Campanhas colocam assédio sexual em evidência

Inconveniente: que não é conveniente, que é importuno, impróprio. Acontecimento que embaraça, importuna, incomoda. É desta maneira que muitas mulheres definem o comportamento de um homem quando ele as aborda em um local público, usando um “elogio” como uma espécie de disfarce para a intimidação – às vezes, até muito mais do que isso, quando o verbal se transforma em físico. Agora, duas campanhas, uma nos Estados Unidos e outra no Brasil, resolveram colocar o assédio masculino em evidência, criando um grande zum-zum-zum na internet.

E como é que esse assunto veio parar até aqui, no Brainstorm9? Basta uma rápida busca pelo nosso arquivo e você irá encontrar diversas campanhas relacionadas à violência contra a mulher no ambiente doméstico, geralmente caracterizada por agressões verbais, psicológicas e físicas. O que a gente percebe nestas ações é que existe um grande incentivo para que as vítimas denunciem seus agressores, já que a maioria costuma ficar em silêncio por medo ou vergonha.

Romper o silêncio, entretanto, não é uma tarefa fácil. Significa ter de se expor, de admitir que não se é tão forte e segura quanto se gostaria, e ainda por cima ser julgada, como se fosse sua a culpa pela violência sofrida. São sentimentos confusos, muito parecidos com os de quem sofre assédio em locais públicos, um tipo de violência tão comum para muitas mulheres quanto ignorado pela sociedade em geral .

Seja para o bem ou para o mal, o assunto parece estar começando a ganhar certa atenção – apesar de as opiniões em relação a ele estarem longe de um consenso. À frente desta cruzada contra as abordagens intimidatórias estão a artista plástica Tatyana Fazlalizadeh, nos Estados Unidos, e a jornalista Juliana de Faria, no Brasil.

Nos EUA, Tatyana resolveu dar um basta – ou ao menos tentar – no assédio sofrido pelas mulheres nas ruas de Nova York e Filadélfia, usando a arte como sua principal arma. Stop Telling Women to Smile é uma série de cartazes com ilustrações e frases que falam diretamente aos ofensores, atualmente em fase de captação de recursos no Kickstarter para percorrer outras cidades dos Estados Unidos.

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Na descrição do projeto, a artista conta que começou o STWTS como uma forma de explorar o ativismo social por meio da arte nas ruas, usando ilustrações de mulheres – algumas, amigas dela – para dar rostos e vozes aos corpos sexualizados. As histórias dos assédios sofridos no espaço público inspiram o texto que acompanha a imagem da pessoa retratada.

Ao levar o Stop Telling Women to Smile para outros lugares, Tatyana planeja repetir o trabalho com as mulheres de cada cidade, ouvindo suas experiências e retratando-as nos cartazes, que depois serão espalhados localmente. Para a artista, será uma forma de aprender como o assédio acontece nas ruas e como as mulheres reagem a ele em diferentes pontos do país, e desta forma criar trabalhos que reflitam melhor aquela comunidade.

Na primeira leva, por exemplo, espalhada pela região de Nova York, as mensagens dizem “Pare de dizer às mulheres para sorrirem”, “Minha roupa não é um convite”, “As mulheres não estão na rua para o seu entretenimento”, “As mulheres não estão em busca da sua validação”, “Meu nome não é baby, pequena, docinho, querida, linda, buu, coração…”, “Críticas ao meu corpo não são bem-vindas”, “Mulheres não devem a você seu tempo ou sua conversa”.

Na primeira leva, espalhada pela região de Nova York, há mensagens como “Minha roupa não é um convite”

A princípio, Tatyana estabeleceu uma meta de US$ 15 mil no Kickstarter, a ser atingida até o dia 3 de outubro. A alguns dias do prazo final, ela já arrecadou mais de US$ 29 mil. Com o sucesso muito além do esperado, a artista está estudando formas de expandir o projeto, talvez incluindo outras cidades além das já definidas – entre elas Baltimore, Boston, Atlanta, San Francisco, Miami, Kansas City, Los Angeles e ?Chicago. Ela também não descarta a ideia de levar o STWTS para outros países, provavelmente no próximo ano. Amsterdã, na Holanda, e Berlim, na Alemanha, são dois destinos em potencial.

Em uma breve troca de mensagens com Tatyana, perguntamos se o Brasil também poderia estar incluído em seus planos. “Eu adoraria ir ao Brasil. Para que eu possa viajar para qualquer cidade ou país, entretanto, eu preciso ter recursos. Isso significa que se eu conseguir fazer alguns contatos, levantar recursos e encontrar pessoas ou organizações dispostas a trabalhar comigo por aí, então será muito mais viável”, explica. 

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Chega de Fiu Fiu

A disposição de Tatyana Fazlalizadeh em vir ao país é uma boa notícia, especialmente agora, quando os resultados de uma pesquisa realizada pela jornalista Karin Hueck e divulgada pelo site Think Olga estão em evidência: 99,6% das 7.762 mulheres ouvidas já foram assediadas em locais públicos. E tem mais: 81% já deixou de fazer alguma coisa por medo do assédio, que disfarçado de “cantada” é rejeitado por 83% das entrevistadas.

Há aqueles que acreditam que tudo se resolve rotulando as mulheres de “mal-amadas”, “mal-comidas”, “frescas” e afins

O estudo pode ser conferido na íntegra aqui, e apesar de seus dados e informações não serem definitivos, eles serve de ponto de partida para debates importantes e que precisam ser feitos. Ao ler os comentários sobre a campanha Chega de Fiu Fiu, criada por Juliana de Faria e da qual a pesquisa faz parte, é possível encontrar todo tipo de opiniões sobre o assunto. Há aqueles que acreditam que tudo se resolve rotulando as mulheres de “mal-amadas”, “mal-comidas”, “frescas” e afins, aqueles que acham que essa história toda é um exagero e quem ainda está se esforçando para entender o motivo disso tudo.

Em comum, é perceptível que a maioria dos homens não consegue entender de verdade a razão de ser da campanha, e talvez ela devesse ter começado por aí: não basta apenas dizer para os eles que nós consideramos determinadas abordagens ofensivas, é preciso explicar para eles o que caracteriza uma abordagem ofensiva e a razão de as mulheres interpretá-las como tal.

É provável que isso seja um choque para alguns homens, mas mulher nenhuma gosta de ser encoxada por um estranho no metrô ou no ônibus. Mulher nenhuma gosta de receber assobios (o tal do fiu fiu), como se fosse um animal de estimação, ou de não conseguir ir de casa ao trabalho (ou a qualquer outro lugar) sem ouvir comentários do tipo “te chupava inteira”. E sabe aquela história de que a mulher quando está com a autoestima baixa passa em frente da construção, só para receber uns elogios? Lenda urbana.

É provável que isso seja um choque para alguns homens, mas mulher nenhuma gosta de ser encoxada por um estranho no metrô ou no ônibus

Se você é mulher, há grandes chances de ter alguma história para contar de abordagens invasivas ou toques indesejados em locais públicos. Se você é homem e duvida, pergunte para a mulher mais próxima. Eu tenho várias, do cara que tentou me cheirar no meio da rua até o cara que ficou passando o pé em mim no cinema. E essas são as mais leves.

No site Think Olga, as mulheres são convidadas a deixar depoimentos com suas histórias de abordagens invasivas – e são não são poucos os casos. Assim como o STWTS, o Chega de Fiu Fiu também conta com algumas ilustrações contra o assédio, assinadas pela designer Gabriela Shigihara. “Apesar de eu não conseguir entender o que está escrito, gosto da ideia por trás deste projeto. Eu adoraria encontrar uma forma de poder trabalhar com elas”, diz Tatyana Fazlalizadeh.

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Cantada x contexto

Se você leu este post com atenção, provavelmente percebeu que a palavra “cantada” foi usada apenas na apresentação dos resultados da pesquisa publicada pelo Think Olga, e agora neste trecho final. Em praticamente todos os textos que li, percebi que as pessoas se prenderam demais à ela e deixaram de prestar atenção ao que realmente importa: a questão do assédio sexual em espaços públicos, definição básica da campanha Chega de Fiu Fiu.

Enquanto todo mundo está discutindo semântica e filosofando sobre como as mulheres estão sendo injustas tentando acabar com um patrimônio antropológico-sentimental que é a cantada, a intimidação, o assédio e a violência continuam sendo ignorados pela maioria, fazendo parte apenas do cotidiano de suas vítimas.

Há várias formas de se abordar uma mulher em público e é possível iniciar uma conversa sem precisar chamá-la de linda, gostosa ou afins. É claro que essas palavras vão acabar aparecendo em algum momento, mas é sempre bom esperar para inseri-las em um contexto mais apropriado.

No final das contas, mulher nenhuma quer ser tratada como um pedaço de carne esperando para ser garfada por aí. O importante é que as pessoas se conscientizem de que o problema existe, sim, e que campanhas como Stop Telling Women to Smile e Chega de Fiu Fiu devem ser apenas um primeiro passo de uma caminhada que deverá passar, também, pela forma como a mulher é tratada no mundo publicitário. Mas isso é assunto para uma outra hora.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Você até pode ter milhares de amigos…

Quantos amigos você tem no seu Facebook? Quantos seguidores no Twitter, Instagram, Pinterest ou em qualquer outra rede social da qual você faz parte? Quantos contatos estão listados em sua agenda ou integram seu network no LinkedIn? É muito capaz que, somando tudo, você perceba que são centenas, até milhares de pessoas. Agora responda: quantas delas você conhece bem de verdade, tem um contato frequente – de preferência pessoalmente -, e pode dizer que realmente são próximas a você?

Se você já terminou de fazer as contas, há grandes chances deste número ter caído drasticamente, com poucos casos em que ele ultrapasse uma ou duas dezenas. É neste momento que percebemos um dos grandes paradoxos da nossa época: temos milhares de “amigos”, mas nunca estivemos tão solitários.

A forma como a tecnologia está presente em nossas vidas não chega a ser um assunto novo – aqui mesmo no B9, ele aparece com certa constância, especialmente no Braincast -, mas será que realmente há razões para a gente se preocupar?

A ideia deste texto não é falar mal da internet, tecnologia e afins, nem tampouco criar um mi-mi-mi saudosista

Não tem muito tempo que começamos um papo sobre o que a internet está fazendo com os nossos cérebros, influenciando a maneira como criamos, aprendemos e raciocinamos. Mas se você parar para pensar um pouco, irá notar como a tecnologia de uma forma geral também está transformando a maneira como nos relacionamos uns com os outros.

Antes de mais nada, o nosso tradicional aviso: a ideia deste texto não é falar mal da internet, tecnologia e afins, nem tampouco criar um mi-mi-mi saudosista para dizer que antigamente as coisas eram melhores. É mais uma proposta de reflexão sobre como utilizamos essas coisas em nosso dia a dia e quais os efeitos colaterais envolvidos neste processo.

Recentemente, o designer Shimi Cohen, de Tel Aviv, resolveu combinar as informações do livro Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other, de Sherry Turkle, e do artigo The Invention of Being Lonely, de Yair Amichai-Hamburger, em seu projeto de conclusão de curso na Shenkar College of Engineering and Design. O vídeo The Innovation of Loneliness mostra como a tecnologia está influenciando a maneira como as pessoas se relacionam umas com as outras e com elas mesmas, os reflexos psicológicos disso e porque precisamos ficar atentos.

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Social por natureza, o ser humano pode até ir à loucura por conta da solidão. Por outro lado, passamos tanto tempo focados na carreira, em ganhar dinheiro, consumir e criar uma auto-imagem, que as redes sociais parecem ser a solução perfeita para “gerenciarmos” nossos relacionamentos de uma maneira muito mais eficiente.

É claro que a primeira coisa que a gente pensa é: mas afinal, o que há de errado com a eficiência? Todo mundo tem aqueles amigos que não vê com tanta frequência, parentes distantes, etc, mas ao menos pelas redes sociais consegue saber como é que estão, mandar uma mensagem no aniversário (que se não fosse pelo Facebook, ia acabar passando em branco), saber quem está solteiro, casado, separado…Mas será que isso é real ou estamos apenas substituindo relações por conexões?

“Estamos colecionando amigos como se fossem selos, não distinguindo a quantidade da qualidade, convertendo o significado profundo e a intimidade da amizade em trocas de fotos e conversas em chats”.

Enquanto uma conversa que acontece cara a cara e em tempo real é regida pelo inesperado, quando muitas vezes você acaba falando demais e sem pensar, um chat, e-mail, post ou SMS cria uma falsa sensação de segurança, de que estamos no controle da situação e podemos nos apresentar como queremos ser, em vez de como realmente somos.

É a história da auto-promoção, com pessoas cada vez mais obcecadas com a edição de perfis, escolha de fotos perfeitas e a obrigação de parecerem felizes o tempo inteiro, como se de fato isso fosse possível. “As redes sociais não estão mudando apenas o que fazemos, mas também quem somos”, destaca a narração de Cohen no vídeo.

As redes sociais não estão mudando apenas o que fazemos, mas também quem somos

Só que, ao meu ver, faltou dizer algo muito importante aí: que não importa o quanto alguém tente controlar ou editar uma ideia por meio de um post ou SMS, é impossível controlar o que o outro vai entender daquilo. Qualquer tipo de comunicação está sujeita à interpretações, que estão diretamente ligadas à formação e experiências do interlocutor. Isso tudo sem contar a possibilidade de ruídos. Em resumo, ninguém está realmente livre de confusões.

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Fantasias gratificantes

Segundo The Innovation of Loneliness, as redes sociais nos oferecem três fantasias gratificantes: que podemos desviar a atenção para onde quiseremos, que sempre seremos ouvidos, e que nunca teremos de ficar sozinhos. É exatamente esta última que está formatando uma nova forma de ser, descrita como:

“Eu compartilho, logo existo.”

A tecnologia passa a ser uma ferramenta essencial para definir quem nós somos. E nós só podemos ser alguém se compartilhamos nossas ideias e sentimentos exatamente no momento em que os elaboramos. Isso significa que se eu não der um check-in naquele lugar incrível, postar uma foto daquela comida deliciosa ou tuítar o que achei do último filme do Woody Allen, é como se nenhuma daquelas experiências realmente tivessem existido.

Tudo isso me fez pensar em uma das experiências mais incríveis que já tive. Em uma peregrinação à Terra Santa – no meu caso, Liverpool – tive a oportunidade de fazer um tour que permite que os participantes entrem nas casas onde John Lennon e Paul McCartney passaram a infância. Só que, por questões de direitos de uso de imagem, é proibido fotografar o interior delas. Para garantir que ninguém vai tentar burlar a regra, temos de entregar máquinas fotográficas e celulares na entrada, que são trancados em um quartinho. Feito isso, você fica livre para circular pelos ambientes, por alguns minutos.

Talvez se ainda estivesse vivo nos dias de hoje, Lennon diria que a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados compartilhando

Agora, imagine você andar livremente pelas casas onde viveram seus ídolos, sem se preocupar em dar check-in, fotografar ou tuítar (que é claro que eu fiz tudo isso, só que do lado de fora), e poder simplesmente curtir o momento. Ouvir histórias, descobrir algo que você não sabia, absorver detalhes e vivenciar uma experiência que vai te marcar pela vida, mas que ficará apenas na sua memória.

Isso me fez refletir sobre como sentimos uma urgência em registrar tudo artificialmente, como se nossas lembranças não fossem o suficiente, como se uma fotografia fosse capaz de realmente captar a emoção de um momento e olhar para ela fizesse a gente revivê-lo. Mas, qual a emoção que você cultiva quando você está distraído demais fazendo uma foto, dando uma check-in ou postando algo?

Em Beautiful Boy, música que John Lennon compôs para o filho Sean, há um verso em que ele diz que a “vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”. Talvez se ainda estivesse vivo nos dias de hoje, Lennon diria que a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados compartilhando. Pois é, a existência é feita de muito mais coisas do que somente aquilo que podemos compartilhar online.

Ainda assim, há até quem finja experiências apenas para ter o que compartilhar e, desta forma, se sentir vivo. E tem vários “serviços” que exploram isso, como um site que “aluga” namoradas, ficantes e afins para o seu perfil no Facebook. Tem, também, o caso do fotógrafo japonês Keisuke Jinushi, que ensina como criar uma namorada fake em fotos para as redes sociais.

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Caso você esteja curioso, um texto no site Oddity Central descreve o passo a passo de Keisuke para conseguir o efeito desejado nas imagens. A começar pela maquiagem: ele aplica bastante base clara na mão direita e esmalte vermelho nas unhas, para conseguir um look mais feminino. Para evitar confusões, ele também coloca um elástico para cabelos no pulso. A “mágica” fica completa com um filtro retrô no Instagram – para o genuíno efeito “girlfriend photo” – e um sorriso bobo, elementos que ajudam a tornar a foto mais verossímil. Nos anos 1980, o filme Namorada de Aluguel mostrou uma ideia parecida, de um cara que queria conquistar o respeito dos colegas e se tornar popular com a ajuda de uma namorada falsa. A diferença é que, pelo menos naquela época, a garota era de verdade.

Da conexão ao isolamento

Sherry Turkle é psicóloga clínica, pesquisadora e professora de estudos sociais da ciência e tecnologia do MIT. Em meados da década de 1990, ela ficou bastante conhecida por defender as oportunidades que a internet oferecia para que as pessoas pudessem explorar suas identidades no livro Life on Screen. A continuidade de suas pesquisas, entretanto, a levou a perceber que as novas tecnologias – emails, redes sociais, Skype e robôs sociáveis – tornaram o controle e a conveniência prioridades, enquanto as expectativas que temos em relação a outros seres humanos – e até com nós mesmos – está cada vez menor.

Em uma palestra no TED, na época do lançamento de Alone Together, Sherry explica que a forma como nos comunicamos hoje em dia, com posts, SMS e afins, servem sim para nos conectar uns aos outros, mas apenas superficialmente. Este tipo de interação é falha se o objetivo é conhecer melhor e entender o outro e, por consequência, compreender a nós mesmos. (clique aqui para assistir à versão com legendas)

Mas como a conexão pode nos levar ao isolamento? Enquanto eu pesquisava e escrevia este texto, passei a prestar muito mais atenção tanto no meu comportamento, quanto nos hábitos das pessoas que convivem comigo. E o que eu percebi me incomodou bastante: eu realmente tenho o costume de sacar o meu celular do bolso mais vezes do que eu gostaria ou deveria. Mais para tentar acompanhar o que está acontecendo pelo mundo – aquele desejo de absorver o máximo de conteúdo possível – do que para compartilhar alguma coisa.

Estamos tão acostumados com isso que dar uma olhadinha, por mais rápida ou demorada que seja, é algo que fazemos automaticamente. Em uma roda de amigos, não sou a única. Há momentos em que, por mais interessados que estejamos em uma conversa, acabamos nos distanciando em algum momento com o celular. O que antes era exceção, há muito já se tornou a regra, como mostra o curta I Forgot My Phone.

Não importa se é por uma questão de segundos ou se por algumas horas, se estamos sozinhos ou acompanhados, mas aquele momento em que nos conectamos virtualmente é também o momento em que nos isolamos e paramos de prestar atenção no que acontece no mundo real.

No raciocínio de Sherry, as pessoas se isolam quando não cultivam a habilidade de estar sozinhas e passam a encarar isso como um problema a ser resolvido, preenchendo o vazio com conexões que amenizem sua ansiedade.

A tecnologia, então, mira onde somos mais vulneráveis: na solidão. Essa incapacidade que muitos seres humanos têm de ficar sozinhos, combinada à necessidade de intimidade, é solucionada graças às plataformas capazes de fazer com que a gente se sinta automaticamente ouvidos. Dispositivos que nos dão a ilusão de que temos alguém, mas sem as exigências de um relacionamento real.

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Nessa história toda, o que eu percebo é que vale a pena ouvir todos os argumentos e refletir a respeito. Cada pessoa certamente chegará à uma conclusão diferente. A minha é que o problema não está na tecnologia, mas na forma como a utilizamos. E vou um pouco além: o que pode ser ruim para alguns, também pode ser bom para outros.

Eu sou da geração pré-internet, sim, e realmente há momentos em que me sinto incomodada com os excessos cometidos graças aos avanços tecnológicos e a internet. Mas quem comete os excessos são as pessoas. Celulares e computadores são apenas ferramentas operadas por seres humanos com diferentes referências ou níveis de filtro – e isso não tem nada a ver com o Earlybird ou afins.

Nessa história toda, o que eu percebo é que vale a pena ouvir todos os argumentos e refletir a respeito. Cada pessoa certamente chegará à uma conclusão diferente

Não posso falar, por exemplo, pela geração pós-internet. Seus cérebros estão preparados para lidar com a tecnologia de hoje, pois desconhecem o mundo sem ela. O ser humano está em constante processo evolutivo, e por mais que às vezes custe aceitar isso, as referências e até mesmo as necessidades são outras. Será que daqui a alguns anos as pessoas realmente vão sentir falta das conversas olho no olho ou nem mais se lembrarão disso?

Por outro lado, não há nada que impeça as tais conexões virtuais de também evoluírem, mas para um relacionamento real, como também já vi acontecer diversas vezes.

A tecnologia faz parte das nossas vidas, e vai continuar fazendo. Por enquanto, tudo o que podemos fazer é tentar nos relacionarmos com ela de uma maneira mais consciente, sabendo diferenciar conexões de relacionamentos e qual a importância de cada um deles em nossas vidas.

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Benefit: homens de verdade não fingem

Se você já leu ou assistiu a algum tutorial de maquiagem, já deve ter percebido que a mulherada tem uma obsessão declarada pelos chamados cílios de boneca. A maioria de nós quer ter cílios longos, volumosos e tão curvados quanto os de Betty Boop que, convenhamos, não é real. Sorte da indústria da beleza, que aproveita e até estimula esta ideia criando produtos capazes de entregar o efeito desejado de cílios falsos instantâneos. E é exatamente nesta “falsidade” que a marca de cosméticos Benefit resolveu mirar ao apresentar uma máscara que promete valorizar os cílios reais das mulheres, na campanha Real Men Don’t Fake.

Antes de apertar o play no vídeo acima, tente se lembrar de quantas vezes você já viu a mulher ser tratada como um objeto na publicidade de produtos de moda e beleza. Quantas vezes elas apareceram seminuas – quando não totalmente -, ou contracenando com homens prontos para consumi-las como se fossem um pedaço de carne? Você ficou incomodado? Agora inverta os papeis e coloque homens no lugar de mulheres e vice-versa.

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Preciso ser sincera e dizer que, na primeira vez em que assisti a este vídeo, achei simplesmente idiota. Afinal, que mulher em sã consciência usaria uma máscara para cílios guardada na cueca alheia, mesmo que fosse o pacote (hein, hein) de alguma celebridade (os famosos: quem?), como dizia a descrição. Mas isso foi até os segundos finais, quando apareceu a seguinte frase:

“Rir é o melhor cosmético”

E isso faz total sentido. Lá fui eu dar uma nova chance e tudo começou a ficar mais claro. Não é idiota, pelo contrário. A agência Portal A fez uma jogada inteligente ao inverter os papeis aos quais estamos acostumados. Só que, para que tudo isso fizesse sentido, apostou no humor ao comparar os cílios femininos ao genital masculino, que aparece diversas vezes em close. Afinal, tanto as mulheres quanto os homens parecem estar preocupados demais somente com o tamanho de seus “atributos”, o que realmente é uma grande piada.

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Uma olhada rápida nos comentários, entretanto, comprovou que a maioria está preocupada demais em levar tudo tão a sério, que preferiu ignorar a piada. Teve quem classificou o filme de horroroso, nojento, estúpido, sexista, perda de tempo, querendo criar uma controvérsia… Mas o que vale, realmente, é que por mais tosco que tenha sido o tratamento dado, ele está conseguindo chamar a atenção. Algumas pessoas vão parar e pensar a respeito, outras não.

Uma boa máscara para cílios pode até ajudar a “abrir o olhar”, como costuma-se dizer. Mas no final fica a reflexão de que nenhum padrão de beleza deve ser levado tão a sério a ponto de nos cegar para o que realmente importa.

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Eu acredito em conteúdo

É verdade. Eu acredito mesmo. Acho que um bom conteúdo é a grande estratégia para muitas das marcas não só na internet. De revistas customizadas a posts em redes sociais e blogs, um conteúdo bom e bem contextualizado é fundamental.

Em um tempo em que parte do conteúdo que vemos nas redes sociais é basicamente para ser consumido rapidamente, as vezes uma imagem, uma atualização de status, etc., agora começam a aparecer sites, aplicativos e etc focados em textos longos e muitas vezes bons. O Medium é um desses sites que buscam trazer algo novo, o Narratively também traz histórias incríveis.

No SXSW desse ano fui em duas palestras sobre conteúdo bem interessantes. Uma delas foi a “Sustainable Stories from ‘Disposable’ Content” em que um conteúdo interessante era criado de maneira simples. Nessa palestra eu ouvi histórias sobre o Same Hill Different Day com fotos de um mesmo local em dias diferentes (duh!) e sobre o 1 in 8 million feito pelo NYTimes em que é feito um perfil de um personagem de Nova Iorque de maneira simples como a história de Ed Grajales, o homem que conserta Dictaphones.

São coisas simples e realizações simples também mas que fazem um bom conteúdo e a base disso são histórias boas.

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E é por isso que eu acredito em conteúdo. Quando ele é de boa qualidade, em algum momento ele vai achar o seu espaço. E não. Em nenhum momento eu critiquei formatos de conteúdo. Acho que fotos boas no Instagram, Tweets e Status Updates podem ser bons conteúdos. Existem vários exemplos de conteúdos bons feitos em formatos que, teoricamente, não são os ideais para isso. O importante, para mim, é ele passar alguma coisa e fazer sentido para o que a pessoa (ou marca) quer transmitir.

E por falar em histórias boas, vale a pena ver Snow Fall, a história publicada em Novembro pelo New York Times (eles de novo) que inovou na maneira e abrangência de mostrar uma história verídica de snowboarders, esquiadores e uma avalanche. Embora recentemente essa história tenha voltado a tona por conta da polêmica envolvendo o Scrollkit e o post no Medium sobre esse caso, quando você lê Snow Fall, vê os vídeos complementares, gráficos e simulações, além de notar o potencial de se contar uma história usando todos esses recursos, o que está por trás disso tudo é uma história que é muito boa e que emociona.

É um texto bem longo e detalhado e que poderia ter sido resolvido com um mini-documentário mas que os editores optaram por contar de uma maneira super completa com todos os recursos possíveis. Mas o grande lance é que esse é um conteúdo que é para ser consumido com atenção. Não é um tweet, uma atualização de status ou um vídeo de 60 segundos contando um filme inteiro. Até poderia ser mas esse não era o formato ideal para a história que eles queriam contar. Claro que isso só acontece com histórias boas e relevantes. O que me leva a segunda palestra do SXSW que eu vi e que tinha insights interessantes: “Whoah Nellie: Content Strategy for Slow Experiences”.

Um desses exemplos é que conteúdo pode mudar a percepção de uma experiência. Pense em uma fila em um parque de diversões que já vai te preparando para a experiência passa mais rápido do que as filas normais. Alguns brinquedos na Disney ou na Universal são assim. Essa preparação te deixa mais imerso naquele ambiente e faz com que o tempo desagradável que se passa em filas passe mais rápido.

Isso pode ser desde visitar a redação do Clarim Diário na entrada do brinquedo do “Homem-Aranha” até a fila de um brinquedo fazer parte da experiência como no “Exterminador do Futuro”. As pessoas estão descobrindo mais sobre aquele universo através do conteúdo. Umas absorvendo mais, outras menos, mas cada uma no seu tempo e isso acontece porque havia conteúdo suficiente ali para deixar que as pessoas possam se aprofundar.

Quem trabalha com jornalismo já conhece o conceito mas aqui vai para quem não conhece. Podemos considerar que existem dois tipos de conteúdo. Flow e Stock. O primeiro é aquele conteúdo do dia a dia que tem que sair rápido e que geralmente aparece nos feeds de Twitter e outras redes sociais. Já o Stock é aquele conteúdo que pode reaparecer em 2 meses ou 2 anos após ter sido publicado por que seu conteúdo é quase timeless.

Dá até para pensar que o Flow pode ser feito de Stock até porque tem muito mais conteúdo sendo curado e compartilhado do que produzido. Mas entendendo isso já dá para identificar qual a maior parte do conteúdo publicado nas redes sociais, né? O que é basicamente o que falei antes sobre conteúdo produzido e curado. Mas o lance é que muito do conteúdo produzido (e não curado) é apenas Flow. É necessário? É, mas talvez não seja suficiente para fazer com que as pessoas queiram acompanhar o que você produz. Pode funcionar por um tempo mas depois cansa.

Acho que isso pode ser um resultado que vem da noção de que a frequência vai fazer com que seu público lembre de você e que isso basta. A frequência alta de conteúdo ruim é simplesmente isso: muito conteúdo ruim. Shit IN/Shit OUT. Agora se tivermos como parar e produzir conteúdo com uma boa qualidade com uma frequência não tão alta, será que não seria melhor? Será que isso não pode fazer com que você seja visto de outra maneira?

Eu já falei isso algumas vezes aqui no B9, as marcas nunca falaram tanto com seus consumidores quanto agora. Claro que tem o contexto de termos diversas ferramentas para fazer isso e tal mas não é só isso. O fato de o custo de publicação ter caído bastante com a internet é digno de nota mas se esquecermos do custo da produção desse conteúdo, pouco adianta falar muito. Isso vira apenas ruído.

O Buzzfeed começou a produzir conteúdo diferente de apenas listas de celebridades e fotos de gatos. Eles começaram a dar furos jornalísticos e começaram a ser mais respeitados entre os jornalistas e como um veículo. O Jonah Peretti tem uma metáfora bem interessante sobre conteúdo variado que é mais ou menos assim:

Imagine um Café em Paris. Você vai lá, com o jornal Le Monde embaixo do braço e um livro de filosofia. Assim você lerá um pouco de filosofia e as notícias do dia enquanto bebe seu café. Como você está em Paris, sempre tem um cachorro na mesa do lado e você acaba brincando um pouco com ele também e ao olhar para a mesa do lado tem uma mulher bonita e você acaba flertando um pouco também. E assim são as pessoas. O fato de você brincar com o cachorro e flertar não quer dizer que você é idiota e não entende o livro de filosofia.

E é mais ou menos isso que temos que lembrar. A variedade do conteúdo não quer dizer que ele é bom ou ruim. O que vai fazer isso são outras coisas. Claro que quando estamos falando da presença online de marcas, as vezes temos limitações de tema, brand persona e etc mas não somos todos assim? O conteúdo tem que fazer sentido para o que a marca representa/quer representar para o seu público.

Quem sabe quando começarmos a prestar mais atenção na qualidade do conteúdo produzido, começaremos a ver mais conteúdo de boa qualidade numa frequência consumível? Temos interesse em várias coisas. Isso é legal mas será que tudo merece virar conteúdo produzido e compartilhado?

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Amém, Yeezus

Yeezus

Antes de falar do site-videoclipe interativo lançado por Kanye West, gostaria de pontuar algumas coisas sobre o novo disco “Yeezus” e compará-lo com o Jay Z.

Eu admiro Jay Z como empresário e visionário nos negócios da indústria musical, mas seu novo disco é o mais do mesmo. O mesmo de sempre em estrutura, batidas e letras. Já Kanye West está virando uma espécie de Mike Patton: quer pirar e fazer da música um experimento próprio.

Mike Patton depois do Faith No More tentou fugir do heavy metal padrão a qualquer custo (ou do funk metal talvez, pra quem lembra) e encontrou um caminho fértil. Kanye quer fugir do Hip Hop e do Rap pasteurizado, mesmo que colocando em risco as formulas que vendem milhões de discos. Ouça este novo disco e tire suas conclusões.

Jay Z e Kanye West são dois amigos, músicos e milionários disputando no mercado. E tentando liderar. Neste momento Jay Z acertou no business com a Samsung, lançando 1 milhão de cópias do seu disco prontamente pago pela marca. Ideia simples e genial. West está acertando na arte e no conceito do disco. Maluco, delirante, pesado, extremo, sujo e lindo. Tudo ao mesmo tempo.

Quem não entende a piada e o sinismo do cara que se diz Deus, não entendeu a mensagem que ele quer passar. Mas quem disse que seria fácil entender?

Sobre o site-videoclipe, acho melhor você entrar lá e gastar uns minutos – www.kanyewest.com

Yeezus
Yeezus
Yeezus

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Como ganhar um Leão em 2014

Em praticamente todas as coletivas de imprensa em que o júri de cada categoria anunciava e justificava suas escolhas, um tema era recorrente: o impacto da publicidade na vida das pessoas.

Se considerarmos os grandes premiados dessa edição de Cannes Lions – e pode incluir aí também Leões do ano passado, como a Nike levando mais um Titanium com inovação de produto – podemos observar a importância de se fazer a diferença diretamente no dia a dia do público-alvo e/ou ser capaz de iniciar e influenciar debates.

A criatividade por si só, seja com bom humor ou emoção, incluindo produção e direção de arte que saltam aos olhos, também é premiada, mas fica relegada aos metais inferiores. Prata e Bronze lauream dezenas dessas ideias, que tem seu valor como arte e comunicação, é claro, mas restritas em impacto.

Cannes Lions

Os “grandes” Leões ficam reservados para as tão sonhadas big ideas, com alcance global e temáticas amplas. Campanhas que incluem a mensagem da marca dentro de um contexto maior, seja ele social ou entretenimento. Falar com propriedade e honestidade, algo que não necessidade de algum tipo de defesa para o consumidor comprar. Do júri de PR ouvi uma frase que resume bem:

“Se a campanha precisa de press release, ela não funciona”.

Além disso, também parece absurdo não considerar o fundamental poder de compartilhamento da internet no momento da criação. É importante compreender o que disse George Louis no painel da TBWA, que estamos no negócio de ideias, e não no de tecnologia, mas é ainda mais relevante o desejo de Gareth Kay da Goodby, Silverstein & Partners: “Quando crescer, quero ser um hacker”.

Cannes Lions

Claro que alguns projetos locais também são reconhecidos, como o GP de Mobile e o brasileiro GP de Promo, “Fãs Imortais”, porém, os maiores vencedores esse ano – “Real Beauty Sketches” (Dove), “Dumb Ways To Die” (Metro) e “The Beauty Inside” (Toshiba) – não dependeram de nenhum outro meio, além da internet, para atingir as pessoas e gerar um impacto (verdadeiro) que nem uma porção de milhões de dólares conseguiria.

Sim, eu sei que isso é um discurso repetido, mas não parece totalmente claro ainda. Perdi a conta da quantidade de seminários que assisti com pessoas que continuam precisando evangelizar sobre plataformas online e redes sociais. Algo que me fez lembrar da analogia do Cris Dias no ano passado, quando esteve no SXSW.

A internet ainda tem outro valor considerando a pluralidade dos júris do festival: quem vota já chega sabendo quais são os grandes cases do ano. O discurso de defesa das agências vale cada vez menos em um cenário que qualquer um é capaz de mensurar o alcance de uma ideia. Sim, os fantasmas ainda se fazem presentes em todas as categorias, e ganhando Leões, mas como competir com um vídeo que, antes mesmo do início do festival, já era considerada a publicidade mais assistida no YouTube?

Ogilvy Brasil foi escolhida a Agência do Ano

Ogilvy Brasil foi escolhida a Agência do Ano

Quem ganha comemora e coloca o troféu na estante, quem “perde” diz que não vale nada

Mas algo ficou estranho. A Red Bull não inscreveu aquele que era visto como uma barbada em Cannes esse ano. “Stratos” certamente ganharia uma manada de leões, incluindo Titanium, e sua ausência talvez seja um recado da marca para a nossa indústria. Ou simplesmente não quiseram se dar ao trabalho, e teorias da conspiração não trarão respostas.

Todo mercado tem seu festival, ou melhor, vários deles. Cannes Lions se propõe a celebrar a criatividade, e é óbvio que nem sempre, ou melhor, quase nunca vai fazer justiça. Tem muito de gosto pessoal, os critérios para se julgar criatividade são muito subjetivos. Quando fui jurado do CCSP, por exemplo, percebi como o consenso é difícil. Aquilo que parece óbvio e ululante para um, é questionável pra outro, e a decisão demora a sair. Nessa hora entra a influência e retórica do presidente do júri.

No fim das contas, quem ganha comemora e coloca o troféu na parede, quem “perde” diz que não vale nada. Ainda assim, ninguém deixa de tentar. O Brasil bateu seu recorde histórico de prêmios nessa edição de Cannes Lions, levando um inédito GP de Titanium com características que podem – e devem – influenciar nosso trabalho daqui pra frente. Claro, não é todo dia e todo cliente que pedem uma big idea, mas saber como elas funcionam ajuda bastante. Leia o B9 – a maioria dos trabalhos reconhecidos passaram por aqui durante o ano – e veja todos os premiados no site do festival. Relembre também nossa cobertura aqui no site e no Instagram.

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Aceite e incentive também o sofativismo

Desculpe o transtorno na cobertura especial sobre Cannes. É por um bom motivo: estamos querendo mudar o país. 🙂 Aqui está o post prometido durante o nosso Braincast especial sobre as manifestações que tomaram o Brasil nas últimas semanas.

O termo “sofativismo” é, por si só, bastante pejorativo: fala sobre um tipo de ativista que não sai do sofá e, por isso, permanece alheio à sua própria causa. Mas este post tentará fazer alguma justiça ao ativismo pela Internet.

Estava lendo uma entrevista feita há alguns meses com o professor Pierre Lévy (sim, você leu textos dele na faculdade, mas ele continua bem vivo e bastante ativo no Twitter), justamente defendendo o sofativismo. Ele apresentou há alguns anos o conceito de ciberdemocracia, em que as ferramentas digitais possibilitarão aos cidadãos um maior conhecimento sobre o país, Estado, município e comunidade onde vivem e exigirão das esferas de governo transparência nas contas e nas relações políticas. Mas sabe que o caminho para chegar lá demanda outras revoluções.

E não é o que estamos assistindo desde o ano passado no mundo inteiro? O que foi a Primavera Árabe se não um grande levante popular contra os governos de diversos países por maior liberdade de expressão, troca de conhecimento e transparência?

E os levantes europeus contra as soluções empacotadas para a crise econômica do bloco – grandes empréstimos aos bancos e apertos nos gastos públicos, que incluem uma série de benefícios para a população? De alguma maneira não pediam um diálogo maior com os anseios da população por soluções menos prováveis, como a da Islândia – que prendeu ex-governantes e banqueiros e construiu uma nova constituição de maneira colaborativa e online?

Finalmente falando de Brasil, o que estamos vivendo nos últimos dias, ainda que com um estopim pequeno como o aumento do transporte público nas principais cidades, mas com claros sinais de que as esferas governamentais não representam seu povo?

Para Lévy, o sofativismo é uma forma alternativa para o cidadão fazer o mesmo que o ativista tradicional, mas dispondo de ferramentas digitais. Na prática, o sofativismo ajuda a manter as pessoas informadas sobre os diferentes pontos de vista e, assim, a definirem posições sobre temas importantes.

Muitos focam-se nas imagens da repressão policial durante o Quarto Ato contra o Aumento das Passagens, mas se esquecem que uma semana antes, durante o Primeiro Ato, o Movimento pelo Passe Livre levou às ruas menos de 1000 pessoas. Ou seja: antes mesmo das cenas de violência policial desnecessária, até os telespectadores do programa do Datena já eram favoráveis aos manifestantes, com ou sem baderna, e não foi a TV que formou esta opinião.

E o que vem agora que levamos centenas de milhares de pessoas para as ruas? Agora é que o sofativismo deve manter todos em alerta.

A Internet deve continuar quente, sim. Deve ser o palco do aprofundamento de discussões importantes. É ali que iremos entender melhor que “Fora Dilma, Alckmin e Haddad” ou “Chega de corrupção desses canalhas do Congresso” servem como gritos na rua, mas não como bandeira do movimento. Se fosse assim, o Movimento Cansei teria tido algum êxito. A passeata contra o Mensalão, também. Longe de defender que o fim da mobilização deve acontecer quando o governo baixar as tarifas de ônibus, mas discutir transporte público nas principais capitais do país já é um imenso desafio!

Não é depois de ter mobilizado todas as pessoas conectadas e de levar uma boa parte delas às ruas sem a ajuda dos principais veículos do país que agora devemos seguir uma cartilha de manifestação dos jornais, só porque eles mudaram de idéia (#TEAMManifestantes?).

É muito fácil para alguém que viu tudo de fora até ontem mencionar o que está faltando para o protesto enfim se tornar “legítimo”. Se bem que, num momento em que a opinião pública é favorável, todo mundo vai dizer que já apoiava as manifestações desde sempre. Ainda bem que inventaram o permalink.

Se você achar que anda lendo opiniões estranhas demais, meu caro amigo, não desanime. Use a mesma Internet para compartilhar os seus pensamentos e convencer amigos de que algo está acontecendo. Não deixe a discussão cair em velhos antipetismos ou antitucanismos, porque até vinte míseros centavos valem mais do que isso.

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O que a maioria das escolas não ensina, mas ainda assim podemos e devemos aprender (Parte 2)

Se você leu a primeira parte deste texto, já sabe que o mercado mundial de tecnologia da informação padece com o déficit de profissionais especializados e que a situação dá sinais de que irá se agravar bastante nos próximos anos. E se nos últimos tempos você já tentou preencher uma vaga de programador, sabe que a tarefa se assemelha à jornada de Frodo e Sam para destruir o Um Anel.

Até porque não basta saber programar, mas também é preciso ter algumas qualidades que se encaixem com os valores, cultura e posicionamento da empresa.

Ok, mas e daí, o que eu faço se eu quiser aprender a programar e não quiser/puder depender de uma escola?

Bom, daí você vai contar com a ajuda de programadores que pensaram nisso e criaram sites, aplicativos e tutoriais que ensinam a codificar, independentemente da sua idade. No próprio site da CodeOrg é possível começar a aprender alguma coisa graças aos parceiros do Scratch, Codecademy, Khan Academy e CodeHS.

code3

A Codecademy, inclusive, tem uma versão mais ou menos em português. O site ensina a programar gratuitamente, de uma maneira interativa e interessante. Quando dá tempo, eu tenho tentado aprender um pouco, não só porque pode ser útil no meu trabalho, mas também porque eu adoro lógica e fiquei curiosa para explorar um pouco mais esse universo.

Também no CodeOrg há alguns links interessantes, com tutoriais online que incluem o Hackety Hack, LearnStreet, Lynda.com e Udemy, cursos universitários da Coursera, Edx, Udacity e TeachingTree.co.

Para aprender a fazer webpages, aplicativos mobile e até criar códigos para robôs, há o Mozilla’s Thimble, Code Avengers, AppInventor, Codea, Arduino e Lego Mindstorms.

Há, também, formas lúdicas e divertidas de se aprender código que são perfeitas para crianças ou para você, que costuma baixar aplicativos de lógica e quebra-cabeças em seu smartphone/tablet, mas gostaria de ter um algo mais em seu passatempo. RoboLogic, LightBot, CargoBot, Move the Turtle, Kodu e KidsRuby estão entre eles.

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Apesar de não estar na lista do CodeOrg, recentemente conheci o Hopscotch, um aplicativo gratuito para iPad que também é bastante interessante para ensinar a garotada a programar. A proposta dos criadores é permitir que a criação de coisas no universo digital sejam tão fáceis para as crianças como é no universo analógico.

Isso significa que aquele jogo que seu filho queria que existisse, mas ainda não foi inventado, pode ser criado por ele mesmo.

É interessante pensarmos que, seguindo essa linha de raciocínio, entramos também na questão do design thinking e do empreendedorismo, com pessoas de todas as áreas e idades desenvolvendo soluções para N problemas que, como mostramos no outro texto, estão interligados de alguma maneira à programação e seus incríveis códigos.

Por enquanto, tudo isso é apenas uma reflexão, uma ideia. É o meu jeito de produzir um código esperando que ele sirva para criar algo, algum dia. Quem sabe.

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O que a maioria das escolas não ensina, mas ainda assim podemos e devemos aprender (Parte 1)

Steve Jobs disse, certa vez:

“Todo mundo neste país deveria aprender como programar um computador… Porque isso ensina como pensar.”

É claro que, quando ele se referiu ao país, ele quis dizer Estados Unidos, mas de qualquer maneira é um raciocínio que poderia facilmente ser aplicado em outras partes do mundo, inclusive Brasil. A frase abre o web documentário What Most Schools Don’t Teach, da CodeOrg, que reúne nomes conhecidos da tecnologia – e também de fora dela – para falar sobre como aprender a programar foi importante para eles.

A ideia do documentário é mostrar que, independentemente da área que muitos deles seguiram, aprender a programar fez a diferença. E que apesar de parecer intimidante no começo, nada mais é do que um exercício de resolução de problemas que permite que a gente crie qualquer coisa do zero. Mais ou menos como tocar um instrumento musical.

Programar é também uma forma de expressar sua criatividade e imaginação.

Segundo o CodeOrg, nos próximos 10 anos o mercado de TI terá 1,4 milhão de vagas, mas apenas 400 mil profissionais capacitados – ou seja, um milhão de vagas sobrando. E isso é apenas nos Estados Unidos.

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O Brasil vai pelo mesmo caminho. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria IDC, atualmente há 39,9 mil vagas sobrando no mercado nacional de tecnologia. Até 2015, a perspectiva é de que esse número triplique em função do déficit de profissionais qualificados.

Daí a gente pergunta: será que não está na hora de começarmos a fazer alguma coisa?

Algumas empresas – pelo menos as grandes como Google, Facebook, Twitter e afins – têm investido forte para atrair os profissionais certos e que já estão disponíveis no mercado, criando escritórios “incríveis”, com direito a alimentação saudável, academia e ambientes pensados para estimular a criatividade.

Levando-se em conta que computadores estão em todas as áreas possíveis e imagináveis, independentemente do produto final de cada uma delas, e que na era da comunicação estamos interligados por, adivinhe, códigos criados em computadores, realmente vale a pena inserir este tipo de aprendizado em escolas.

O problema é que uma outra pesquisa produzida pelo movimento Todos pela Educação, De Olho nas Metas 2012, indica que somente 10,3% dos jovens brasileiros têm aprendizado de matemática adequado à sua série ao final do ensino médio. E as receitas de Miojo e hinos de times de futebol nas provas de redação do Enem também não ajudam muito na hora de defender a inserção de aulas de código no currículo educacional brasileiro.

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Por outro lado, não faltam provas de que o nosso currículo educacional precisa ser revisto, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo. Isso e algo um tanto mais importante – que provavelmente será um desafio ainda maior:

Nós, brasileiros, precisamos nos livrar dessa maldita herança cultural de pensar que estudar é chato.

Estudar não é chato. Chato é você ser obrigado a aprender coisas inúteis, que você sabe que não terá de usar para nada mais em sua vida além de passar de ano. O problema é que também existe uma categoria de coisas que você pode até pensar que são inúteis, mas que estão interligadas a algo maior e mais importante.

No papel de alunos, a gente até pode achar que sabe tudo, mas não sabemos. E ainda por cima é raro encontrarmos um professor que consiga nos inspirar ou pelo menos mostrar, na prática, que aquilo será útil em algum momento. Aos poucos, essa equação vai ficando cada vez mais complicada.

Em resumo, não sabemos diferenciar o útil do inútil, então generalizamos tudo como inútil e ponto final.

Você pode até concordar ou discordar, mas esta é a minha opinião.

Seria ótimo poder contar com o sistema educacional para aprender e ensinar coisas que poderão fazer a diferença não só entre passar ou repetir de ano, mas também na sua formação como ser humano e como futuro profissional, mas enquanto isso acontece de maneira pouco expressiva em apenas algumas escolas, talvez seja o caso de a gente tentar buscar conhecimento em outras fontes. (Continua na parte 2).

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Pela porta da frente

De certa maneira, toda boa ideia acaba virando uma fórmula. É repetida, copiada e claro, transformada em alguma forma de ganhar dinheiro.

Outro dia, em um dos Braincasts, ouvi o Saulo falar sobre algo bem característico dos anos 2000 na publicidade: peças que se apoiam quase que 100% em um garoto-propaganda. Um rostinho nem sempre bonito mas na maioria das vezes conhecido se torna muito mais influenciador do que um conceito interessante, uma boa ideia, ou até mesmo um bom texto.

Mas boas ideias, bons textos e rostos conhecidos surgem a cada segundo na tal da internet.

Foi assim que o Porta dos Fundos deixou de ser um projeto lado B. Antes, tinha uma coisa quase underground, daquelas que você passa o link para os amigos com o simples propósito de dar risada, sem esperar que alguma propaganda marota vai enxergar em você um público circunstancial. Passou a ser um canal, um programa, que faz publicidade de um jeito claro (bem diferente do Rei Silvio Santos fazendo as propagandas subliminares de 1 frame para Jequiti).

O que chama a atenção na trajetória deles até aqui é a completa inversão do relacionamento entre a “marca” Porta dos Fundos e várias outras marcas de produtos e serviços.

Se você acompanha, mesmo que por cima, o canal (que é excelente, com alguns roteiros incríveis), deve se lembrar da primeira vez que uma empresa é citada de forma indireta (só que não). Fábio Porchat de Blue Men Group, tentando cancelar uma linha de celular, expondo problemas da TIM que fizeram clientes e não clientes se identificarem.

Depois foi a vez do Spoleto e seu atendimento com falhas. E da primeira grande virada: “Vamos aproveitar isso a nosso favor?”. Fizeram o segundo, que sugeria às pessoas reverem o primeiro e conquistou para a marca uma simpatia, uma imagem positiva vinda da atitude ousada de bater no peito e fazer o mea culpa.

Daí veio a FIAT, pulando a parte da crítica, indo direto para a propaganda, aproveitando os rostinhos e o canal conhecido (e descaracterizando um pouco o estilo deles).

Mas agora lá estão eles. Clarice Falcão – que já tinha um canal próprio beeeem legal no YouTube – emplacou uma música pra lá de chiclete para o Pão de Açúcar. Seu par, Gregorio Duvivier, que na época das propagandas da NET era quase um anônimo, já chama mais atenção do que o anunciante nos filmes do Renault. E o Fábio Porchat, que já não era exatamente um desconhecido, agora encena até mesmo propaganda dos biscoitos Mabel e da Prepara (!).

Puxa, que coincidência! Claro que não. O canal Porta dos Fundos Comerciais está lá, a todo vapor. Uma agência, uma produtora, uma mina de ouro. Mandem portfólios!

O que quero concluir com isso? Apenas a reflexão de que talvez estejamos entrando numa tendência de rir de nós mesmos, de olhar a ironia com bons olhos, de aprendizado sobre como usar a opinião espontânea do público em tempos de redes sociais. Talvez tenhamos passado da fase do “te processo”, e logo mais o CONAR fique menos rígido.

E que daí, quem sabe, um dia, a gente volte ao tempo em que a publicidade brasileira ganhava prêmio a rodo, porque tinha humor inteligente e ousado (aquele dos argentinos de hoje em dia, sabe?).

Enfim, é como diria o @raul_amderlaine: “mas devago” (sic).

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Compartilhando o “anúncio incompartilhável” do BuzzFeed

Hoje, esta foto acima foi encontrada na timeline do meu Instagram. É um anúncio do BuzzFeed em uma revista – que eu não sei dizer qual é – exaltando as qualidades sociais de se anunciar em sua plataforma, quase que exclusivamente composta por conteúdos compartilhados por seus usuários.

Vale então uma reflexão sobre qual é a proposta do BuzzFeed neste bem-humorado ataque à mídia tradicional:

O modelo de anúncio, conforme descrito no site, pode ser resumido em: pague-me para viralizar o seu conteúdo. Como o serviço já possui alcance e usuários suficientes para que a performance dos anunciantes seja razoavelmente boa, seria fácil incluir ali no meio do conteúdo bizarro que circula por lá alguns links interessantes.

Só que, apesar de prometer viralização, o BuzzFeed utiliza-se de subterfúgios para alcançar os números prometidos, como títulos quase pornôs para fotos aparentemente inofensivas e outras inutilidades para uma determinada marca. A questão sobre o que é agregado a uma determinada marca utilizando compartilhamento pelo compartilhamento, que nos proporciona aquelas incríveis imagens “curtir/compartilhar” tão disseminadas por aí, é completamente válida: será que funciona mesmo ou estamos apenas colecionando números que dizem pouco?

buzzfeed

O outro segredo da viralização, segundo relatou o Atlantic Wire, é comprar mídia do Facebook para os posts patrocinados. Mas se o Facebook vende likes à granel, a própria empresa poderia administrar suas metas em vez de terceirizar o serviço a um veículo (perceba que a linha que separa veículo e agência virou uma grande área cinza na Internet).

Se funciona ou não funciona, o tempo e os resultados dirão. Mas a provocação é válida em tempos digitais/sociais de consumidores cada vez mais conectados e departamentos de marketing ainda conservadores. Não que eu acredite que mídia em revista não funcione mais: ela ainda pode ser importante dentro de um mix que deveria, sim, contemplar mais opções digitais. E se trouxer um elemento inesperado e não um QR Code ou uma lista-de-canais-sociais-que-não-dá-para-clicar, quem sabe não seja um meio efetivo de impacto e interesse como foi hoje?

BuzzFeed

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O que a internet está fazendo com o nosso cérebro?

Outro dia, o Braincast falou sobre a década de 1990, como as coisas eram no final do século 20. Parece loucura pensar que já estamos quase na metade da segunda década do século 21 e que já existe uma geração inteira por aí que não consegue imaginar um mundo sem internet e todas as tecnologias e mudanças sociais que ocorreram desde então. Só que ao mesmo tempo em que a web proporcionou avanços incríveis, ela também fez com que o ser humano regredisse em incontáveis aspectos, um deles ligado diretamente à criatividade, aprendizado e a maneira como raciocinamos.

Afinal, o que a internet está fazendo com o nosso cérebro?

Se você nunca se perguntou isso, talvez agora seja um bom momento para pensar a respeito. Pensar. Será que a gente se lembra como fazer isso de verdade, de maneira consciente e não no piloto automático? Às vezes tenho a impressão de que nós, seres humanos, estamos nos esquecendo como desempenhar funções básicas, não porque evoluímos e aprendemos algo novo no lugar, mas porque simplesmente desaprendemos deixando que uma máquina faça tudo por nós. E por mais que a gente pense que o acesso à informação está cada vez mais democrático, ao mesmo tempo a maneira de encontrar esta informação não é nada democrático, já que apenas alguns poucos “escolhidos” são capazes de desenvolver algoritmos para tal.

Ou seja: você joga uma busca no Google, que devolve os resultados para você, mastigados segundo o que aquela combinação de algoritmos definiu. Geralmente, a gente acaba se dando por satisfeito e pronto, fica por isso mesmo. Daí, me ocorreu o seguinte:

Será que o Google está matando a nossa curiosidade, criando uma falsa sensação de saciedade?

Já tem algum tempo que eu tenho pensado a respeito e tenho certeza de que nós – eu, você e outras pessoas – não estamos sozinhos na busca por respostas a estes questionamentos, especialmente se você faz parte daquela parcela da população que se lembra de como era o mundo analógico, quando as pesquisas para a escola eram feitas em bibliotecas (Barsa e Guia do Estudante, quem nunca?) e você precisava esperar meses para ouvir uma música nova ou assistir a um filme.

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Não, eu não estou sendo saudosista, nem reacionária, adoro poder ouvir a música nova do David Bowie no exato momento em que ela é lançada. De não precisar deixar o videocassete gravando um programa na MTV, só para poder assistir ao videoclipe deste ou daquele artista. Eu só acho que talvez seja exatamente por conta desta facilidade que as coisas estão se tornando cada vez mais superficiais e efêmeras, por assim dizer.

Daí eu te pergunto: que história tem aquele filme ou aquela música que você baixou da internet?

Tudo se tornou consumível, reciclável. Você consome uma coisa e, quando se cansa dela – o que ocorre com rapidez cada vez maior – vamos para a próxima. Não existe mais aquela coisa de se criar uma expectativa e, quando ela finalmente chega, você vai e curte durante um bom tempo, até se cansar. E, quando se cansa, não joga fora ou recicla. Você guarda. Eu tenho um monte de livros e discos aos quais sou apegada porque tive de esperar por eles. Cada um tem sua própria história, que faz parte da minha história, representa um momento da minha vida ou uma lembrança.

Mas, voltando à rapidez, será que com um volume tão grande de informação, a uma velocidade tão absurda, a gente consegue reter alguma coisa? O Epipheo Studios (que tem o Google entre seus clientes), fez uma entrevista com o escritor Nicholas Carr sobre esse assunto e criou uma animação muito legal e altamente esclarecedora, What the Internet is Doing to Our Brains.

Se você não ligou o nome à pessoa, Nicholas Carr é o autor de A Grande Mudança e, mais recentemente, Geração Superficial.

Carr explica que nós nos tornamos uma espécie de dependentes digitais, que precisam ficar checando emails, smartphones e afins o tempo inteiro – curiosamente, uma espécie de evolução de instintos pré-históricos. Isso pode ser prejudicial por várias razões, mas uma delas está ligada diretamente à nossa capacidade de aprendizado, denominada consolidação da memória. É o processo que leva a informação da memória recente para a memória de longo prazo e permite que a gente crie conexões entre elas.

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Na prática, sabe quando você começa a fazer alguma coisa, mas daí o telefone toca ou você recebe uma mensagem, e no segundo seguinte esquece completamente o que ia fazer? É mais ou menos isso: você lê alguma coisa, mas na hora de o cérebro transferir os dados, uma interrupção qualquer acaba causando um pau na HD.

E Deus falou: só a atenção salva…

Ok, não foi Deus quem disse isso. Foi Nicholas Carr, só que com outras palavras. Mas acho que você entendeu a ideia. Quer “salvar” uma informação na sua memória de longo prazo? Preste atenção no que está fazendo e evite distrações. Acredite, isso é um fator determinante entre criar alguma coisa ou apenas reproduzir algo que você viu.

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Parece complicada essa coisa de se desligar mas, de fato, eu acredito que seja possível haver um equilíbrio entre digital e analógico, aproveitando-se o melhor dos dois universos. É muito prático ter uma biblioteca inteira em um tablet, mas não existe nada como o cheiro de livro novo (ou velho, em alguns casos). Sem contar que o tablet sempre tem muito mais do que livros, mas um monte de outras distrações que podem se tornar muito mais atraentes do que a leitura em si. Já o livro… é você e ele.

A era digital é ótima, mas imaginação e curiosidade para continuarmos em frente é essencial. E isso só cultivamos com um cérebro bem nutrido de realidade, informações, referências, histórias, experiências e até algumas distrações, desde que sua memória não seja prejudicada.

Se esse assunto já acabou? De forma alguma. Essa conversa só está começando.

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Lições da Cozinha

Há muito mais em Gordon Ramsay percorrendo cozinhas de restaurantes ao redor do mundo, ofendendo chefes, desafiando proprietários, educando equipes do que um reality show sobre culinária. Algo chamou a atenção em “Kitchen’s Nightmares” (exibido pela BBC America, aqui nos Estados Unidos, Fox Life no Brasil) e iniciei uma verdadeira maratona para descobrir a verdadeira razão por trás disso. Não demorou muito e a resposta veio, não como um elemento em especial, mas com a função do programa e o fato das lições do chefe escocês transcenderem os limites da cozinha e, adivinhem, cair direto na mesa dos criativos.

Percorro entrevistas coletivas e palestras desde o começo da minha carreira no jornalismo (algo que aconteceu logo no primeiro ano da faculdade, então junte a isso os debates na escola) e o elemento básico desses eventos é um só: dúvidas. Todo estudante tem dúvidas, todo profissional quer ter certeza para não errar, todo criativo procura no erro, ou no conselho, alheio a solução para seu bloqueio ou dificuldade. Sempre temos dúvidas e enquanto as bolas de cristal não são inventadas, obter informação continua sendo o melhor jeito de se fazer isso. Curiosamente, depois de 16 anos no mercado, noto que isso não muda. Sempre queremos informação, jornalistas continuam curiosos e criativos continuam procurando novas inspirações. Todos deveríamos trabalhar na cozinha!

Ou melhor, numa cozinha guiada por Gordon Ramsay.

Gordon Ramsay

Vejo Ramsay como um editor linha-dura, um diretor de criação que não aceita desculpas ou gente que foge da raia

Ao transpor as lições e mantras trabalhados por ele no programa, percebi que, no fundo, as dúvidas são as mesmas noutro ramo e que, olha só, as soluções também são. Uma das coisas mais marcantes do discurso de Ramsay é a simplicidade. Diversos chefes – tanto na Europa quanto nos Estados Unidos – pecam pelo excesso. Tentam florear os pratos, extrapolar sabores, exagerar nas combinações ou nas “tentativas de experimentação” e, invariavelmente, falham. Interessante pensar nesse cenário, pois a simplicidade tem uma função: garantir o entendimento do cliente e transmitir uma mensagem. No caso dele, é garantir a fidelidade do prato. Se é pato, que tenha gosto de pato. Um bom gosto. Se é macarrão a bolonhesa, não tente inventar colocando frutos do mar.

Gordon Ramsay

Quantas vezes não pecamos pelo exagero? Escrever um artigo cheio de referências obscuras? criar um logotipo dúbio ou visualmente lindo, mas distante da função? Editar um vídeo cuja narrativa só você entenda? É importante mencionar que, nesse caso, simplicidade não tem a ver com nivelar por baixo ou ser menos criativo. A mensagem é clara: seja honesto e vá direto ao ponto. Ando usando muito isso em textos e roteiros recentemente. Se a ocasião permite, e o público-alvo vai ser beneficiado, por que buscar uma estrutura complexa e sofisticada em vez de usar um simples “sinto sua falta”? Pensar dessa forma tem feito muito sentido e, claro, refletido positivamente na produção.

Ramsay também faz algo que Hollywood pratica: insiste ostensivamente no procedimento. É preciso criar um padrão, ou um ritmo de produção, e segui-lo. Cozinhar exige consistência e um dos índices de satisfação mais altos da prestação de serviços da sociedade e errar não é uma opção. Em muito do mundo criativo, ainda temos oportunidades de afinar o trabalho antes de apresenta-lo, na cozinha, não. Uma vez servido, o prato vai decidir se aquele cliente volta e traz os amigos, ou se torna um porta-voz negativo para sempre. O procedimento resolve isso. Pelo que ele diz, funciona na cozinha. Pelo que vivo aqui, funciona no cinema. É um esquema linha de produção, entretanto, se o objetivo está alinhado e cada membro da equipe faz bem a sua parte – e só a sua parte, sem o hábito da “multi-tarefa” bastante comum no Brasil – o produto final, seja ele qual for, vai ser bom.

Vejo Ramsay como um editor linha-dura, um diretor de criação que não aceita desculpas ou gente que foge da raia. Ele é um cara necessário hoje em dia, assim como clones da sua postura. Ele fala a verdade, não enrola e sempre tenta arrumar as peças, em vez de bancar o ditador, demitir e pronto. Cansei de ver editores vendidos nas grandes revistas brasileiras, gente incapaz de garantir a qualidade do que editava em prol da “idiotização” da cultura (exemplo, optar por falar de fitness e shampoo com um grande ator e ignorar outra entrevista com o mesmo sujeito sobre assuntos relevantes, carreira e reflexões). Devemos dar os devidos descontos pelo fato de Ramsay ser famoso, respeitado e ter dinheiro? Sim. Entretanto, ele está fazendo! Mostra como todo restaurante pode servir bem e, no processo, levou-me a entender que devemos levar essa pegada para o mundo criativo.

“I act on impulse and I go with my instincts.” – Gordon Ramsay

Gordon Ramsay

O formato do programa se torna recorrente, mas as soluções são valiosas

Ele bate muito na tecla da comunicação entre equipes e há outra lição aí. Esqueça os e-mails longos, aquelas reuniões inúteis e cheias de pretensões a cada etapa do processo de criação (vivi muito isso quando trabalhei numa agência de comunicação). O contato direto e efetivo funciona muito mais. Você pergunta, o outro responde, o processo anda. Isso também é interessante para evitar grandes elocubrações ou ideias viajadas. Qual seu objetivo? “Emocionar com uma história de amor”. Ponto. Toda e qualquer pergunta a partir daí precisa ser direta. O que tal personagem quer? Ficar sozinho! E aquele outro? Encontrar alguém para se aventurar. Se você começa a enrolar em grandes teorias sobre cada uma dessas razões, as chances de se perder são gigantescas. E, com isso, o objetivo vai para o espaço.

Claro que o desenvolvimento é necessário e, como disse, simples não significa raso, mas falha na execução e distanciamento do objetivo primário é uma das maiores mazelas de trabalhos criativos nos últimos anos. Às vezes, a genialidade está justamente na capacidade de falar menos e dizer tudo. É um pouco assustador perceber que precisei de um chefe de cozinha para pontuar tudo isso – fora tantas outras lições sobre apresentação, comunicação com público, identidade visual e postura profissional – e não me arrependo nem um pouco. O formato do programa se torna um pouco recorrente, pois muitos dos restaurantes visitados sofrem dos mesmos problemas, mas as soluções são valiosas. Que essas lições da cozinha melhorem a sua vida!

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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção científica “Filhos do Fim do Mundo”.

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Salvem o Compartilhamento

Esse texto é um apelo para que não deixem que a importância do Share, compartilhamento, reblog ou o nome que você quiser dar não morra nos próximos anos. A internet foi construída a partir disso (e comentários) e não podemos deixar que o ato de compartilhar se torne algo tão vulgar quanto inócuo. O conceito de frictionless sharing é focado no curto prazo e isso acaba por canibalizar o que desejamos tanto: que as pessoas nos ajudem a disseminar o nosso conteúdo. Claro que conteúdo bom acaba furando esse ciclo e é compartilhado espontâneamente. As vezes até sem ter um botão de compartilhar. É a força do conteúdo que emociona, que cria memórias e histórias que vai fazer com que ele seja disseminado.

Vejam o que aconteceu com o botão de Like/Love/Approve/etc. Ele deixou de ser algo na linha de Thumbs-Up para se tornar algo do tipo do “legal”, “ok, eu li/vi o seu post” e, no caso de mensagens de feliz aniversário, “obrigado”.
E, na minha opinião, o ato de compartilhar não merece o mesmo destino. Quando compartilhamos algo, estamos endossando algo, dando a nossa cara a tapa e falando para o mundo “eu concordo com esse ponto de vista”, “tenho que avisar aos meus amigos sobre isso” e etc. E o que noto hoje é uma coletânea de posts mais focados em construir uma persona do que em ajudar as pessoas. E acho que aí pode estar o problema.

Você é o que você compartilha

Já há estudos sobre pessoas arrependidas em terem compartilhado algo(em PDF) e os motivos vão de publicar algo sob a influência de álcool, drogas, ou sobre algum tópico polemico e por aí vai. Claro que algumas dessas situações tem repercussões imediatas como perder o emprego, acabar um relacionamento e abalar amizades. Mas o que me chamou a atenção foi que algumas pessoas querem ser percebidas de uma maneira favorável. Ou seja, querem ser bem vistas. Se tratarmos o ato de compartilhar como o novo Curtir, o valor do compartilhar vai cair porque nunca vai querer dizer exatamente o quem você é ou o que gosta. Sua opinião passa a não valer tanto, sua influência idem.

Porque nós achamos que podemos compartilhar a esmo? No fim do dia é basicamente isso que estamos fazendo e poluindo o feed e timeline dos seus amigos no caminho.

Você é o que você compartilha. Antes da internet se tornar quase onipresente na nossa vida, as pessoas indicavam as coisas que achavam que eram importantes para as outras. Era uma dica de um livro, de um artigo, de um programa de TV, discos/CDs/Músicas, receita de bolo e até fofocas. E a frequência com que você indicava e para quem vc indicava o que eram as coisas que definia como você seria percebido pelas outras pessoas. Compartilhar/indicar algo para alguém era a sua moeda social. Era algo delicado e que você escolhia a dedo para quem falar o que.

Muitos se vendem como sabe-tudo mas acabam não sabendo muito nem do que compartilham ou compartilham após lerem apenas a chamada

O livro “O Ponto da Virada” – ou do desequilíbrio dependendo da edição – (The Tipping Point, no original), do Malcolm Gladwell fala um pouco sobre isso. Se você está com preguiça de ler o livro, tem um bom resumo na Wikipedia em inglês. Mas vale a pena ler. Preste atenção na parte sobre Mavens que é bem o que estou tentando defender aqui. Sei que nem todos têm essa característica mas agir como um de vez em quando faria um mundo melhor. Pelo menos nas redes sociais.

Se levarmos em conta o número de Dunbar em que você consegue manter um relacionamento social em média com até 150 pessoas e hoje no Facebook temos bem mais ~amigos~ que isso, é só pensar no que isso gera na nossa cabeça.

As vezes eu acho que indicar algo deveria doer. Só assim teríamos um pouco de bom-senso na hora de compartilhar algo. E note que não estou falando em nenhum momento que deveríamos ser mais egoístas ou que devemos parar de compartilhar. Compartilhar algo é tão importante quanto para quem compartilhamos. Se quer agradar todo mundo, compartilhe apenas para as pessoas que têm algum interesse nisso, não nas pessoas que, quem sabe, podem ter algum interesse nesse assunto.

E antes que alguém fale que as pessoas gostam de muitas coisas completamente diferentes e isso talvez tenha algum efeito no que é compartilhado por elas, pode ser um motivo. O fato de estarmos vivendo em um mundo que glorifica o sabe-tudo também pode ser outro motivo mas entender o que importa para quem também deve ser levado em conta. É como contar uma história sobre uma batalha épica para meninas de 6 anos que só brincam de bonecas. Aquela história não vai ser tão interessante assim para elas. Por mais sexista que essa frase soe.

Share

Somando tudo isso ao fato que várias pessoas mudam o seu estilo e o que publicam e compartilham para gerarem mais interações para, teoricamente, serem mais relevantes para toda a sua audiência, que personalidade está sendo construída nas redes sociais? A sua ou aquela que você acha que vai agradar mais as pessoas que te seguem?

Muitos se vendem como sabe-tudo mas acabam não sabendo muito nem do que compartilham ou compartilham após lerem apenas a chamada. É uma pena. E tome conteúdo de auto-ajuda e matérias com uma boa chamada e pouco conteúdo.

As pessoas que conhecemos e confiamos nos influenciam mais do que imaginamos.

As pessoas que conhecemos e confiamos nos influenciam mais do que imaginamos. Se estamos compartilhando qualquer coisa, a quem estamos influenciando? E qual a diferença da pessoa que age dessa maneira e de um spammer que compra base de emails e manda para todo mundo? Em termos de comportamento, acho que pouco.

O mais engraçado é ver que essas pessoas geralmente te perguntam:

“Viu o que eu compartilhei no ________?”

E ficam decepcionadas se você diz que não viu. Assim como aquela sua tia que manda mensagens em arquivos .pps fica quando você diz que não abriu o email dela.

Salvem o compartilhamento e notem como o mundo vai mudar. Se não mudar, pelo menos a timeline das suas redes sociais vai 😉

E, de propósito, vou colocar nos últimos parágrafos para ver se alguém realmente leu o texto todo antes de comentar. Eu concordo que as atrocidades cometidas contra pessoas, animais, meio ambiente e etc devem acabar. Infelizmente, esse tipo de compartilhamento também é muito popular e acho que não tem como impedi-lo ou reduzi-lo.

Quer que esse tipo de coisa acabe? Denuncie o conteúdo para a polícia e para os administradores da rede que você está. Isso sim pode gerar alguma mudança. Se compartilhar é inevitável, compartilhe com quem tem alguma relação com a causa para ver se essas pessoas param de apenas compartilhar os links e começam a doar para essas causas como a excelente campanha da Unicef que avisa que curtidas no Facebook não compram vacinas.

Em tempo: Semana que vem, na terça feira, 07/05/2013, estarei no Social Web Day em São José do Rio Preto/SP.

Em tempo 2: A imagem desse post foi tirada daqui.

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A internet transformou todo mundo em detetive?

Você já deve ter lido ou visto muitos filmes sobre detetives e investigações criminais, e aposto que já pensou em ser, pelo menos por um dia, um Sherlock Holmes, Tintim ou agente do CSI. Acontece que, ultimamente, a imaginação vem tomando formas reais, e muitas pessoas acabam se transformando em investigadores amadores com a ajuda da internet. Evidências desse fenômeno nos rodeiam diariamente e as consequências podem ser graves.

Mesmo que a escala de vigilância online seja pequena em nosso cotidiano, ao stalkear um ex-namorado ou a vida de um ídolo, por exemplo, muitas pessoas extrapolam padrões aceitáveis pela sociedade, e acabam, com a ajuda dos dispositivos e informações encontradas na web, ultrapassando limites legais. Suposições generalizadas levam civis a investigar outros civis até em busca de supostos criminosos.

Com essas investigações de sofá nascem vários questionamentos: Por que nos achamos no direito de vigiar outra pessoa? O preconceito e a discriminação não seriam altamente alimentados com esses atos? Existe um lado positivo nos detetives crowdsourcing? O que move essas pessoas?

findbostonbombers

Find Boston Bombers

Recentemente o tema atingiu seu auge por causa dos atentados em Boston. Depois que ninguém assumiu a responsabilidade do ataque, o FBI saiu à procura dos culpados e pediu para que as pessoas que tivessem tirado alguma foto ou filmado a maratona contribuíssem enviando material para investigação de possíveis suspeitos.

Fotos publicadas no 4chan e Reddit transformaram-se em supostas evidências, iniciando uma investigação crowdsourcing

É improvável que apenas uma imagem oriunda de um iPhone iria desvendar o caso, é claro. É necessário combinar vários materiais digitais para obter uma possível resposta eficiente. Eles usariam ferramentas biométricas – como reconhecimento facial -, softwares avançados e analíticos que ajudam a medir, minuciosamente, as características físicas de rosto e corpo à distância para rastrear algumas pistas através dessa junção de dados.
 
Ou seja, não seriam apenas fotos e vídeos de pessoas presentes na maratona que conseguiriam desvendar o crime. Também não seria simples olhada no material recolhido pela agência governamental nos arredores do local do atentado que revelaria o culpado. O trabalho é árduo e delicado. Ao pedir ajuda da população apenas para tentar acelerar o processo, o FBI perdeu o controle da situação.

Boston

As fotos enviadas para o FBI foram parar nas redes sociais e nos mais variados sites e fóruns de discussão. Começou então uma caçada virtual e uma especulação gigantesca. Inúmeras pessoas ligaram seu modo investigador e inciaram suas pesquisas por conta própria, numa espécie de CSI crowdsourcing.

Detetives amadores online representam perigo ao apontar culpados e convencer outras pessoas a acreditarem

Fotos publicadas no Instagram e no Facebook transformaram-se em supostas evidências das cenas de um crime, e principal matéria prima para os investigadores amadores. Também no Twitter4chan e Reddit uma grande quantidade de usuários comentavam as fotos e alegavam ter encontrado provas.

Com a hashtag findbostonbombers – e um diretório dedicado no Reddit, fechado posteriormente – eles apontavam suspeitos e identificavam pessoas através de roupas ou gestos, compartilhando as informações até que, mesmo sem certeza, uma dessas fotos foi parar na capa do New York Post acusando dois homens.

NY Post

Caça às bruxas online

Boston

Não estamos discutindo aqui como o FBI encontrou os suspeitos e realizou as perseguições e prisões que se desenrolaram depois. O ponto é, como pessoas bem ou mal intencionadas, juntamente com o poder das redes sociais, conseguiram levar uma foto “investigativa” de um atentado para a primeira página de um grande jornal americano, menos de 48 horas depois do acontecimento.

A chamada de capa “Bag man”, do New York Post, foi um dos maiores exemplos de como a a internet está pautando os meios de comunicação nos últimos anos, com falta de apuração e, principalmente, sem citar o perigo que os detetives amadores representam ao apontar culpados e convencer outras pessoas a acreditarem nisso.

Publicar foi um erro terrível, uma vez que a foto não foi divulgada por nenhum órgão oficial e sim um trabalho feito por vigilantes da internet. Sempre há potencial dessas imagens serem manipuladas com Photoshop, sem contar os “detetives” com alguma coisa causa ou ativismo, que podem tentar empurrar as investigações em uma determinada direção. Tratando, dessa forma, um caso de extrema delicadeza com viés a favor de alguma motivação ou preconceito.

A imagem publicada era de dois homens em roupas de trilha – um com uma mochila preta – ambos pareciam ser de descendência árabe, destacados por usuários do 4chan e Reddit como potenciais suspeitos. Representantes do Reddit mais tarde pediram desculpas pela caça às bruxas on-line, solicitando aos usuários serem sensíveis com o poder que tem nas redes sociais. Mas nem o NY Post nem qualquer meio de comunicação que compartilharam a foto se desculparam oficialmente por publicarem falsas notícias e espalharem desinformação.

Boston

De onde vem?

Segundo o mestre em filosofia e estudioso do assunto, Thiago Borges, essas investigações amadoras são oriundas da década de 1990, onde com poucos usuários comparados aos dias atuais, a internet ainda era um lugar dos aficionados por computadores. Os mecanismos de busca contavam com códigos de busca rudimentares e o acesso ao conteúdo era na maioria das vezes restrito.
 
“Naquele momento de poucos vídeos e imagens, não era raro se deparar com sites sobre ‘teorias da conspiração’ e seus propagadores. Fóruns de discussão que agregavam as notícias da mídia e seus relacionamentos com grupos. Toda ‘comprovação’ era realizada a partir de evidencias como elementos gráficos da cédula do dólar até interpretações de discursos de autoridades em busca de mensagens subliminares. Era possível rastrear estas improváveis ligações nestes sites e acompanhar as atualizações do movimento conspiratório ao redor do globo a partir da mídia convencional”, lembra Thiago.
 
Neste primeiro momento a internet era o lugar de detetives que varriam a rede em busca de novas provas que endossassem estas teorias. O mercado ainda não enxergava o público da internet como alvo, não havia marketing voltado para estes fãs de computador e programação. Era possível encontrar “hackers” nas salas de IRC, fazer novas amizades para conversar sobre estas teorias, aprender novas tecnologias para avançar em busca da verdade, e, em poucos cliques depois, trocar impressões sobre episódios de “Star Trek” que ainda não tinham sido exibidos no Brasil.

Hoje em dia, pessoas interessadas em desvendar mistérios e supostas conspirações estão aproveitando das ferramentas atuais –  smartphones com GPS, câmeras de alta definição, conexão em tempo integral, excesso de exposição online, etc –  para se transformarem em verdadeiros detetives. Muitas não percebem o que está em jogo e como inocentes podem sofrer consequências com isso. Nós não somos heróis.

Boston

Casos como o de Boston retrocedem as conquistas que prometem democratizar a informação e distribuir conhecimento para todos

A internet, de forma geral, é exemplo de diversos movimentos sociais interessantes – como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Sreet – e desafiadores para o bem. Casos como o de Boston retrocedem as conquistas que prometem  democratizar a informação e distribuir conhecimento para todos.

Se muitas pessoas tem tempo e vontade de investigar casos criminais, elas deveriam dedicar esse mesmo tempo e energia para não alimentar mais especulações que geram uma bola de neve de informações falsas. Os meios de comunicação e os órgãos oficiais podem incentivar a ética e a regulamentação a partir de exemplos próprios.

É hora da grande maioria desses detetives amadores online e de toda a sociedade canalizarem suas energias para pensar como vamos viver ao lado dessas ferramentas atuais, utilizando-as para os fins corretos, já que hoje em dia é inevitável controlar a força da internet diante de casos de comoção popular.

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Latas que geram buzz

Principalmente quem já colecionou latinhas sabe: lata promocional existe há muitos anos. Mas nos últimos tempos, brincar com a cara/cores das latinhas está virando uma eficiente ferramenta de marketing e principalmente buzz.

Mudar a lata gera fotos nas redes sociais e abre novas conversas o tempo todo. Ações como os nomes nas latas de Coca-Cola Zero (que rendeu até vídeo espontâneo do Porta dos Fundos), a lata azul do Guaraná Antarctica pra comemorar 10 milhões de fãs, a lata da Patrícia Bonaldi para Guaraná Zero, entre outras, mostram um pouco esta “tendência”.

E pelo que foi publicado no Instagram oficial da marca, a Coca-Cola está lançando novas latas que brincam com as cores do Brasil e alteram bastante o produto.

Gostou? Comenta aí.

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Nada Será Como Antes: O musical emocionante que homenageia Milton Nascimento

Se você é fã de Milton Nascimento, leve uma caixa de lenços para o teatro quando for ver “Nada Será Como Antes“, o musical que homenageia a obra de Bituca, em cartaz em São Paulo.

Eu não levei, e fui pego de surpresa. Na verdade, eu nem sabia o que esperar. E fiquei simplesmente extasiado com o que se sucede em cima daquele palco: um dos mais bonitos, criativos, apoteóticos e emocionantes tributos à obra monumental de Milton.

Já achei sensacional a iniciativa de se homenagear alguém que ainda está vivo. A peça, pra mim, serviu pra ficar ainda mais encantado com cada uma daquelas músicas que povoa minha vida desde pequeno, e eu espero que o musical desperte o gosto pela música dele em novos ouvintes.

Milton

Um palco que exala a “mineirice” de um carioca que é patrimônio cultural universal

São canções tão históricas, tão ousadas, tão fortes e fundamentais para a nossa cultura que fica impossível não sentir milhares de arrepios na espinha a cada releitura que a peça faz. Esses novos arranjos – e o orgulho com o qual seu elenco os interpreta – só reforçam a importância da música do Milton. E este espetáculo não seria possível se as músicas não fossem tão ricas a ponto de permitir essa nova roupagem. E, claro, se elas não fossem, simplesmente, tão tão boas.

Vá preparado. A peça é um baque emocional atrás do outro. “Minas”, “Maria Maria”, “Clube da Esquina 2″, “A Lua Girou”, “Travessia”, “Milagre dos Peixes”, “Para Lennon e McCartney…” É hino atrás de hino, é soluço atrás de soluço.

Todos esses clássicos atemporais do Milton são como velhos amigos. Ver o espetáculo é sentir o conforto e o abraço de bons companheiros, num daqueles encontros que acontecem pouco mas que trazem a sensação de que a amizade continua a mesma, intacta e com a mesma força.

Milton

É muito reconfortante redescobrir todas essas pérolas nas vozes desses novos talentos. Eles cantam tudo com tanta paixão que fica impossível não se emocionar. E a imensidão da música carrega você para os mais longínquos espaços no pensamento, na beleza, na emoção e na riqueza do nosso passado. Tudo isso brilhantemente recriado em cenas e coreografias lindas e ousadas num palco que exala a “mineirice” de um carioca que é patrimônio cultural universal.

Um dos maiores gigantes da nossa música ganhou uma homenagem à sua altura

O talento do elenco impressiona e surpreende quando eles revisitam as músicas em que Milton desfilava seus falsetes, suas notas mais potentes e suas melodias mais sinuosas. Todo mundo canta tudo, e canta alto, forte, potente, bonito, poderoso. As músicas são poderosas. Elas despertam a musicalidade dentro de cada um, e o espetáculo conta sua história sem precisar de um diálogo sequer. Tudo está dito nos movimentos, nas danças, nas notas que saem escancaradas de cada garganta.

Milton

A iluminação é precisa. Cada música ganha um ambiente próprio, uma textura nova que enriquece os olhos enquanto as melodias arrebatadoras confortam os ouvidos. Os novos arranjos são ousados e densos, carregados de camadas sonoras que exploram ao máximo as nuances dos arranjos originais. Se é uma música mais calma, a delicadeza impera. Se é um rock, ele é explorado, aumentado e se agiganta com múltiplas guitarras e distorções, mostrando como é prazeroso se trabalhar com uma matéria-prima tão abrangente.

A única “falha” (note as aspas) que encontrei foi na duração do espetáculo. Mesmo para mim, que sou fã incondicional de Milton, foi um pouco longo. Fora isso, a peça é um primor. Ah, e quem for esperando ouvir exatamente o que está nos discos pode se decepcionar um pouco. O espetáculo é um musical, e por isso as músicas ganharam uma leitura nova, teatral, que faz todo o sentido quando é levada para o palco.  Quem entender isso vai ganhar seu dia e sair do teatro como eu saí: extasiado, desmoronado de tanto se emocionar. Com a certeza de que um dos maiores gigantes da nossa música ganhou uma homenagem à sua altura.

E “com o coração doendo de tanta felicidade”. Obrigado, Milton, por todas as canções. Eternamente.

Milton

| Serviço:
Teatro GEO
Rua Coropés, 88
Pinheiros – São Paulo/SP
Sessões sexta, sábado e domingo

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Regina Spektor faz show irretocável em SP

Eu já falei da Regina Spektor aqui, quando ela lançou no ano passado seu mais recente disco, o excelente What We Saw From The Cheap Seats. Pois ontem tive o privilégio de ver o show dessa turnê, no Credicard Hall (SP).

Privilégio mesmo. Me senti honrado de poder chegar perto dessa cantora de 33 anos que faz um espetáculo só com um piano, uma bateria, um violoncelo e um teclado.

Musicalmente falando, a apresentação de Regina é um deleite do começo ao fim. O entrosamento dela com a banda é de assustar, e o setlist trouxe uma enxurrada de hits tocados com uma precisão erudita. Sua é voz impecável e absurdamente afinada – mesmo com a garganta “almost ok”, como ela mesma comentou em um dos intervalos entre uma música e outra.

Tímida, reservada e encantadoramente charmosa, Regina Spektor tem um carisma tão grande quanto seu talento musical. Ela é tão simpática, mas tão simpática que dá vontade de adotá-la. Mesmo com um público que não sabia a hora de parar com os berros irritantes de “Eu te amo” e outras tietagens adolescentes, ela foi elegante do começo ao fim e retribuiu o carinho tocando cada nota com uma entrega de arrepiar a espinha.  Sua intimidade com o piano e a delicadeza com que ela toca é algo quase nobre.

E aí a gente percebe que um espetáculo, pra ser bom, não precisa de raio laser, pirotecnias e cenários hollywoodianos em cima do palco. Basta passar o bastão para uma artista que transborda talento pelos poros e que sabe dominar seu público com um repertório matador.

Apesar de alguns problemas técnicos que impuseram à banda um intervalo forçado, o show teve quase 2 horas de duração, e não houve uma sílaba sequer de cada letra que o público não cantasse em uníssono. Dava gosto de ver como as pessoas estavam felizes. E isso se refletia em Regina. Foi uma empolgação mútua, e ela agradecia com um delicado “obrigada” sempre que podia.

A gente é que agradece, Regina. Seu show é o espetáculo do talento, do profissionalismo, da simpatia e da humildade. Por favor, venha sempre!

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Novo álbum do Strokes traz a banda desacelerada e mais madura

O The Strokes de 2013 pouco se parece com aquela banda que exalava fúria e energia pelos poros em 2001 – e que conquistou o mundo com sua indefectível Last Nite. Isso, no entanto, não quer dizer que a banda piorou ou melhorou – seria juízo de valor – mas é apenas um sinal de que ela resolveu se adaptar a um novo ambiente. E, para isso, assumiu de vez as influências oitentistas e abusou sem medo de recursos eletrônicos para fazer seu quinto álbum, Comedown Machine.

Claro que isso também não é nenhuma novidade. As influências eighties sempre estiveram lá, mas desde Angles (de 2011) elas vêm ganhando mais e mais força na sonoridade de Julian Casablancas e cia., e provavelmente vão decepcionar quem espera um novo Is This It ou Room On Fire.

Mas quem quiser acompanhar a viagem da banda pela nostalgia pós-punk, new wave e pop colorida na qual ela embarcou vai descobrir muitos motivos para se deliciar com Comedown Machine.  Mas esteja avisado: se em Angles este tempero 80’s já era carregado, aqui ele faz você quase engasgar.

O disco tem o mesmo DNA de Angles, (e até a sequência das músicas delineia uma estrutura parecida com o trabalho de 2011), mas soa um pouco mais morno. Com exceção de 50 50, falta no disco aquela fagulha de energia que fazia de Under Cover Of Darkness um single tão bom e contagiante.  Mas mesmo que a excelente All The Time não consiga repetir a proeza, ela ainda é uma música que traduz a essência divertida do Strokes e seu talento nato para fazer refrões que grudam logo na primeira audição e ficam tocando em loop na sua cabeça.

E as ótimas Happy Ending, Partners In Crime e Tap Out surtem o mesmo efeito, mas vezes dá vontade de dar uma chacoalhada no iPod pra ver se a banda se empolga um pouco mais. Mas a aparente falta de energia é compensada com uma performance e produção impecáveis, e mostram que os garotos amadureceram e resolveram deixar um pouco da rebeldia para trás.

E quando a gente entende que essa é a nova proposta e postura da banda, Comedown Machine começa a valer a pena. E muito. Cada vez que se ouve, fica melhor.

Pode não ser o Strokes explosivo que todo mundo espera, mas ainda é Strokes fazendo pop competente e acima da média.

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A opinião dos outros

É constante, para não dizer diária – quiçá de hora em hora, como aqueles avisos da Telesena -, a reclamação que ouço de colegas e amigos que trabalham em propaganda sobre a babaquização do mundo. As pessoas, segundo a opinião destes colegas e amigos, estão muito “caretas” hoje em dia. O consumidor “não sabe mais rir de uma piada”, virou um “chato”. Até porque, “porra, é só uma brincadeira”.

Não raramente a reclamação vem acompanhada de uma lista com os últimos comerciais questionados junto ao Conar e com a já célebre consideração de que “Os Trapalhões” e suas piadas sobre gays, negros, mulheres e nordestinos, nunca seriam produzidos hoje, quanto mais veiculados no domingo às 7 da noite.

Não sei se vocês já estão por dentro, mas tem um lance aí chamado internet, que parece que veio pra ficar. Com ela, a rede mundial de computadores, vieram e estão ficando os fóruns de discussão, as caixas de comentários e as páginas das empresas no Facebook, que usualmente recebem uma enxurrada de postagens quando alguma mensagem publicitária ou decisão mercadológica desagrada um determinado grupo ou ajuntamento de pessoas.

Se há algo que podemos aprender sobre o que vivemos nos últimos dez, quinze anos, a primeiríssima infância da internet, é que gente que não tinha voz agora tem. E antes que você pergunte: não, eu não freqüento o Fórum Social Mundial.

Sim, dói muito quando ouvimos que o babaca da vez somos nós

Continuando. Existe uma montanha de gente que acha patético uma mulher se matando de fazer regime no comercial só para aparecer gostosa para os homens. Existe uma porrada de gente, que acha uma babaquice, pra utilizar o mesmo termo, esse lance de fazer Kinder Ovo azul pra menino e Kinder Ovo rosa para menina. Um daqueles meus amigos ou colegas de profissão diria que isso é a ditadura do politicamente correto.

Kinder Ovo

Bem, se você acha que mil reclamações sobre um comercial na página de uma empresa no Facebook é uma ditadura, do que você classificaria um comercial empurrando conceitos goela abaixo de 120, 130 milhões de brasileiros todo santo dia? Ou um programa de tevê em rede nacional reproduzindo a velha cartilha sexista de que meninos tem que brincar de carrinho e meninas tem que brincar de casinha? Ou uma multinacional torrando milhões de dólares para informar a você, que tem pelo no peito, que você é nojento?

O que nos leva a uma dedução simples: não é que o mundo embabacou. Agora as pessoas, todas elas, é que podem dizer quem ou o quê elas acham babaca. E, sim, dói muito quando ouvimos que o babaca da vez somos nós

“Então o que você está querendo dizer, seu filho da puta…”

Filho da puta, não! Babaca.

Marcas e empresas se preocuparão ainda mais em não errar, o que é diametralmente oposto à vontade de acertar

“Então o que você está falando, seu babaca, é que nós publicitários, não estamos preparados para receber críticas ao nosso trabalho; ainda não nos acostumamos com opiniões contrárias, um comportamento infantil que foi reforçado por décadas de ‘diálogo de mão única’ em que falávamos o que queríamos, sem dar ouvidos a ninguém; e que geralmente recorremos a desqualificação do outro para nos sentirmos confortáveis com nossos próprios conceitos e preconceitos?”

É…, é mais ou menos isso.

“Então vai tomar no meio do seu cu, seu escroto!”

Calma, cara…

“Calma é o caralho, porra!”

Pô, vamo conversar!

“Que conversar o quê, seu babaquinha de merda!”

Acho que fui claro no meu ponto, não fui? Mas se por um lado não sabemos lidar com a opinião alheia – o que é ruim -, estamos sendo forçados a aprender a lidar – o que é muitissimamente bom. E em fase de aprendizado, os erros e equívocos são freqüentes. Nem todas as decisões do Conar são acertadas (na minha opinião, bem entendido), nem todos posts de reclamação no Facebook estão corretos (na minha opinião…).

Estamos aprendendo empiricamente, na base da porrada, do erro-e-acerto – mais erro do que acerto. E, sim, departamentos de marketing, que já não são sinônimo de coragem, criatividade e eficiência, se encapsularão ainda mais na covardia, no conservadorismo e na ineficiência.

Marcas e empresas se preocuparão ainda mais em não errar, o que é diametralmente oposto à se preocupar em acertar. Mas isso é uma charada que nós, redatores, diretores de arte, profissionais de mídia e planejamento, é que temos que resolver. O que há de claro e cristalino nessa bagunça toda é que, se existe algo errado, meus amigos e colegas, não é a opinião dos outros.

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