrativo, e retém a atenção da audiência. Para os diretores de jornais, é uma prova de que a publicação não fica ‘queimada’ com o leitor (já que, afinal de contas, eles estão ativamente consumindo conteúdo patrocinado).

 Anúncios nativos aparecerão claramente marcados como propaganda, mas podem ‘enganar’ quem passa os olhos, já que usam uma linguagem,  estilo de redação e design bem semelhantes aos conteúdos editoriais.

Na outra ponta da história, os mais ferrenhos apontam que o principal problema é que a propaganda nativa quer ‘parecer’ jornalismo sem o ser, e parte desse pressuposto de se disfarçar de algo que não é. Bob Garfield, do The Guardian, elenca as publicações que já estão trabalhando com conteúdos patrocinados: The Economist, Forbes, The Atlantic, The Huffington Post, Washington Post, Time, NYT, Yahoo, antes de afirmar que o conteúdo patrocinado é uma das últimas estratégias de tentar trazer dinheiro para uma indústria que está com o pé na cova.

O professor de jornalismo Anton Harber também acredita que esse modelo baseia-se em ludibriar o leitor, na esperança de que “ele perceba nesse tipo de conteúdo a mesma credibilidade e autoridade de uma notícia”.

Diante desse cenário, eu não consigo concluir se é o jornalismo que se vende ou a publicidade que melhora. Certamente o jornalismo não será, nos próximos anos, o mesmo jornalismo que conhecemos hoje em dia, com as mesmas premissas e códigos de ética. A publicidade também dá sinais de precisar ser mais encorpada, e não uma vã historinha para boi dormir.

A única certeza que me resta, nesse quesito, é que a habilidade de contar uma boa história está cada vez mais valiosa.

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Conteúdo em vídeo tem sido a nova aposta das publicações jornalísticas

Na mesma semana em que o New York Times apresentou um hub dedicado a conteúdos em vídeo, com direito até a uma adaptação do clássico logo do jornal, outros conglomerados da notícia também lançaram iniciativas semelhantes.

O Wall Street Journal anunciou a chegada da ‘video revista digital’ Signal, que deverá fazer uma curadoria dos melhores vídeos produzidos pela própria equipe do WSJ, além de algumas produções de terceiros. A Signal poderá ser acessada através da web ou de dispositivos móveis, mas há uma clara preferência dos produtores pela experiência através de tablets, já que a curadoria pretende privilegiar o modelo de uma revista. Apesar de já ter sido apresentada, a vídeo-revista do WSJ não deve estrear tão cedo – segundo uma porta-voz da publicação,  a Signal ainda está em estágios iniciais de desenvolvimento.

E não são apenas o NYT e o WSJ que estão interessados em conteúdos em vídeo – a Conde Nast, responsável pela publicação de revistas como a Vogue e a Vanity Fair, também terá uma plataforma similar, a The Scene, que vai reunir os melhores vídeos das suas revistas, além de conteúdos audiovisuais de sites parceiros da editora, como o BuzzFeed e ABC News. Outra interessada é a Time Inc.,  que deve apresentar em breve o The Daily Cut, que destacará as produções em vídeo do grupo.

O curioso é que essas empresas não tem exatamente dificuldades para produzir vídeos – só o WSJ é responsável por cerca de 18 mil novos conteúdos em vídeo todos os anos – mas sim de conseguir uma audiência extensa o suficiente para essas produções.

Será que os telespectadores serão convertidos em webspectadores?

Apesar do esforço ser louvável, Joshua Benton, diretor do Nieman Lab, provoca ao analisar um dos vídeos recentes do NYT. Ainda que seja um conteúdo divertido, as mais de 30 pessoas listadas nos créditos lembram do problema de ROI dessas iniciativas – assim como boa parte do bom jornalismo do mundo, o custo é muito maior do que o retorno do investimento.

Provavelmente a esperança é que, com a popularização de smart TVs e de caixinhas que conectam TVs tradicionais à web, esse tipo de notícia em vídeo possa ganhar alguma atenção da audiência.

Ainda que o número de telespectadores esteja em baixa, será que eles conseguirão ser convertidos em webspectadores desses vídeos informativos dos jornais?

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A coragem da Vox na tentativa de um novo modelo de jornalismo ‘explicativo’

Ler jornais sempre foi uma maneira de se manter informado. Acompanhar revistas e outras publicações jornalísticas também tinha um objetivo básico bastante parecido: ficar a par das novidades, e nos artigos mais extensos, entender e analisar melhor a situação noticiada anteriormente, ou que ainda estava se desenrolando.

Esse caráter didático é uma premissa que todo jornalista costuma carregar consigo. Para um repórter, não importa se o entrevistado vai achar que ele parece um idiota fazendo uma pergunta tão básica. Lembro-me de uma professora esclarecendo que neste quesito, ‘o repórter pode parecer burro; o leitor, não’.

A Vox, nova publicação experimental da Vox Media, grupo responsável por sites conhecidos como o The Verge e Polygon, segue essa ‘vibe’ didática. Misturando o lema motivacional da empresa – “se você pegar pessoas realmente espertas, oferecer a elas ferramentas realmente muito boas, e botar fé que elas vão executar as suas ideias, elas podem fazer coisas incríveis” – e um tanto de coragem nos negócios, a Vox é quase como uma Wikipédia bonita de se ver e com autores bem definidos.

Em tempos que o Mauricio Cid consegue movimentar pessoas para alterarem a Wikipedia em prol de uma piada, não parece exatamente um esforço vão, mas ainda assim, é bastante questionável (e também questionador).

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Didatismo dos fichamentos

Quem já precisou estudar sistematicamente algum assunto, ao se preparar para um concurso, vestibular ou até no estudo de idiomas, já deve ter sido apresentado ao método das fichas de estudo. Trata-se de uma forma de organizar o material a ser estudado, facilitando a compreensão e a memorização, já que as informações são agrupadas em diferentes fichas.

A Vox utiliza esse mesmo conceito de fichamentos para explicar alguns conceitos que podem ser mais complexos. Cada assunto ganha um ‘ficheiro’, cheio de ‘fichas’ que explicam diferentes aspectos da questão. Por exemplo, o ficheiro da Vox sobre Neutralidade da Rede traz fichas que explicam separadamente o que é a neutralidade da rede, quem criou esse conceito, quais são os principais argumentos, qual a regulação que ela exige, quais são as outras alternativas a essa regulação, entre outros detalhes, explicados em um total de 14 diferentes fichas.

Grosso modo, são como se fossem verbetes da Wikipedia, com as suas seções sendo exibidas em formato de fichas, em um visual mais agradável e com um jornalista responsável pela apuração daquele conteúdo. A vantagem? Matérias mais complexas podem contar com explicações mais detalhadas em links que ganham um destaque especial no texto. Uma matéria sobre o Obamacare, por exemplo, trazia links para ficheiros que explicavam melhor o conceito de ‘insurance exchanges’ e de ‘individual mandates’, para quem não estivesse familiarizado com os termos.

A descrença e o esforço de tentar

A missão da Vox parece simples: explicar as notícias que circulam nos jornais. Para a equipe do site, não basta apenas ‘divulgar’ a novidade, mas também contextualizá-la, esclarecer eventuais dúvidas dos leitores e permitir que a notícia seja mais uma fonte de conhecimento.

“Estávamos sendo puxados para trás não apenas pela tecnologia, mas também pela cultura do jornalismo, que usa algumas convenções do impresso” – Ezra Klein 

Não é nada que já não seja feito também por outras mídias – pela própria Wikipedia, ou por sites como o About.com, como destaca o The Wire – e ainda há o perigo de perder a profundidade dos assuntos, ao tentar trata-los com excessivo didatismo, ao invés do foco na descrição da situação.

A descrença também vem dos próprios colegas de jornalismo. Personalidades do ramo, como Michael Wolff, afirmam que jornalistas não deveriam se tornar empreendedores – uma clara referência à Ezra Klein, que deixou seu posto no Washington Post (onde havia sido bem sucedido no blog Wonkblog) para se juntar à Vox Media.

Independentemente da percepção dos seus pares, a Vox segue o dito popular do ‘melhor feito que perfeito’, e ‘pôs o trabalho na rua’. O site da Vox é agradável, e usa um sistema de publicação próprio da Vox, o Chorus, que já foi elogiado por publicações como o TechCrunch pelos benefícios que oferece aos seus escritores, como permitir editar e ilustrar o material, além de interagir nas redes sociais e responder leitores, de uma forma bastante intuitiva.

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Em todo caso, os leitores são devidamente avisados de que o site Vox é um experimento em desenvolvimento. “Estávamos sendo puxados para trás não apenas pela tecnologia, mas também pela cultura do jornalismo, que usa algumas convenções do impresso”, explica Ezra, citando que o modelo de ‘incremento diário da cobertura’, que precisa ocupar o espaço de um jornal impresso, não é mais uma necessidade atual. Ele conta que queria criar algo completamente novo – a Vox Media, segundo ele, possui as ferramentas de que ele precisa para tentar esse ‘novo experimento’.

Para o NYT, esse pode ser um novo paradigma do mercado jornalístico: perder jovens talentos porque eles estão atrás de empresas que tenham tecnologias que ajudem a fazer um melhor jornalismo. O Chorus da Vox Media foi tão chamativo que funcionou quase como uma ferramenta de recrutamento: além de Ezra Klein, Melissa Bell, que era diretora de plataformas no Washington Post, também decidiu fazer parte do time da Vox Media.

Novo paradigma do mercado jornalístico: perder jovens talentos porque eles estão atrás de empresas que tenham tecnologias que ajudem a fazer um melhor jornalismo. 

O esforço de tentar fazer algo diferente é pago com a confiança de talentosos profissionais, que veem futuro na iniciativa da Vox, e nas suas ferramentas – “O Chorus é como se fosse um unicórnio com um gatinho nas costas. As pessoas pensam que ele é um sistema mágico, que resolve tudo”, brinca Melissa. Obviamente que existem detalhes que sistema nenhum irá resolver, mas certamente ter uma publicação customizada para as necessidades da própria equipe pode fazer a diferença na hora de incentivar um trabalho criativo.

A conta fecha?

Vira e mexe, uma notícia sobre algo diferente traz junto a pergunta: ‘mas a conta fecha?’

A preocupação com um modelo de negócios para o jornalismo é latente, e aparentemente esta é uma daquelas perguntas que vale um milhão de dólares. Ninguém sabe.

Publicações bem estabelecidas como o Guardian também andam fazendo experimentos nada ortodoxos, como colocar um robô para selecionar o ‘melhor’ material de um determinado período, automaticamente imprimindo um jornalzinho que faz a curadoria da nata do material da publicação, de acordo com curtidas, comentários, compartilhamentos e outras métricas de engajamento. Não há como saber se o ‘robô jornalista’ do Guardian vai ser bem sucedido, mas é preciso tentar.

Além do Vox, outros sites com a premissa de ‘explicar e contextualizar’ o noticiário tem surgido. A maioria deles aposta também no chamado ‘jornalismo de dados’, onde o repórter usa suas habilidades jornalísticas para encontrar materiais relevantes dentro de pilhas e pilhas de dados que circulam na rede. Entre as iniciativas recentes estão o 548, capitaneado por Nate Silver, ex-NYT, e o The Upshot, do mesmo NYT que antes acolhera Nate, que foca em assuntos políticos e legislativos, já de olho nas eleições norte-americanas.

Na pegada da explicação, o VentureBeat até montou um gráfico básico explicando as semelhanças e diferenças desses sites, adicionando ainda a seção noticiosa do BuzzFeed:

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Steve Buttry diz que

jornalismo digital não é feito na zona de conforto de ninguém. É preciso lidar com o desconforto de ter modelos de negócios que ainda apresentam buracos, ou iniciativas que não se sabe bem se vão ser rentáveis.

Em todo caso, a Vox conseguiu chamar a atenção dos investidores. Desde a sua idealização, em 2008, a Vox Media já conquistou investimentos da casa dos 80 milhões de dólares, de investidores como a Accel Partners e a Comcast Interactive Capital, entre outros. Esse valor foi utilizado para levantar sites como o The Verge, que trabalha sob um severo código de ética que não permite nem mesmo viagens pagas para os seus jornalistas cobrirem eventos – ‘se o evento for mesmo relevante, o próprio The Verge pagará pela estadia dos seus repórteres’, esclarece o texto – e outras publicações da Vox Media, como o Eater e o Curbed.

O curioso é que a estratégia da Vox Media é diferente de outras publicações, que apostam em títulos caça-cliques, enquetes, quizzes, listas, e outras formas de interação com os leitores. A premissa da Vox pode parecer altamente maluca, mas pode ser melhor no longo prazo, ainda que por enquanto envolva o esforço de apenas 20 repórteres. Em um mundo digital onde obter informação é simples e fácil – e em alguns casos, a informação é abundante demais – o esforço ‘kamikaze’ da Vox é tentar oferecer contexto, opinião e idoneidade. Pode dar super certo, ou ser um completo fracasso.

Mas o que seriam das revoluções se não houvessem pessoas que acreditassem que era possível algo novo, não é mesmo?

O trabalho da Vox é tão assustador quanto parece empolgante. No entanto, se olharmos para metade das tecnologias que usamos hoje em dia, eram feitas as mesmas considerações. “Muitas pessoas pensaram que essa era uma péssima ideia, tanto estratégica quanto de produto”, conta Paul Buchheit, criador do Gmail, sobre como a sua empreitada foi recebida há 10 anos atrás, quando era lançada.

Quem sabe Ezra é como uma versão jornalística de Larry Page e Sergey Brin. Quem sabe a Vox não é o Gmail de 2024. Apenas observem e aguardem.

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Glass Journalism, um curso universitário sobre como usar o gadget em reportagens

Colocando em uma mesma sala jornalistas, designers e desenvolvedores, o curso Glass Journalism, que será oferecido pela University of Southern California, quer criar novos aplicativos e plataformas para a produção de conteúdo jornalístico.

A ideia é do professor e jornalista digital Robert Hernandez, responsável pelo curso, que é inédito. Ele acredita que essa pode ser uma grande oportunidade para os estudantes, que serão desafiados a pensar em novos jeitos de contar histórias, usando o Google Glass e realidade aumentada.

“A plataforma é tão nova que ninguém definiu ainda como será fazer jornalismo com ela. É uma enorme oportunidade que a indústria jornalística pode aproveitar!” 

“Eu costumo hackear a tecnologia para o jornalismo, e eu quero ser proativo sobre como a profissão poderá usar o Glass. A plataforma é tão nova que ninguém definiu ainda como será fazer jornalismo com ela. É uma enorme oportunidade que a indústria jornalística pode aproveitar!”, empolga-se ele.

O curso está aberto para estudantes de diversas faculdades, e a expectativa é que 12 alunos façam parte da turma. Todas as matrículas serão aprovadas por Hernandez, que quer montar um mix de profissões que ajudem no desenvolvimento de apps inovadores para a produção e também para o consumo de notícias. “Algumas pessoas podem achar que eu estou tentando matar o jornalismo. A verdade é que eu estou tentando salvá-lo, e melhorá-lo”, defende Hernandez.

Pode ser um experimento arriscado – já imaginou como seria ler notícias no Google Glass? Ou ainda produzir material jornalístico via Glass? – mas ao menos ensina ao jornalista que será preciso se acostumar como novos jeitos de fazer o básico e conviver com o desconforto das novas mídias.

Contudo, não dá para negar que o conceito de ‘visão Terminator’ para o jornalismo é, no mínimo, muito curioso.

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App NYT Now, do New York Times, promete ‘parte’ da cobertura do jornal digital

Assumindo a pindaíba do impresso, o New York Times está se virando para encontrar formas de dar a volta por cima. Depois do paywall, agora a publicação quer emplacar um produto digital para quem costuma ler de tudo em dispositivos móveis: o app NYT Now.

Apresentado durante a SXSW, o NYT Now oferecerá aos leitores uma seleção das melhores notícias do dia, com direito a tópicos sobre o que é mais importante e artigos para ler direto no celular ou no tablet, apenas com o deslizar dos dedos. O único detalhe é que esse novo formato vai oferecer apenas parte do conteúdo do NYT, com artigos selecionado por um time de 10 a 15 editores.

O NYT Now oferecerá aos leitores uma seleção das melhores notícias do dia, com direito a tópicos sobre o que é mais importante e artigos para ler direto no mobile

Claro que uma curadoria tão focada não sairá de graça – quem quiser ler apenas ‘a nata’ do NYT através do app precisará arcar com uma assinatura mensal de 8 dólares. O preço não é alto, equivale a cerca de metade da assinatura digital do NYT, mas dá a impressão de ser uma ‘meia entrada’ para o jornal, só que oferecendo ‘meio conteúdo’ também.

Quem já assina a publicação poderá usar o NYT Now sem precisar pagar taxas adicionais, mas quem assinar o app só poderá conferir na versão digital os artigos que forem selecionados pelos editores. Ou seja, o site continua fechado por paywall, mas com uma brechinha extra, mostrando os artigos que a sua ‘meia assinatura’ dá direito.

Clifford Levy, repórter que foi escalado para gerenciar o NYT Now, também esclareceu que haverá publicidade no app, mas os formatos a serem utilizados ainda não teriam sido definidos. O lançamento do NYT Now deve acontecer dentro das próximas semanas, mas ainda não foi especificada uma data. Também não foram divulgadas as telas do aplicativo, que mantém o ar de suspense. Será que se parecerá com o Paper do Facebook?

O preço da assinatura do NYT Now não é alto, mas dá a impressão de ser uma ‘meia entrada’ para o jornal, só que oferecendo ‘meio conteúdo’ também.

A ideia de um app focado na leitura das notícias mais importantes do dia é interessante e cai como uma luva em um momento em que 65% do tráfego das breaking news do NYT advém de dispositivos móveis. Só fica a dúvida se a ‘meia entrada’ para o conteúdo do jornal vai gerar mais assinantes do paywall ou vai apenas espremer o jornalismo no quanto cada um pode pagar.

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Liberdade, Igualdade e… Violência?

A violência parece ser uma constante na história da humanidade. Dependendo do olhar que lancemos ao passado, teremos a nítida impressão de que nossa história foi escrita com o sangue de muita, muita gente. E para provar que não somos muito melhores que nossos antepassados, temos visto por todos os cantos da internet uma série de declarações que parecem reforçar uma conduta agressiva. A famigerada fala de Rachel Sheherazade, falando que era “compreensível que os tais ‘justiceiros’ amarrassem aquele menino no poste” dada a situação precária da segurança pública, foi um dos exemplos mais marcantes das últimas semanas.

Valem menção também todas as polêmicas levantadas pelo deputado Jair Bolsonaro, durante sua tentativa de assumir a Comissão de Direitos Humanos e a situação que envolveu as declarações de Joaquim Barbosa no STF, no que tange as retiradas de acusação de formação de quadrilha no caso do mensalão do PT.

No meio de tudo isso, quando um era acusado de estar incitando a violência ou deturpando algum fato, o falante geralmente diz “eu tenho o direito de dizer o que quiser”. E ele está certo, por mais errado, certo ou violento que seja seu discurso. Pior: nos casos que achamos absurdos, vemos que há um grande número de pessoas que defende tais ideias. E nós ficamos malucos, tentando achar qualquer contra argumento que o valha. Sentimo-nos violentados. E outro lado também.

O assunto “que tipo de violência está sendo exercida (de quem e contra quem)” está quente nas redes sociais. Em ano de eleições presidenciais (e Copa do Mundo, não nos esqueçamos), será muito interessante verificarmos como os candidatos se posicionarão midiaticamente. As aulas que você, leitor, teve de análise de discurso e imagem poderão ser muito úteis para pensar acerca do cenário que se monta diante de nós.

Em casos de pessoas que supostamente “merecem morrer”, poderia-se recorrer ao italiano Maquiavel – Ainda que tal frase nunca tenha sido proferida por ele – e perguntar “os fins justificam os meios”?

No último post que fiz, acerca dos protestos que estão ocorrendo pelo mundo, uma série de questões foi levantada sobre nosso consumo de informações no ambiente virtual e as formações de opiniões num Estado democrático. A legitimação do uso ou não da violência parece ser um debate constante. Com base nos últimos três Braincasts lançados, podemos também expandir essa dúvida.

Por exemplo: se o povo deseja sangue, ele deve obtê-lo? Há sabedoria na opinião popular, mesmo quando ela parece querer um retorno da barbárie? Essas opiniões são nossas (do povo) ou correspondem a grupos de interesse de elite, que ditam o que queremos através das mídias de massa? Somos influenciados pela mídia? Se sim, quanto? E quando este discurso se espalha na internet (supostamente o meio de comunicação mais democrático que já desenvolvemos), como lidar com tudo isso?

Tendo em vista todos esses fatores, acredito ser pertinente aprofundar algumas das questões do texto anterior neste post. Para tanto, focarei na questão da violência, já que ela parece ser um tema bastante em pauta atualmente.

Bolsonaro

Sangue

Violência e Punição: uma breve história

Um dos problemas em falarmos sobre o papel da violência na comunicação é o de defini-la. Acredito que, na maioria dos casos, haveria pouca discussão sobre o caráter de violência que existe em atos extremos como assassinatos ou sequestros. Mesmo nas possibilidades de contextualização, buscando os motivos de tais atos, haveria uma concordância de que matar alguém é um ato de extrema violência – mesmo que esse alguém seja Hitler.

Em casos de pessoas que supostamente “merecem morrer”, poderia-se recorrer ao italiano Maquiavel e perguntar “os fins justificam os meios”? Voltarei a Maquiavel em breve. Por ora, acho importante mencionar que, de acordo com o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da USP e um dos grandes especialistas em Maquiavel no Brasil, essa frase nunca foi proferida pelo autor italiano.

Voltando à questão da violência e sua dificuldade em definição, podemos citar aqui os velhos casos de “piadas mal-entendidas”. Uma “piada” racista ou machista, no ouvido de um ou outro, pode ter efeitos dos mais diversos. Para os que se ofendem, é recorrente taxá-los de “sem senso de humor”. Aquele que se ofende com a piada sente-se violentado direta ou indiretamente. Do outro lado, o que proferiu a piada, se não compreendido, também sente-se violentado (ataca-se, no caso, sua estética humorista e seus princípios morais – ambos são colocados em dúvida).

Quero deixar claro que sou absolutamente contra piadas racistas e machistas (e aprendi o perigo delas após muito tempo). Se fosse para defender um lado, defenderia aquele que se sentiu ofendido. Mas não é essa a questão que desejo levantar aqui, mas sim duas: primeiro, os exemplos que citei podem ser considerados violentos? Segundo, há alguma violência permitida?

Podemos pensar em graus. Um tapa na cara de alguém, uma ofensa, seriam atos violentos em graus menor do que um assassinato. Acho que essa ideia seria bem aceita pelo leitor. Mas, novamente, perguntamos: algum nível é aceitável? Qual seria o grau de violência socialmente aceitável nas relações contemporâneas?

Violence

Em seu livro “A História da Violência”, o historiador Robert Muchembled declara: sem dúvidas, a violência social sofreu uma grande regressão a partir do fim da Idade Média, e é um desafio do historiador entender os motivos para isso. Uma das análises curiosas que ele faz é mostrar que é no momento em que o número de assassinatos começam a diminuir que ele torna-se um problema social. Tornando-se fenômeno cada vez mais raro, coube às autoridades de tais tempos e lugares questionarem “o que fazer com aquele que agride?”.

Sem dúvida, a preocupação com a violência remonta a tempos bem mais remotos do que o medieval. O famoso código de Hamurabi, datado de cerca de 1800 A.C., já explicitava a norma de conduta “olho por olho, dente por dente”. No antigo testamento bíblico, temos os 10 mandamentos, cujo 6º é “não matarás”. Outras civilizações da antiguidade, como os gregos e romanos, foram também exemplos nesse quesito.

Esta última, inclusive, chegou a elaborar complexas análises na questão de danos morais e compensação pelos mesmos. Sendo assim, é curioso notarmos que a violência sempre esteve na pauta das diferentes civilizações que já caminharam no planeta. Por mais que diferentes formas de se lidar com ela tenham surgido, desde o “olho por olho” de Hamurabi até o “dar a outra face a tapa” cristã, ela demonstra ser constante.

Poderíamos dizer então que ela é “natural” do ser humano, mas isso também é perigoso, pois pode ser usado como tentativa de legitimar algum ato cruel. Um exemplo disso é aquela lógica de elevador de que “a humanidade sempre foi violenta, portanto também posso ser agora”. Chamo isso de “lógica de elevador” por ser aquele tipo de conclusão simplista que pode chegar-se em uma rápida viagem de um andar para outro.

A relação entre “transgressão da norma” e “punição” seria historicamente constituída de acordo com certos grupos que detém o poder. Nosso senso de justiça seria, então, histórico e culturalmente construído.

Curiosamente, recentemente tive uma conversa com uma vizinha que falou algo do tipo “você ainda não tem filhos? Tudo bem, o mundo já está superpovoado mesmo. E agora que não tem mais guerras no mundo, não dá nem para dar uma limpada”. Eu imagino o que os povos em conflito na África e Oriente Médio pensariam sobre isso. Mas divago.

Outro livro obrigatório a ser citado nessa discussão é o “Vigiar e Punir”, do filósofo Michel Foucault. Analisando a história das punições, Foucault foi capaz de estabelecer uma mudança na sensibilidade punitiva que via no encarceramento uma via de correção mais humanitária em comparação com o suplício público. Contudo, segundo o autor, isso dependeria da formação de “corpos dóceis”, que interiorizam as regras sociais estabelecidas de modo a sentirem-se vigiados a todo o momento, mesmo quando não estão.

Seria este constante princípio de alerta que nos manteria em linhas de conduta socialmente aceitáveis. E isso, segundo ele, ocorreria via uma série de medidas legislativas que atendem a determinados grupos de interesse. Dito de outra forma, a relação entre “transgressão da norma” e “punição” seria historicamente constituída de acordo com certos grupos que detém o poder. Nosso senso de justiça seria, então, histórico e culturalmente construído.

Sheherazade

Sangue

Violência e Cultura

Acima de tudo, acredito que a violência é um ato que exige interpretação de acordo com o molde cultural na qual o indivíduo está inserido. Como estamos condicionados pela cultura, qualquer ato que se diga “natural” depende de seu interpretante, ganhando assim formas diversas. O cenário islâmico é bem provocador nesse sentido. É lugar-comum do ocidental achar que a religião islâmica é machista (e, sem dúvida, sob nossos olhares, realmente ela é em inúmeros aspectos).

A Burca, por exemplo, seria um símbolo máximo de que a mulher não domina seu corpo, sendo este propriedade ou da sua família ou do seu marido. Ao mesmo tempo, é cada vez mais comum os relatos de mulheres que se sentem extremamente constrangidas com homens que as abordam na rua.

Debatemos sobre isso no AntiCast 116, sobre Feminismos e Discursos de Gênero, portanto não vou me alongar nessa questão aqui. Quero apenas fazer um contraponto com o cenário islâmico dito machista: é norma reconhecida nos países islâmicos que uma mulher que sai de burca não pode ser abordada por um homem. Caso seja, este homem está cometendo um crime, previsto em lei.

Há violência dos dois lados: no ocidente, há um misto de “liberdade com consequências”. No oriente, uma sensação de “prisão libertadora”. Nos dois, há o problema da mulher conseguir se liberar da sua condição historicamente construída de “propriedade privada”. Muito se evolui dos dois lados, mas ainda estamos longe de um cenário satisfatório.

Acredito que, baseado em algumas mulheres que conheço, muitas aceitariam andar de burca na rua, se isso significasse que não seriam abordadas na rua. No ocidente, sequer temos essa opção. Discussão difícil essa num mundo que parece integrar-se cada vez mais através dos meios de comunicação. A sensação de andar em círculos é inevitável. Todos os lados parecem ter malefícios e ficamos determinados a escolher as opções “menos piores”, baseados nos nossos limites de interpretação do entorno.

Falando dos que estão mais perto de nós, eu sou apenas capaz de imaginar o tipo de concepção de “violência” que um morador de uma comunidade da periferia possui. Ao ver seu pai tendo sua dignidade violentada pelo Estado (preço da passagem do ônibus, sistema de saúde falho, baixo salário etc.), ou ainda de ver o traficante local tendo sucesso financeiro indo contra lei estabelecida, sou da opinião de que há aí um ciclo de violência que se autoalimenta. Obviamente há os casos daqueles que foram capazes de se superar, e daí há toda a discussão sobre meritocracia x condições sociais determinantes.

Somos violentos quando sonegamos imposto, quando recebemos o troco errado e não avisamos, quando invadimos a privacidade do outro e quando criticamos alguém.

Eu não sou absolutamente contra a concepção de meritocracia, mas acho que seus defensores esquecem de um dado fundamental: ela só é válida em um ambiente no qual todos possuem acesso a condições de oportunidades iguais. Por exemplo, em uma competição entre dois diretores de arte, que dispõem do mesmo tempo e ferramentas para realizarem seu trabalho, realizará o melhor trabalho aquele que souber ler melhor seu ambiente e inovar com mais contundência.

Em resumo, a criatividade poderá ser uma boa aliada – mas poderá ser pouco útil se um está usando um computador de última geração e o outro só possui um lápis e papel. Há sempre excessões, mas não são elas que determinam o ambiente todo. Sendo assim, gosto de pensar sempre num equilíbrio entre as duas coisas. Contudo, como geralmente lidamos com cenários desiguais, acredito que a violência social acaba desempenhando um papel mais determinante do que ideologias que pregam a existência de uma “boa índole”. E por violência, aqui, refiro-me a todos os seus graus.

Somos violentos quando sonegamos imposto, quando recebemos o troco errado e não avisamos, quando invadimos a privacidade do outro e quando criticamos alguém. Neste caso, não quero dizer que “é errado ser violento”. No último exemplo que dei, por exemplo, a crítica a alguém pode ser muito útil para aquela pessoa – e até para você, especialmente se ver que sua crítica está errada e pode aprender a aguçar seus critérios de julgamento com isso. Mas é um ato violento. Em grau muito menor do que um assassinato, sem dúvida.

Uma ideia parece surgir dessas ponderações: há alguma sabedoria no erro e na violência. Qual (ou quais) exatamente, não sei. Mas parece haver. E, com isso, voltamos à nossa dúvida original: qual tipo de violência seria permitida?

Dredd

Junto com o direito de expressão (e ação), há também o dever de se responder pelas consequências do discurso – especialmente se o fins não forem justificados.

Aprendendo com Maquiavel e Sheherazade

Apesar do subtítulo, quero deixar claro que discordo da opinião da jornalista, e vou explicar o motivo em breve. Antes disso, quero voltar ao pensador italiano, citado anteriormente.

Como já falei, de acordo com o filósofo Renato Janine Ribeiro, a frase “os fins justificam os meios” não é de autoria de Maquiavel. Contudo, parece sintetizar, de alguma forma, seu pensamento.

A obra mais famosa de Maquiavel, sem dúvida, é “O Príncipe”, datada do século XVI, na qual ele basicamente elenca uma série de diretrizes sobre como o monarca deve reger seu governo. Isso já é bem conhecido. Contudo, poucos sabem que Maquiavel era um Republicano, e uma das provas mais fortes disso é o longo tempo que passou escrevendo uma obra chamada “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”. Esta possui um caráter de profundo teor republicano. Não à toa, Rousseau, filósofo francês do século XVIII, levantou a hipótese de que “O Príncipe” era uma paródia. Contudo, ao lermos a obra, veremos que, se ela é uma piada, ela foi levada a sério demais.

Neste texto, Ribeiro retira do próprio texto de Maquiavel um exemplo interessante sobre o que pensa a respeito do Príncipe e seu papel político. Coloco o trecho em questão abaixo:

Árvore

“Se Maquiavel comec?a o livro especificando seu campo de interesse – o regime na?o republicano, mas mona?rquico; que na?o e? antigo, mas novo; que na?o foi obtido por armas pro?prias, mas alheias – ele praticamente o conclui com uma distinc?a?o que mais ou menos se sobrepo?e a esta. No penu?ltimo capi?tulo d’O pri?ncipe, afirma que dos resultados de nossas ac?o?es pode-se dizer que metade vem da fortuna (mais ou menos, o acaso, a sorte, boa ou ma?), metade da virtu?. Para ele, essa palavra na?o significa virtude moral, e por isso os estudiosos preferem cita?-la em italiano, a fim de preservar o sabor maquiaveliano.

A virtu? seria a excele?ncia do pri?ncipe, do condottiere, ao saber como enfeixar em suas ma?os os fios descosidos do destino. Tem virtu? quem sabe, em uma situac?a?o adversa ou apenas devida a? sorte, tornar-se senhor. Vejam o exemplo que da? Maquiavel: tempestades arrasam pontes e estradas, eis a fortuna; mas, depois, o homem refaz o que foi destrui?do, tornando-o mais resistente ao azar, eis a virtu?.

O que faz enta?o o pri?ncipe, na?o digo o ameac?ado pela ma? sorte, mas o que deve seu status apenas a? boa sorte, sem me?rito pro?prio, sem forc?as armadas suas que o defendam? Ele deve ser habili?ssimo. Cada gesto seu precisa estar dirigido a? construc?a?o de um poder que impressione. O grande exemplo de Maquiavel esta? em Cesare Borgia, quando esse pri?ncipe novo por excele?ncia – que deve sua posic?a?o apenas a? sorte de ser filho de papa – ganha a Romagna, enta?o assolada por bandidos.

Nomeia um preposto, Ramiro dell’Orco, para que acabe com eles, o que Ramiro faz com energia e crueldade. A regia?o esta? pacificada, mas Cesare ficou com fama ruim. Para sanar o entrave, Cesare manda matar, de forma cruel, seu pro?prio delegado, Ramiro. O corpo dele, ensanguentado, no centro da capital da Romagna, basta para mostrar que o pri?ncipe pode ser terri?vel e bom. Um gesto teatral fortalece Cesare Borgia.”

Suplício

Sangue

No caso citado de Cesare Borgia, pode saltar aos olhos do leitor o caráter de egoísta e sádico do Príncipe, que deseja manter seu status no poder ao invés de “pensar no povo”. O problema seria justamente esse: o Príncipe tem certeza de que sabe o que é melhor para seu povo. Pensando nisso, precisa manter o poder e faz o que for necessário para tanto.

Como eu gosto sempre de dizer, não existem pessoas que se dizem “malvadas” – o que implica dizer que não existe “gente de bem”, pois o julgamento de “bem” ou “mal” depende de quem está julgando. Todos acham que estão fazendo algo correto, mesmo nas piores das situações. Se pegarmos a totalidade de transgressões que realizamos todo dia, os casos em que sentimos genuína culpa são mais raros do que imaginamos.

Neste sentido, a lógica maquiavélica parece cair como uma luva. “Sei que o que estou fazendo é errado, mas é para um bem maior”. Uma variação é “não sei se o que estou fazendo é errado ou não, mas o resultado sem dúvida é para um bem maior”. Os fins justificando os meios. Contudo, isso é uma interpretação equivocada de Maquiavel. Como defensor da República, ele buscou justamente apontar os perigos de tais atitudes monárquicas.

E o que Sheherazade (entre outros citados no início do texto) tem a ver com isso? A questão é simples: num Estado democrático em que vivemos, todos tem o direito de falar o que bem entendem. Se ela acha que é compreensível amarrar alguém num poste, ela tem o direito de achar isso. Mas o que devemos aprender com Maquiavel e seu “O Príncipe” é que, junto com o direito de expressão (e ação), há também o dever de se responder pelas consequências do discurso – especialmente se o fins não forem justificados. E as consequências das ideias de Sheherazade não são das mais agradáveis para aqueles que defendem um cenário democrático.

Em primeiro lugar, como espero ter demonstrado, o “sentir-se violentado” é algo que depende de uma série de fatores. É importante sabermos quem está acusando a violência e o que Estado diz sobre isso. Ao permitir-se que o cidadão faça “justiça com as próprias mãos”, é importante lembrar-se daquelas aulas chatíssimas de História que teve, na qual o(a) professor(a) explicou o modelo dos três poderes, atuante no Brasil. Aquele que cria as Leis (Legislativo) não pode ser o mesmo que julga (Judiciário) e muito menos o que executa (Executivo).

Ditadura

Se concentrarmos esses poderes em apenas uma pessoa, entramos em um terreno perigoso: e se um dia o meu colega decidir me julgar? Em resumo, ao defender a legitimidade do “fazer justiça com as próprias mãos”, você está pondo em risco a própria liberdade. Ou você deseja viver num futuro pós-apocalíptico estilo Juiz Dredd? Ou deseja o retorno da Ditadura Militar?

Ao defender um novo Golpe, ou um modelo social que restrinja a liberdade do Outro, você está pondo em risco a sua própria.

O fato do Estado ter problemas em manter ordem e segurança a seus cidadãos é obviamente algo grave que deve ser trabalhado dentro dos trâmites legais e do exercício democrático. Particularmente, acho um absurdo ver tanta gente hoje em dia sonhando com um novo golpe militar no Brasil, querendo trocar a própria liberdade conquistada por uma ilusão de segurança. Primeiro: segurança para quem? Para você? Para as “pessoas de bem”? E quem decide quem é de bem ou não? Somos realmente tão egoístas e egocêntricos assim?

E se você acha que com isso estou querendo “defender bandido”, recomendo fortemente a leitura do texto “Ninguém é a favor de bandidos, é você que não entendeu nada”, de Ramon Kayo. Sobre as implicações de Sheherazade e sua demonstração de completo desconhecimento acerca do funcionamento de um Estado democrático moderno, recomendo este texto de David G. Borges, “A jornalista e os justiceiros do Flamengo”, muito esclarecedor.

Por fim, espero que o leitor entenda o seu próprio poder comunicativo. Ao pregarmos a legitimação do uso da violência, seja num jornal no horário nobre, seja na numa rede social para seus amigos, às vezes estamos realizando um atentado contra nós mesmos. Você tem direito de expressão e deve usá-lo à vontade. Mas aprenda a arcar com as consequências. Ao defender um novo Golpe, ou um modelo social que restrinja a liberdade do Outro, você está pondo em risco a sua própria.

Sejamos, portanto, menos preguiçosos no pensamento.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Yahoo lança News Digest App para consumo de notícia fast-food

Yahoo acaba de apresentar na CES 2014 o News Digest, um aplicativo que pode oferecer uma solução para quem não tem tempo de se atualizar diariamente com as notícias pipocando ao redor do mundo.

Seu principal recurso é transformar conteúdos densos em informações concisas a partir de uma mistura de diferentes fontes e pontos de vista.

O resultado são pequenas histórias, os chamados “átomos”, que são agendados para enviarem notificações e ficarem visíveis duas vezes ao dia, em uma tentativa de oferecer aos usuários notícias compreensivas e consumidas sem esforço.

Para apresentar tanto conteúdo de forma ordenada, o aplicativo possui um recurso que inclui ícones linkados a diferentes sites, portais e redes sociais, como Wikipedia, Twitter, etc. Isso acaba por ajudar os leitores a se aprofundarem no conteúdo quando acharem necessário.

Há também um relógio de contagem regressiva para o próximo “átomo” de notícias, para que os usuários possam ficar de olho no tempo que gastam e quanto tempo falta para o próximo apurado de informações.

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O aplicativo também funciona como reposicionamento de marca para o Yahoo, passando a mostrar maior domínio sobre os hábitos e necessidades do usuário de dispositivos móveis e as tendências do consumo fast-food de conteúdo.

Yahoo New Digest App está disponível de graça para iOS.

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Jornal francês publica edição sem imagens para mostrar o poder da fotografia

Esta semana, o jornal francês Libération removeu todas as imagens de uma de suas edições diárias, com o objetivo de afirmar a importância do fotojornalismo em tempos em que a indústria tem passado por mudanças e desafios.

Uma forma de silêncio que encara desconfortavelmente o papel da fotografia para tratar e entender os eventos do mundo.

Em artigo publicado por Brigitte Ollier, da equipe de cultura do Libération, jornalista interpreta a edição sem imagens como se informações estivem faltando, “um jornal mudo, sem som”.

A publicação manteve seu design usual, saindo com uma série de espaços vazios, e legendas e textos os rodeando. As últimas páginas dão espaço para todas as imagens que deveriam ter aparecido nos artigos, lado a lado, com referências do local que teriam preenchido.

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De acordo com recente pesquisa feita pelo American Society of News Editors, fotógrafos, artistas e videomakers tem sido afetados desproporcionalmente por atuais cortes de equipe. De 2000 para 2012, o rank destes profissionais declinou em 40%, enquanto o número de jornalistas e repórters diminuiu em 32%.

Dando à fotografía a homenagem que merece, Libération acaba por tocar neste delicado assunto, trazendo à tona reflexões de como a ascensão da tecnologia portátil e de baixo custo borrou as barreiras entre profissional e amador, obrigando a indústria a repensar seu papel e processos de trabalho.

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Aplicativo transforma textos em vídeos para serem melhor consumidos via celular

Apesar do caráter interativo, líquido e multimída da web, a maioria dos canais de notícias online continuam com formatos estáticos de texto, mantendo a interação à cargo do hipertexto e, no máximo, vídeos ou gráficos animados ilustrando as palavras.

Wibbitz apresenta os artigos em breves vídeos-resumos, criados especialmente para o ambiente mobile.

Wibbitz é um aplicativo que automaticamente colhe os fatos pertinentes em um artigo e o apresenta de uma forma mais amigável ao meio mobile: o vídeo.

Ao baixar o aplicativo gratuitamente, usuários podem assistir aos principais artigos do dia e algumas outras categorias de textos, como tecnologia, mundo, negócios e entretenimento – todas com curadoria da própria empresa.

Os vídeos duram no máximo 2 minutos e contam os pontos-chave dos textos, como pessoas, datas, lugares, citações e explicações curtas, narrados por uma voz natural. Ao fundo, imagens, gráficos, vídeos, mapas e outros recursos animam o que está sendo contado. Assim, o usuário pode se atualizar sobre seus artigos on the go, sem precisar ler um texto longo no celular.

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O serviço usa uma avançada tecnologia de análise semântica de texto que permite resumir os artigos em sua essência.

Porém, não é possível que o usuário consuma o texto do site que quiser. Para fazer parte da curadoria de canais disponíveis no aplicativo, é preciso entrar em contato com a empresa para uma integração dessa tecnologia em seu site.

Abordando as relações entre o conteúdo e o meio e, inevitavelmente retomando os conceitos de McLuhan observando o smartphone como uma extensão do homem e seus sentidos, o serviço oferecido pelo Wibbtiz é de certa forma remanescente do Qwiki – que também visa melhorar a experiência no consumo de informação.

Ambos receberam milionários investimentos para crescer seus negócios, mas ainda vemos certas limitações em cada um destes serviços que tentam transformar o formato da mensagem de maneira tão automática. Talvez por falta de hábito ou por ainda não terem sido abodardadas todas as particularidades e recursos de cada meio, e de cada usuário.

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A verdade é perigosa

Toda vez que vejo a Rússia como país de origem de uma peça publicitária, sinto uma curiosidade irresistível de clicar no link para descobrir do que se trata. Com um marcante humor trash, raramente me decepciono. Desta vez, entretanto, fui surpreendida não pelo gosto duvidoso de seus criadores, mas pela força da mensagem desta ação criada pela agência Voskhod para o jornal online russo Znak.com: a verdade é perigosa.

Se você acompanha o noticiário internacional, sabe que a vida não anda muito fácil na Rússia, especialmente para quem fala o que pensa. No caso específico do Znak, a preocupação maior é com a liberdade de expressão, já que sua própria editora, Aksana Panova, foi presa e julgada pelo crime de “dizer a verdade’. Foi aí que surgiu a ideia de colocar pessoas comuns no lugar da jornalista.

Em ritmo de “pegadinha”, um ator faz uma pergunta qualquer às pessoas que passam por ele na rua. Que horas são, qual o nome daquela rua, etc. Ao responder, obviamente dizendo a verdade, surgem policiais e um juiz para prender e julgar os participantes, causando reações desesperadas.

Apesar de não concordar com as pegadinhas em geral, acredito que a opção por este tipo de ação foi coerente com o objetivo. Talvez por ser jornalista e reconhecer a importância da liberdade de expressão como um direito fundamental do ser humano, este vídeo acabou me sensibilizando mais do que deveria.

A julgar pelos resultados, sensibilizou também os russos: o vídeo foi um dos mais vistos no país, a audiência do Znak cresceu em 16% e subiu seis posições na classificação de web-mídias locais.

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Braincast 53 – O novo noticiário

A internet e as mídias sociais transformaram o modo como consumimos notícias. Se antes a televisão e veículos impressa dominavam quase unânime, hoje perdem terreno para os formatos digitais.

Uma recente pesquisa – Trends in News Consumption: 1991-2012 – revelou que 39% do noticiário é consumido online, com a TV ainda na liderança, mas perdendo cada vez mais influência.

No Braincast 53, discutimos o tema e as maneiras como nos informamos nos dias de hoje. Carlos Merigo, Saulo Mileti, Guga Mafra e Vini Melo opinam sobre o futuro do jornalismo, blogs, novas tecnologias para fornecer notícias e manipulação da mídia.

Faça o download ou dê o play abaixo:

> 0h02m04 Comentando os Comentários?
> 0h14m10 Pauta principal
> 0h57m48 Borracharia do Seu Abel?
> 1h04m12 Qual é a Boa?

Recadinhos da Paróquia: Para se matricular no workshop9 “Design: origem, funcionalidade e princípios da estética” em Belo Horizonte, clique aqui.

Críticas, elogios, sugestões para braincast@brainstorm9.com.br ou no facebook.com/brainstorm9.
Feed: feeds.feedburner.com/braincastmp3 / Adicione no iTunes

Quer ouvir no seu smartphone via stream? Baixe o app do Soundcloud.

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Repórteres Sem Fronteiras: Voiceless Eyes

Quando era novidade, aposto que a maioria dos usuários tinha boa vontade, eu inclusive. Porém, confesso que faz tempo tenho preguiça de sites que pedem para ligar a webcam. Eu nem sequer lembrava que tinha uma! Pior aqueles que exigem, caso contrário você não poderá continuar.

O site “Voiceless Eyes” da organização Repórteres Sem Fronteiras é desse segundo tipo, e apesar de não ser uma experiência revolucionária, faz um uso bem interessante da camera de qualidade questionável do seu computador.

Diversas imagens de cobertura jornalística ao redor do mundo, principalmente em zonas de conflito, são censuradas quando o usuário faz o movimento de levar a mão para os olhos. O objetivo é protestar contra as mortes e desaparecimento de jornalistas em vários países, lembrando que todo mundo tem o direito de ser informado.

É uma utilização simples da tecnologia, mas que aqui consegue transmitir a mensagem de forma clara e rápida. Experimente: voiceless-eyes.com

A criação é da agência 84 Paris.

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The Newsroom: Convocando uma nova imprensa

Nova série da HBO critica tudo e todos com o roteiro preciso de Aaron Sorkin e atuações maravilhosas de Jeff Daniels e Emily Mortimer. Um paraíso para jornalistas, um pesadelo para conformistas.

Identificação com um personagem é tudo, seja na TV ou no cinema. Todo mundo sabe disso. E, na maioria das vezes, leva tempo para construir uma persona fictícia capaz de arregimentar multidões e alavancar uma nova série. Aaron Sorkin faz isso em quinze minutos em “The Newsroom”, nova série dramática da HBO, estrelada por Jeff Daniels e Emily Mortimer.

Numa mescla de velocidade, situações extremas e diálogos impecáveis, o roteirista de “The West Wing” e “A Rede Social” cria um personagem, critica uma sociedade e define as regras do jogo para um programa que, finalmente, investiga as entranhas do jornalismo norte-americano. A temática pode ser localizada, mas o conteúdo é dos mais abrangentes e efetivos. Há tempos não sentia tanto prazer, e empolgação, ao assistir a uma série, sem exageros.

Como todo nascimento, Will McAvoy não poderia deixar de chegar ao mundo do entretenimento em meio a confusão, dor, intensidade e um alívio gigantesco. Anestesiado pela necessidade de se manter neutro, portanto ineficaz, à frente do principal programa televisivo de uma grande emissora, e sufocado pela derrocada de seu país, o âncora vivido por Jeff Daniels faz aquilo que toda pessoa consciente, indignada e eloquente gostaria de fazer: chuta o pau da barraca em rede nacional e joga um saco de verdades no ventilador da opinião pública.

Finalmente, depois de inúmeras séries sobre advogados e suas falcatruas, policiais e chefes de cozinha, a profissão ganhou espaço.

Nesse momento, ele cruza a fronteira sagrada (ou melhor, utópica) do jornalismo: assumiu ter uma opinião e a defendeu com unhas e dentes, sem pensar nas consequências e na supervalorização desenfreada da opinião pública – especialmente a virtual. Parcialidade no jornalismo não é nenhuma surpresa e sempre existiu e aceitar isso faz parte do jogo. O velho argumento da imparcialidade e uma vida a serviço da notícia é bobagem para aluno de primeiro ano, ou algum deslumbrado que nunca pisou numa redação, e é isso que as grandes emissoras praticam. Um jornalismo parcial, mas maquiado. Eles fingem que são neutros, o espectador finge que acredita. McAvoy quebra essa barreira ao criticar os Estados Unidos abertamente.

Sua crítica, porém, é resultado de uma agonia longeva sentida pelo personagem e vendida de forma maravilhosa por Daniels em menos de dez minutos no episódio piloto. Alguém precisa dizer e todos são covardes demais, tem rabo preso demais ou simplesmente não se importam o suficiente. Criada essa ruptura, Aaron Sorkin coloca seu conhecimento de estrutura dramática, diálogos complexos e relevantes, e das mazelas que afetam esse país em prática. “The Newsroom” é ambientado numa redação jornalística, mas não é uma série sobre jornalistas. É uma série dedicada a analisar quem consome mídia (de forma errada, na maioria das vezes) e como esse público moldou um dos grandes baluartes da liberdade norte-americana. E, acima de tudo, é a continuação inevitável para “The West Wing”.

Ao acompanhar a vida do Presidente Jeb Bartlett, Aaron Sorkin expos os dramas do poder, as linhas de raciocino dos governantes e acentuou sua falibilidade, da mesma forma em que elevou suas conquista. Tudo em “The West Wing” era resultado de uma equação social, de uma necessidade coletiva, representada pelas ações dos políticos. Bem, se naquela série vimos os burocratas em seu habitat natural, quem, de fato, mostra os governantes da forma como gostariam de ser vistos (ou são descobertos) no dia a dia? A imprensa.

No Brasil vimos a força da Rede Globo ao mobilizar, e manipular, a população durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, por exemplo. E são emissoras como a Globo e a CNN e a FOXNews, aqui nos Estados Unidos, que apresentam os políticos ao eleitorado; que criticam ou chancelam suas ações; quem escolhe as perguntas ou os assuntos a serem abordados; quem persegue ou protege cada um deles; que valoriza de mais, ou de menos, um deslize ou frase marcante. Se os personagens de “The West Wing” provocavam a mudança, são os personagens de “The Newsroom” que a levam a público. Logo, são peças do mesmo jogo.
E a combinação é brilhante.

O roteirista Aaron Sorkin

Com atuações inesquecíveis de Jeff Daniels e da inglesa Emily Mortimer, com direito a discurso de arrancar lágrimas sobre a função e a necessidade do jornalismo sério, eficaz e transformador, “The Newsroom” estreou com um ritmo tão alucinado que poderia ter continuado por mais duas horas sem intervalo e não haveria razão para reclamações. A cada segundo, Sorkin critica a apatia social e midiática dos americanos, questiona seus conceitos e tenta abrir os olhos para uma realidade factual: os EUA perderam muito de sua majestade e, assim como os ingleses, começam a perder terreno por viverem do passado e do status quo em vez de desafiarem a mesmice assim como fizeram seus fundadores.

O episódio piloto empolga, determina os personagens com eficácia e inicia o debate.

Um dos maiores exemplos está nas dinâmicas dentro da própria redação. Um produtor executivo mais preocupado em provar sua virilidade do que investigar uma notícia com potencial inegável apenas por obedecer ao sistema de cores (definindo urgência e relevância) do feed de informações, sendo claramente destronado e superado por um jovem pro-ativo, curioso e preparado para improvisar e se aprofundar em algo que precisava ser noticiado. No caso em questão, o primeiro produtor teria passado batido pela explosão da plataforma Deep Horizon, da BP, que despejou milhares de galões de petróleo no Golfo do México e contaminou toda a Louisiana, enquanto o segundo sujeito agarrou a oportunidade com unhas e dentes.

Muito além do conflito de gerações, Sorkin mostra sua própria insatisfação. Portanto, criou um canal criativamente amplo e intimamente ligado ao dia a dia do povo americano. Eles têm verdadeira paixão por seus âncoras, dos quais o saudoso Walter Cronkite ainda é rei, e seguem piamente seus líderes midiáticos, como fazem os republicanos ouvintes do fanático, e alucinado, Rush Limbaugh.

O episódio piloto empolga, determina os personagens com eficácia e inicia o debate. Quanto disso as redações vão, efetivamente, assimilar e perceber seus erros ninguém sabe, mas é inevitável desconsiderar a importância de “The Newsroom” para a história do jornalismo. Finalmente, depois de inúmeras séries sobre advogados e suas falcatruas, policiais e chefes de cozinha, a profissão ganhou espaço e, pelo que se propõe, pode trazer mudanças.

Quando o chefe de McAvoy o incentiva para que seja a “voz que vai trazer as mudanças para essa geração”, é difícil não imaginar Sorkin dando um recado a qualquer um dos âncoras atuais. Na verdade, é um pedido de ajuda mesclado a um chamado para o combate. A mensagem é clara: o lugar está vago e alguém precisa comprar essa briga.

“The Newsroom” é exibido aos domingos, na HBO norte-americana.

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The Guardian apresenta o melhor comercial do ano até agora: Os Três Porquinhos

Naquele que deve ser o melhor comercial já lançado em 2012, o The Guardian fala sobre o jornalismo aberto praticado nos tempos atuais.

Não apenas nas diversas plataformas e agilidade com que a informação corre, mas também com a participação e reação das pessoas via redes sociais.

Contando assim você poderia imaginar um filme-coxinha, com locução expositiva e auto-elogio. Mas o que a BBH de Londres fez foi se perguntar: E se a história dos Três Porquinhos e o Lobo Mau se tornasse realidade?

Brilhante.

/via Copyranter

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Procura-se: Público disposto a ler bons textos, independente do tamanho

Meses antes de sequer imaginar que teria a chance de conhecer William Shatner na última Comic-Con, fui surpreendido por sua série de entrevistas – Raw Nerve, no canal Bio – com atores de “Jornada nas Estrelas” e outras celebridades. Cheguei a acompanhar o Mind Meld – no qual Shatner e Leonard Nimoy batiam papo sobre a série e os filmes – mas não carreguei muita coisa, de fato, daquelas conversas.

Nessa nova fase, porém, um Bill mais experiente e contemplativo surgiu e essa versão fez com que toda essa relação de amor e ódio estabelecida ao longo dos últimos 20 anos (por conta de minha devoção inabalável a “Guerra nas Estrelas”, claro) fizesse sentido. Se não falhe a memória, na entrevista com Walter Koenig, ele disse algo inesquecível:

“Quero conhecer as pessoas, quero entender o que faz com que elas funcionem, como pensam e por que pensam”.

Por mais idealista que possa soar, Shatner definiu a essência de qualquer comunicador, que, antes de comunicar, precisa compreender qual mensagem precisa transmitir. É um pensamento indispensável nos dias de hoje com o público pulverizado, maior acesso à informação e, seja na publicidade, seja no jornalismo, com clientes perdidos no tiroteio de opções.

Em meus anos de faculdade, ninguém questionava a validade do trabalho do jornalista. Não havia opção à escola da reportagem e ao grande veículo impresso, rádio ou programa de TV, logo, boa parte das conversas de dedicavam a prepara a técnica, manter a ética e respeitar aquela neutralidade utópica que, de fato, nunca existiu. Veio a Internet. Boom. A escola clássica despencou e o resultado é uma imprensa perdida, em busca de novos formatos, de novas rendas, mas, acima de tudo, em busca de uma razão para continuar existindo.

“Seu texto é muito longo, ninguém lê”

Aproximando esse cenário do meu dia a dia como correspondente de entretenimento, um dos mais afetados pela nova mídia, a coisa piora um pouco, pois quando não se existe mais o elemento “especial” da proximidade com o astro e se a janela de lançamento caiu de 1 ano para 3 meses, o que sobra? É aí que William Shatner acerta em sua definição, é aí que editores brasileiros – especialmente os online – precisam lembrar das razões que os levaram a essa profissão e focar no objetivo do que fazem. Hollywood é de todo mundo.

Qualquer blog consegue traduzir entrevistas, pegar fotos, repercutir feeds de notícias e se chamar de “site de notícias”; quem faz isso vai ter milhares de concorrentes exatamente iguais, fato, mas estamos falando de jornalistas ou de verdadeiros redatores que, felizmente, puderam se expressar sem o filtro da grande imprensa. Negada que faz isso para tentar ficar famosa quer saber de hit, não do efeito que seu trabalho causa nas pessoas.

Quantas vezes não ouvi “seu texto é muito longo, ninguém lê”. Eu luto contra essa mentalidade e já perdi muito trabalho por isso. Não é reclamação, foi uma opção. Ouvi isso hoje, aliás. Aquela desculpinha do “ninguém lê texto grande na internet” não cola, desculpe. Se a internet é realmente o novo canal de comunicação, significa que todas aquelas pessoas que aprenderam a apreciar a boa matéria apurada e informativa, ou aquela opinião fantástica do articulista preferido, desaprendeu e vai ser obrigado a “análises” de quatro parágrafos? Duvido. Quando digo Hollywood é de todo mundo, falo do acesso; hoje, pulverizado e quase sempre insosso criado pelo atual sistema de assessoria de imprensa, que encara o profissional como uma mera ferramenta do departamento de marketing.

Olhando esse cenário, um modo de escapar da cobertura rasa e do nivelamento por baixo – o que realmente matou o jornalismo, por conivência de editores e preguiça de “repórteres” que não vivem sem IMDB ou Wikipedia – é justamente a compreensão que Shatner busca em suas aventuras como entrevistador.

Em algum lugar nessa internet de Deus e o Diabo deve existir um público disposto a ler bons textos

Claro que a fofoca sempre vai existir como filão milionário ao revelar as últimas estripulias de gente relevante como as Kardashians ou Lindsay Lohan, entretanto o cinéfilo quer e precisa conhecer seus ídolos, sejam eles atores ou diretores. Com o avanço tecnológico, as chances do cinéfilo se arriscar como produtor de conteúdo é gigantesca com um blog ou até mesmo fazendo seus próprios filmes. A existência de uma base de informações confiável e relevante se torna fundamental e precisa ser oferecida em algum lugar que não os extras dos Blu-Rays.

Ao entendermos como as pessoas bem-sucedidas tomam suas decisões, o que as inspira, onde procuram talentos, o que julgam valioso nos dias de hoje, podemos compreender melhor o mercado do entretenimento, planejar nosso próximos passos e, sem dúvida nenhuma, aprender com erros dos outros. Foi algo James Cameron comentou uma vez:

“Ninguém mais faz filmes bons sobre H.P. Lovecraft, por que muita gente errou demais quando tentou; já sabemos o que não fazer”.

De certa forma, esqueceram da função do jornalismo, a de reportar e registrar, e só querem saber de resolver o problema: voltar a vender. Mudou-se o fim, perdeu-se o meio, danou-se tudo.

Alterando levemente as palavras de Shatner, quero conhecer meus entrevistados e meus ídolos, quero entender o que faz com que eles funcionem do modo como funcionam, quero saber como pensam e por que pensam.

Quero entende-los e compartilhar essas descobertas, pois sei que, em algum lugar nessa internet de Deus e o Diabo exista um público disposto a ler bons textos, independentes de seu tamanho, que clame por informação e ainda se empolgue com as declarações com alguém capaz de te emocionar na tela e te deixar orgulhoso fora dela. Pode chamar de idealista, mas eu prefiro ser chamado de jornalista.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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