Conteúdos patrocinados do NYT são tão populares quanto os conteúdos editoriais

A habilidade de contar histórias é um talento que serve bem tanto ao jornalismo quanto à publicidade. Entre uma coisa e outra, existe uma vasta zona acinzentada, em que não se sabe exatamente se o material é jornalístico (já que existe alguém patrocinando, pode haver um viés) ou propaganda com conteúdo.

Esse tipo de história não é novo, mas a sua adoção por grandes veículos é razoavelmente recente, e os primeiros resultados chamam a atenção.

Em uma apresentação em um fórum da American Associaton of Advertising Agencies, Meredith Levien, VP de propaganda do New York Times, revelou que os conteúdos patrocinados da publicação têm alcançado audiências tão boas ou melhores que os seus conteúdos editoriais. Desde janeiro deste ano, o jornal fechou parcerias com 8 anunciantes, que patrocinam conteúdos que levam sua marca ou que falam sobre algum de seus produtos ou serviços.

É o caso da matéria interativa sobre os Jogos Olímpicos de Sochi, que foi produzida em parceria com a United Airlines, e que recebeu cerca de 200 vezes mais visualizações que uma matéria editorial do mesmo nível.

Em paralelo ao caso de sucesso de propaganda nativa do NYT, o Yahoo também lança um novo modelo de anúncios em seus sites, que foram apelidados de unidades ‘in-stream’. Feitos para se misturarem ao conteúdo editorial, esses anúncios aparecerão claramente marcados como propaganda, mas podem ‘enganar’ quem passa os olhos, já que eles usam uma linguagem,  estilo de redação e design bem semelhantes aos conteúdos editoriais do site.

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Com essas estatísticas, executivos como Jonah Peretti, do BuzzFeed, ganham um reforço para a teoria de que conteúdos patrocinados não pioram o jornalismo, mas melhoram a publicidade – com uma mãozinha de quem sabe contar histórias, o material da propaganda fica mais atrativo, e retém a atenção da audiência. Para os diretores de jornais, é uma prova de que a publicação não fica ‘queimada’ com o leitor (já que, afinal de contas, eles estão ativamente consumindo conteúdo patrocinado).

 Anúncios nativos aparecerão claramente marcados como propaganda, mas podem ‘enganar’ quem passa os olhos, já que usam uma linguagem,  estilo de redação e design bem semelhantes aos conteúdos editoriais.

Na outra ponta da história, os mais ferrenhos apontam que o principal problema é que a propaganda nativa quer ‘parecer’ jornalismo sem o ser, e parte desse pressuposto de se disfarçar de algo que não é. Bob Garfield, do The Guardian, elenca as publicações que já estão trabalhando com conteúdos patrocinados: The Economist, Forbes, The Atlantic, The Huffington Post, Washington Post, Time, NYT, Yahoo, antes de afirmar que o conteúdo patrocinado é uma das últimas estratégias de tentar trazer dinheiro para uma indústria que está com o pé na cova.

O professor de jornalismo Anton Harber também acredita que esse modelo baseia-se em ludibriar o leitor, na esperança de que “ele perceba nesse tipo de conteúdo a mesma credibilidade e autoridade de uma notícia”.

Diante desse cenário, eu não consigo concluir se é o jornalismo que se vende ou a publicidade que melhora. Certamente o jornalismo não será, nos próximos anos, o mesmo jornalismo que conhecemos hoje em dia, com as mesmas premissas e códigos de ética. A publicidade também dá sinais de precisar ser mais encorpada, e não uma vã historinha para boi dormir.

A única certeza que me resta, nesse quesito, é que a habilidade de contar uma boa história está cada vez mais valiosa.

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Qual o papel da Timeline? (e outras perguntas capciosas)

Pergunta capciosa mesmo. Sem pensar muito dá para responder facilmente que o papel da Timeline é mostrar a sua história em ordem cronológica. E foi assim que o Facebook vendeu a ideia de Timeline para as pessoas. Mas e quando falamos de marcas, qual o papel da Timeline? Contar a história da marca? Sim, claro. Mas se as marcas estão se tornando criadoras e curadoras de conteúdo, o papel da Timeline é ser um arquivo desse conteúdo também, certo?

Pois é, aí é que as coisas começam a ficar estranhas. Como muitos sabem, as pessoas acessam pouco as páginas das marcas no Facebook, os perfis no Twitter idem. A maioria só entra quando quer seguir e pronto. Tudo acontece no Feed.

Legal. Isso faz sentido. É onde as pessoas já estão naturalmente sendo atualizados pelas notícias dos seus amigos e tudo mais. O que me leva novamente a questão de ter um conteúdo de qualidade é importante.

Mas se as marcas estão querendo ser relevantes publicando N vezes por dia e almejando ter um alcance incrível, o que acontece com a Timeline? Fica poluída. E o papel de “Arquivo” da página vai para o espaço porque o que fica lá é uma sequência de posts engraçadinhos ou de auto-ajuda e pouca coisa realmente memorável.

A ideia de fazer com que as pessoas compartilhem o conteúdo da marca é mais forte que tudo. Mas no final do dia, quantas marcas efetivamente as pessoas lembram? Quantos posts elas realmente lembram como eram e de quem eram?

Com o intuito de construir a nossa marca, estamos bombardeando a audiência com informação que muitas vezes é irrelevante

Se parar para pensar as melhores histórias geram mais lembranças. Red Bull Stratos é uma história incrível e foi construída para potencializar isso. E temos vários exemplos de histórias legais. Filmes da Coca-Cola, a ação da Heineken para a final da Champions League e o similar feito para os jogadores do time de basquete de Turquia. São histórias boas. E são essas histórias que as pessoas poderiam procurar na Timeline se ela tivesse a função de arquivo das coisas legais que a marca já fez.

Aí começamos a juntar alguns dados sobre o Facebook e vemos umas coisas que assustam um pouco: Apenas 2% ou 3% dos fãs acessam a sua fanpage e em média, as pessoas tem XX amigos e seguem XX marcas. Ou seja, o conteúdo tem que ser muito legal para que as pessoas lembrem disso depois. E como buscar no Google não vai adiantar porque esse conteúdo não é indexado por ele, chego a segunda parte desse post com outra pergunta capciosa:

Overload

Porque as marcas tem que postar todo dia?

Sério. Por que as marcas tem que publicar algo todo dia? Ah! é para continuar presente na vida das pessoas na Timeline, é para mostrar como somos relevantes e como podemos acrescentar algo a vida das pessoas que consomem nosso produto e que querem saber o que estamos fazendo. Ver marcas atualizando status 10 vezes por dia como se fossem adolescentes com TDAH me deixa nervoso mesmo quando o publico alvo é um adolescente com TDAH.

Se pararmos para pensar, essa história de publicar todo dia não é nova. Quando os blogs eram “obrigatórios” para empresas, esse mesmo discurso apareceu e várias empresas fizeram isso e publicavam todo dia alguma coisa nova até que isso não se sustentou e várias marcas começaram a publicar com menos frequência. Algumas marcas começaram a usar o blog como uma maneira de publicar press-releases para a sua audiência e outros começaram a deixar o seu blog como um espaço sem nenhuma periodicidade definida o que, na minha opinião, também não é o melhor a se fazer.

Mas o que me incomoda hoje é que as marcas estão sendo cobradas por uma criação de conteúdo exatamente como a de um veículo de comunicação. E se isso já não está fácil para os veículos de comunicação, imagina para uma marca que não tenha esse tipo de serviço como seu core business. E, contrário ao que se acredita, essa cobrança não vem da audiência. Ela vem do mercado.

As marcas estão sendo cobradas por uma criação de conteúdo exatamente como a de um veículo de comunicação

Então, tecnicamente, estamos bombardeando nossa audiência de informação que muitas vezes é irrelevante com o intuito de construir a nossa marca mas baseados apenas em uma ferramenta que hoje dita o que mercado deve fazer. As marcas devem ter um conteúdo excelente, com qualidade de print mas com tempo de desenvolvimento mínimo e verba idem. Isso para um conteúdo que se durar um dia é muito.

Quando colocamos uma outra variável que não seja tempo e interesse do receptor em redes sociais, notamos que o sistema está ligeiramente corrompido. As timelines do Twitter, do Instagram, Tumblr e Google+ são totalmente dependentes do tempo e você consome o que assinou ou o que foi compartilhado por seus amigos mas sempre precisa definir até quando você quer ir na sua Timeline.

Overload

Se o que você vai ver é definido por algum algoritmo feito para facilitar a sua vida e pegar as informações do que você interagiu recentemente para definir o que você tem interesse, isso cria um viés e uma câmera de eco brutal. A diversidade morre. O acaso morre. E na boa, se você quer saber o que está acontecendo, olhe os trending topics.

Mas porque não temos um trending topics de amigos em todos os sites até hoje? Apenas o Facebook faz isso hoje ao colocar o que os seus amigos falaram daquele trending topic no topo mas não é isso o ideal. Era para ser ao contrário, ver micro-tendências entre os amigos e seguidores e não ver que eles estão falando das macro-tendências. Talvez isso já aconteça mas eu ainda não vi. E isso seria um bom caminho para ajudar na elaboração de conteúdo mais interessante para a audiência.

Quando começamos a perguntar sobre o porque existem essas regras, todas as respostas que temos são voltadas para um mundo de mídia paga e não proprietária e ganha. Alcance, awareness e engajamento são respostas recorrentes. OK. Somos publicitários, anunciantes e tudo mais. Nós pensamos assim e precisamos dessas métricas. Mas e o publico, como pensa? Ou melhor como se sente? Será que essas regras são boas para o público final? Será que isso não impacta a marca no médio prazo?

Uma vez eu segui o perfil do Guy Kawasaki no Twitter e notei que não era para mim. Eu fico online direto, acesso o Twitter frequentemente e essa conta repete (ou repetia na época) tweets 3 vezes por dia para alcançar as pessoas que têm um perfil diferente do meu. Ou seja, para pessoas normais, seguir a conta dele é ótimo pois a chance de você perder alguma coisa é bem menor. Mas, honestamente, é um saco e eu deixei de seguir. Mas essa foi a maneira de ele lidar com a variável tempo nas redes sociais.

Uma marca não é construída da noite pro dia. Isso demanda tempo e confiança. Atualizar mais vezes nao vai acelerar o processo. Anunciar mais talvez funcione por um tempo mas uma hora vira paisagem como boa parte da publicidade on e offline é hoje.

Mesmo marcas que começaram pequenas na internet e que foram crescendo aos poucos, demoraram anos para serem consideradas realmente boas. Vale lembrar que a maioria das marcas criadas acabam no 1º ano e as marcas picaretas de e-commerce duram até menos mas por serem desenhadas assim.

Oreo

O Camiseteria é um exemplo que gosto porque vi crescer. Ainda é nicho? É mas eles estão fazendo direito ao focar mais na comunidade do que em publicidade. No outro extremo temos a Netshoes que aposta mais na publicidade do que na comunidade e isso também tem funcionado. Eles tem conteúdo? Tem mas o foco é venda. Ambas são marcas relativamente novas e que demoraram anos para serem reconhecidas e para as pessoas notarem e confiarem nelas. Elas podem publicar muito, anunciar muito mas ainda assim precisaram de anos de bons serviços para serem reconhecidas como tal.

Quer outros exemplos? Olha o conteúdo da Patagonia e da InCase. Produtos bons, posicionamento idem e conteúdo relevante para o público principalmente no caso da Patagonia. A InCase mudou um pouco seu conteúdo no último ano mas se você olhar o que foi feito no passado nos seus canais sociais vai ver muito conteúdo legal, atletas legais sendo patrocinados ou criando coleções.

Flow é o conteúdo de dia a dia e que não vai viver muito mesmo. Stock é o conteúdo que pode ser acessado daqui a 3 meses ou 3 anos que ainda terá o seu valor

Quando marcas grandes e reconhecidas começam a correria de publicar todo dia, varias vezes ao dia, é natural que a qualidade do conteúdo caia, é natural que comece a ser considerado inadequado ou visto como spam nas redes sociais. Ainda estamos competindo com a vida das pessoas.

Imaginar que aparecendo mais em um lugar que é para amigos isso as torne mais relevante é uma falácia. E acho que aí está a graça de trabalhar com redes sociais hoje. É testar todas as possibilidades de ter um conteúdo bom e que dure. Porque boa parte do que tem sido feito e publicado em redes sociais segue mais a linha de Flow do que de Stock. Para quem não sabe ainda o que é isso, é bem simples. Flow é o conteúdo de dia a dia e que não vai viver muito mesmo. Stock é o conteúdo que pode ser acessado daqui a 3 meses ou 3 anos que ainda terá o seu valor.

Acho que ainda temos que encontrar o equilíbrio entre Flow e Stock e entre mídia paga e ganha. Não é fácil mas temos que testar e aprender. Não existe verdade absoluta ou regra talhada em pedra. Tudo está escrito em areia e a qualquer momento pode vir uma onda, apagar tudo e você ter que recomeçar. Então não se apegue muito ao modelo que está funcionando hoje. Algo me diz que se a sua audiência não cansar de você, provavelmente algum algoritmo vai.

Entendo que pensar em conteúdo que dure mais em Redes Sociais parece ser um contra-senso. Mas tendo um conceito forte de campanha por trás, é capaz desse conteúdo marcar uma época. Como os Outdoors da Veja marcaram uma época nos anos 90. Oreo é um grande exemplo desse tipo de conteúdo que pode ser visto como Flow para redes sociais mas acaba sendo Stock por mostrar uma época clara da história da comunicação dessa marca. Quantas das marcas que vemos por aí podem falar a mesma coisa?

Então eu pergunto de novo: Porque as marcas tem que postar todo dia?

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Conteúdo em vídeo tem sido a nova aposta das publicações jornalísticas

Na mesma semana em que o New York Times apresentou um hub dedicado a conteúdos em vídeo, com direito até a uma adaptação do clássico logo do jornal, outros conglomerados da notícia também lançaram iniciativas semelhantes.

O Wall Street Journal anunciou a chegada da ‘video revista digital’ Signal, que deverá fazer uma curadoria dos melhores vídeos produzidos pela própria equipe do WSJ, além de algumas produções de terceiros. A Signal poderá ser acessada através da web ou de dispositivos móveis, mas há uma clara preferência dos produtores pela experiência através de tablets, já que a curadoria pretende privilegiar o modelo de uma revista. Apesar de já ter sido apresentada, a vídeo-revista do WSJ não deve estrear tão cedo – segundo uma porta-voz da publicação,  a Signal ainda está em estágios iniciais de desenvolvimento.

E não são apenas o NYT e o WSJ que estão interessados em conteúdos em vídeo – a Conde Nast, responsável pela publicação de revistas como a Vogue e a Vanity Fair, também terá uma plataforma similar, a The Scene, que vai reunir os melhores vídeos das suas revistas, além de conteúdos audiovisuais de sites parceiros da editora, como o BuzzFeed e ABC News. Outra interessada é a Time Inc.,  que deve apresentar em breve o The Daily Cut, que destacará as produções em vídeo do grupo.

O curioso é que essas empresas não tem exatamente dificuldades para produzir vídeos – só o WSJ é responsável por cerca de 18 mil novos conteúdos em vídeo todos os anos – mas sim de conseguir uma audiência extensa o suficiente para essas produções.

Será que os telespectadores serão convertidos em webspectadores?

Apesar do esforço ser louvável, Joshua Benton, diretor do Nieman Lab, provoca ao analisar um dos vídeos recentes do NYT. Ainda que seja um conteúdo divertido, as mais de 30 pessoas listadas nos créditos lembram do problema de ROI dessas iniciativas – assim como boa parte do bom jornalismo do mundo, o custo é muito maior do que o retorno do investimento.

Provavelmente a esperança é que, com a popularização de smart TVs e de caixinhas que conectam TVs tradicionais à web, esse tipo de notícia em vídeo possa ganhar alguma atenção da audiência.

Ainda que o número de telespectadores esteja em baixa, será que eles conseguirão ser convertidos em webspectadores desses vídeos informativos dos jornais?

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Banana pra dar e vender

O gesto do Daniel Alves, de uma presença de espírito muito bem-vinda, gerou milhares de comentários e uma campanha com famosos que por sua vez gerou uma infinidade de textos, postagens e novos comentários de tudo o que é jeito. Tem pra todos os gostos. O viés também vai de acordo com a preferência do freguês. Cada um tem a sua agenda, meus amiguinhos.

Um colunista da Carta Capital diz que não devemos juntar macaco e banana em campanhas contra o racismo (hein?). Gente que adorava o auê ficou decepcionado porque atrás da campanha existe uma agência de propaganda (não me diga). Teve um cara no Twitter que falou que era negro e que eu não sabia do que estava falando. Tem um povo que não gostou do #somostodosmacacos porque, afinal, ninguém é macaco – por que não #somostodoshumanos?

Um amigo meu disse que preferia algo mais agressivo, tipo #enfiaessabanananoc*, no que eu concordei. Até eu resolvi escrever um texto, ora, vejam só – minha agenda, caso vocês não saibam, é soprar as brasas que alçarão meu balão de festa junina ao estrelato nas redes sociais.

Não temos a menor noção do impacto da hashtag no dia-a-dia das pessoas, mas preferimos vaticinar o certo e o errado tendo como amostragem nossos amigos do Facebook

Mas as poucas considerações que faço acerca da campanha publicitária são:

1. Difícil prever quando sairá algo autêntico do Neymar além dos dribles. Tudo ali é estudado, o que é uma pena – pena pra nós; ele parece estar muito bem, obrigado.

2. O Luciano Huck está em todas e dessa vez lançou uma camisa de R$69,00 para surfar a onda – deve haver alguma espécie de Nobel pra isso.

3. Não temos a menor noção do impacto da hashtag no dia-a-dia das pessoas, mas preferimos vaticinar o certo e o errado tendo como incrível amostragem nossos amigos do Facebook (os que pensam como a gente, porque os que pensam diferente já foram devidamente expurgados).

E 4. Racismo não é um problema apenas dos negros, embora sejam eles que sofram na pele com isso, racismo é um problema da humanidade. Portanto, se alguém vier com a carteirada de que é negro e que por isso tem autoridade inconteste e a palavra final sobre o assunto, levanto meu registro geral de homo sapiens sapiens e cabôsse.

Mas isso, é claro, é só o que eu penso.

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Social media não é uma disciplina

Existem algumas perguntas que estou cansado de ouvir: “O Facebook vai acabar? O Twitter ainda é bom? O Google+ vai virar?”. Independente da resposta que eu daria e do fato dessa pergunta ser feita por publicitários e empresários que querem saber onde devem investir o seu dinheiro, essas são perguntas erradas se pensarmos no médio prazo e estão tratando Redes Sociais como um canal apenas e não como um comportamento. Redes sociais não vão acabar.

No futuro, podemos não ter Facebook, Twitter etc mas o comportamento de se conectar com outros continuará como sempre aconteceu. Devemos mudar o foco de canais para assuntos. Sendo assim, temos que mudar a maneira de pensar comunicação nesse cenário. Está ficando cada vez mais claro que o formato que vem sendo usado talvez não seja o melhor.

Há alguns anos eu escrevi um post aqui no B9 em que perguntava onde, em uma agência de publicidade, a área de Social Media deveria ficar. Na época o debate ficou ao redor de Planejamento, Criação ou uma área separada. Acho que hoje eu tenho uma noção melhor de onde a área de Social Media deveria ficar em uma agência de publicidade e a resposta é simples: Em todo lugar.

Explico. Talvez tenha chegado a hora que Social Media não deva mais ser vista como uma disciplina ou departamento. Social Media, na minha opinião, deve ser vista como uma maneira de pensar. É uma maneira de pensar em que tudo pode ser assunto, em que todo formato é válido se gerar conversas e em que toda interação é uma oportunidade de gerar um assunto novo.

Talvez tenha chegado a hora que Social Media não deva mais ser vista como uma disciplina ou departamento

Talvez tenhamos que sair da fase em que tudo é anúncio e entrarmos em que tudo é assunto. Em que o mais importante é ter um assunto bom, que gere conversas em qualquer rede social. E por rede social entenda qualquer ambiente que junte um grupo de pessoas com algum interesse em comum e isso pode acontecer no clube, futebol das terças feiras, na praia e claro, no Facebook, Twitter, Google+ e Whatsapp. Por que no final das contas, redes sociais sem comunidade e conteúdo/assunto não existem.

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E com certeza, temos que evoluir da fase em que “tudo é curto prazo”. Seja corrida por fãs, corrida por likes, corrida por acessos e por aí vai. Do jeito que as coisas estão indo, falar em crescimento orgânico é quase um palavrão. Tudo é apenas aquisição. Somos todos colonizadores. Chegamos numa terra nova e saqueamos as riquezas desse local até esgota-las. Somos uma nuvem de gafanhotos e destruímos tudo que vimos pela frente. Raramente vemos uma estratégia baseada em branding, marca ou relacionamento. Médio ou longo prazo são termos usados quase sempre em situações ruins. Ninguém tem tempo para esperar.

Nesse cenário de pensar Social Media como disciplina, tudo muda. As vezes eu tenho a impressão que Social Media nas agências é exatamente o que Digital era 10 anos atrás quando comparado com Offline. Há um desinteresse generalizado para fazer esse tipo de trabalho. O que é curioso é notar que muitas vezes, quem tem a postura de resistência são as pessoas de digital e que sofreram isso no passado. Agora para e pensa se a mesma coisa também não acontece com o “pessoal de Mobile”. É amigo, não está fácil para ninguém.

Não há nada extremamente técnico nas entregas de Social Media que não possa ser entregue pelas áreas que já existem na agência

Naquela época, quem era de áreas offline, não se metia em online. E tinha essa divisão muito clara. “Ele é de online” vs “Ele é de offline”. Ao invés de pensar a comunicação como um todo, pensávamos em nichos e isso acabava gerando buracos na estratégia e na execução. Online era apenas o apêndice das campanhas. E aí hoje eu vejo isso acontecendo com Social Media. “Fulano é de Social” e, por ser de Social, essa pessoa tem a obrigação de saber fazer tudo relacionado a esse mundo.

Primeiro por que isso não existe, cada pessoa terá a sua especialidade e segundo por que o grande motivo de “Fulano é de Social” e tem que fazer tudo é um argumento bem próximo do que acontecia 10 anos atrás nas agências tradicionais: preguiça e medo de ter que aprender algo novo. E por causa disso, ainda acontece algo que até hoje eu vejo em agências maiores. Já vi isso acontecer em planejamento que é falar que o trabalho feito por tal planner é nível de offline. Isso só aconteceu porque não estão pensando na comunicação mas sim em disciplinas e quem entrega o que.

Na minha opinião, a maneira de combater isso é não tratar Social Media como uma disciplina mas sim como uma maneira de pensar. Ou seja, se pensarmos como disciplina, a única coisa que teremos é uma agência dentro de outra agência e isso dificilmente vai ser rentável principalmente por conta da sobreposição de funções e tarefas.

Se pensarmos nas áreas de uma agência, vemos que quase todas as funções existentes numa agência tradicional já poderiam ter capacidade de entregar qualquer job de digital, social media ou o que quiser. Basta ter profissionais para isso dispostos a sair da zona de conforto, se adaptar e aprender algo novo. E isso serve para os dois lados. Tanto para quem originalmente veio de offline quanto para quem originalmente veio de Digital/Social Media.

Basicamente, se as áreas da agência começarem a pensar em como aquele briefing poderá se tornar um assunto que as pessoas irão falar a respeito e não em que espaços ele deve preencher, tudo muda e podemos passar para a próxima fase.

E o que precisamos, e vou repetir o que escrevi antes, é ter profissionais dispostos a sair da zona de conforto, se adaptar e aprender algo novo. E aí é onde está a grande barreira hoje. A zona de conforto é tão… confortável.

Mas se a agência tem um departamento de Social Media a função que não está em nenhum lugar da agência e que as vezes acham que é o que define Social Media é a parte de interações e gestão da comunidade (ou Community Manager). Nesse cenário, vemos de novo que o SAC não deve estar na agência e que a função de Community Manager deixa de ser operacional e passa a ser estratégica e tática.

É detectar padrões e alimentar BI, Planejamento e Criação com insights sobre o que está acontecendo na comunidade numa versão mais Qualitativa e a Mídia sobre o que está funcionando e que merece investimento para amplificar o alcance daquele conteúdo. Ou seja, o Community Manager acaba funcionando também como um consultor para as áreas da agência que ele se relaciona. Mas acho que isso merece um post só sobre o assunto.

Claro que ainda vão existir as agências especializadas em Digital, em Social Media e etc. E a entrega delas será completa com todas as áreas pensando apenas nesse prisma e focado no que deve ser feito em canais digitais e Social media. O que quero dizer é que não há nada extremamente técnico nas entregas de Social Media que não possa ser entregue pelas áreas que já existem na agência.

Para confirmar o que estou falando, pense em uma agência de conteúdo. A entrega dela é baseada nos melhores canais em que aquele conteúdo deve estar. Uma parte na TV, outra parte na internet, outra em print, rádio, etc. Claro que existem restrições de orçamento, relacionamento com outras agências e etc. Mas deixar um conteúdo solitário numa mídia só pode ser uma miopia sem tamanho no negócio delas.

Então, para finalizar, o que quero dizer é o seguinte: estamos falando de comunicação. Temos que pensar em soluções de comunicação e não de quem entrega o que e onde. Falar hoje de comunicação 360º, Transmídia e etc nunca foi tão verdadeiro.

O momento que vivemos é claro: ou soma ou some.

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Facebook: pagar, afinal, vale ou não a pena?

Nas últimas semanas, diversas marcas têm expressado sua fúria contra o Facebook. O pontapé inicial foi com a Eat24, que decidiu encerrar a sua página no Facebook devido à recente diminuição no alcance orgânico das postagens. No Brasil, a Do Bem expressou seu descontentamento deixando uma provocação: “é melhor 100 mil fãs verdadeiros ou 1 milhão de fãs comprados?”

Diante desse cenário, acho importante lembrar que um dos principais lemas do Facebook é ‘move fast and break things’ – algo como ‘mova-se com velocidade e quebre coisas’, em tradução livre. A ideia principal é não ter medo de errar ou de perder oportunidades, o que costuma fazer com que algumas empresas sejam mais lentas na tomada de decisões.

Portanto, não é exatamente um absurdo que o Facebook simplesmente tenha decidido mudar as regras no meio da partida, sem se importar com o que os usuários ou clientes vão pensar. É aquela filosofia de que é melhor pedir desculpas do que pedir permissão. Eles vão se movendo rápido, e podem sair quebrando algumas coisas. Atualmente, essa coisa tem sido a confiança das marcas e publicações.

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No entanto, será mesmo que as reclamações procedem, do ponto de vista de negócios?

Bryan Maleszyk, diretor de estratégia da Isobar, acha que não. Em um artigo para o Digiday, ele explica que a base de fãs adquiridas pelas páginas no Facebook não é uma forma de aumentar o alcance orgânico, mas sim de tornar os anúncios pagos mais eficientes, já que assim eles ganhariam um melhor contexto social.

“A maioria das pessoas não visita as páginas de marcas no Facebook. Talvez eles nem se lembrem de ter curtido aquelas páginas. Mas quando você apresenta um conteúdo interessante, eles querem compartilhar, sejam eles fãs ou não. É nisso que o Facebook consegue ser valioso”, explica Bryan. E ele ainda completa com algumas especulações numéricas:

“Você precisa medir impressões e mídia orgânica para ver o que você está ganhando com isso. Se você pagar 5 milhões de dólares por mídia no Facebook e alcançar 5% mais pessoas quando aquele conteúdo é compartilhado, você acaba de receber cerca de 250 mil dólares em mídia gratuita”

 

A argumentação é interessante, mas ela funciona apenas se o Facebook for considerado uma mídia, o que não parecia ser a proposta da rede social há algum tempo atrás. “Primeiro vieram as campanhas de curtidas, com o próprio Facebook sugerindo que ‘você tem de conectar seus fãs com a sua marca’. Daí, depois de milhões terem sido gastos na retenção de fãs, a empresa decide que não é porque a pessoa é fã da marca que ela vai ver as publicações, e retira o alcance dos posts. Me sinto enganado por ter investido dinheiro na plataforma”, reclama Pedro Brito, responsável pelo marketing online da iQuilibrio.

Apesar dos anunciantes terem investido pesado, isso não lhes dá o direito de comandar como uma plataforma funciona ou não. As ‘chaves do reino’, nas palavras de Bryan, continuam nas mãos de Mark Zuckerberg, e agora a nova e rápida decisão feita por ele é que o conteúdo da rede social precisa ser interessante e engajador, sob pena de afastar os seus mais de 1 bilhão de usuários.

 Apesar dos anunciantes terem investido pesado, isso não lhes dá o direito de comandar como uma plataforma funciona ou não. As ‘chaves do reino’ continuam nas mãos de Mark Zuckerberg.

“Seria exaustivo para quem usa o Facebook ficar fazendo o microgerenciamento do que ele curte e quer ler, o que ele curte, mas é só entusiasta, o que ele curte, mas quer ver só de vez em quando, entre outros detalhes”, argumenta Thiago Leite, consultor de mídias digitais. “Se eu tivesse que controlar o fluxo de mensagens das mais de 1 mil páginas que eu curto e dos mais de 1,2 mil amigos que tenho, eu simplesmente sairia do Facebook”, confessa.

Nesse cenário, cada marca e publicação precisa rever seus objetivos para decidir se vale ou não a pena investir no Facebook. Ele continua sendo uma das principais fontes de tráfego de muitas publicações, mas a entrega ‘em massa’ de conteúdo provavelmente vai diminuir cada vez mais. Vale a pena manter a ‘lojinha’ no Facebook e tentar destacar apenas o que for importante? Quem sabe investir uma graninha e ver resultados um pouco melhores? Ou simplesmente desistir e migrar para outras redes que entreguem todo o conteúdo?

O que não parece ser viável é tentar segurar a velocidade do Zuck. Talvez ele mude de ideia daqui a alguns meses, e volte a entregar todo o conteúdo, e quem fechou seu puxadinho vai precisar começar o trabalho todo do zero. Ou talvez ele não mude de ideia.

Quem sabe uma solução seja passar a se movimentar tão rápido quanto eles, na torcida de conseguir não quebrar nada muito importante.

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Spoiler alert: a culpa do “final ruim” é sua!

A humanidade escreve há pelo menos 5000 anos. E já escreveu sobre tudo o que você possa imaginar. A criação de histórias, então, é ainda mais antiga. E, de alguma forma, toda nova história contada hoje, seja uma piada numa roda de amigos ou a sua série favorita, estabelece uma relação com um texto mais antigo, seja para interpretá-lo ou copiá-lo, seja para concordar ou discordar com a ideia. Mas isso não sou eu quem diz isso (diabos, eu não sou o autor do texto?), e sim o conceito de dialogismo da linguagem, descrito por Bakhtin.

Acabada a parte acadêmica do texto, vamos logo falar sobre a cultura pop e a irritante mania das pessoas odiarem o que se chama de spoiler. E sim, este texto está recheado de spoilers. Espero que até o fim dele, você não dê a mínima para este aviso, como eu não dou.

Em uma dessas discussões de bar, comentávamos sobre “Breaking Bad”, uma série que eu considero extremamente acima da média em relação ao que se produz para TV. É óbvio que parece bobagem dizer isso depois de assistir ao capítulo final, mas convenhamos: quando foi que você descobriu que o final de Walter White seria a morte, esta inevitável vilã de toda a humanidade? Quando foi que você descobriu que todos os personagens – sem exceção – que cruzaram o seu caminho iriam acabar invariavelmente morrendo ou sofrendo e “pagando pelos seus pecados”? No momento em que morreram? Mesmo?

Essa história já foi contada antes, e isso não é desmerecer em nada o trabalho brilhante do criador da série. Um homem que constrói um império do qual só se vê ruínas? A própria série nomeia o seu antepenúltimo episódio com o título de um poema escrito no século XIX, Ozymandias, que fala justamente sobre o maior dos faraós egípcios e as ruínas que são a única evidência do que foi o seu tempo de glória.

As tragédias gregas ensinam que, mais importante que não conhecer o fim, é a condução da história e as motivações dos personagens

A estrutura de crime e castigo da série é quase tragédia grega pura: tanto aqueles que ousaram desafiar Walter White (aqui representando um rei) como aqueles que ousaram desafiar a lei (aqui representando a lei maior, a dos deuses gregos) invariavelmente morreram ou se f***ram. Uma boa tragédia grega que aponta esta inevitabilidade do sofrimento é Antígona, de Sófocles. Ao questionar a lei de seu rei, Antígona morre. Ao questionar a lei dos deuses, o rei vê sua família e seu legado ruir.

A tragédia grega tinha um intuito bastante simples: ao conduzir uma história que poderia descrever os sentimentos e motivações de quase todas as pessoas e apontar o seu fim trágico, o patrocinador das peças gregas – o estado – ensinava que aquele que desafiasse o governo ou os deuses teria um único destino óbvio. Por isso, mais importante que não conhecer o fim (aquele monte de gente morta era o resultado de toda e qualquer tragédia) era a condução da história e as motivações dos personagens. Era isso que melhor conversava com o público e suportava a lição.

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Essa história já foi contada antes, e isso não é desmerecer em nada o trabalho brilhante do criador da série

Ou seja: era possível apontar o destino dos personagens de “Breaking Bad” logo em sua primeira temporada, assim que foi possível identificar tais referências no ótimo texto de Vince Gilligan e companhia. E houve quem “não gostou” do final, como se o que importasse fosse o fim, e não o caminho percorrido pela história.

Obviamente, são muitas as referências e clichês que podem ser utilizados em um mesmo texto. E referências existem para serem incorporadas ou questionadas. Em outra série muito interessante em condução de história, “True Detective” “pecou” segundo muitos fãs por um fim menos conspiratório: quando parecia que as mortes envolviam todo o alto escalão do governo estadual, chegou-se a um último, mas único, monstro. E por que a surpresa? Não se aprendeu nada com os discursos de Rust Cohle sobre a vida? Não há grand finale da vida, mas sim a aceitação de que ela acaba das maneiras mais banais. Isso ele diz logo no primeiro episódio. O homem é o lobo (ou o vilão) do homem, e não os aliens, os deuses, a natureza sobrenatural ou forças ocultas que nos governam.

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Não há grand finale da vida, mas sim a aceitação de que ela acaba das maneiras mais banais.

A gente espera um final clichê feliz ou espetacular (afinal, a felicidade não é espetacular?), mas a vida nos dá o que pode. Textos (e filmes e séries) funcionam assim. Se derem um final feliz, a gente vai reclamar que ele é óbvio. Se não derem, a gente vai reclamar que não é como esperávamos. Ainda não lhe convenci que o final não importa?

Vamos a “How I Met Your Mother”, uma série que nasceu de um questionamento central – quem é essa mãe e como eles ficam juntos – mas contou apenas as histórias paralelas: idas e vindas de Ted e Robin, Marshall e Lily consolidando um casamento com altos e baixos, Barney amadurecendo tardiamente, mas casando antes que Ted, o personagem mais tradicionalista de todos. Na trajetória, garantiu boas risadas contando situações cotidianas de um estilo de vida cosmopolita.

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“é como se então de repente eu chegasse ao fundo do fim, de volta ao começo”

A maior chateação de todos foi perceber que a mãe, no entanto, não estaria viva em 2030. Eu também fiquei chateado. Aí, fica claro que Ted contou toda a história para os filhos para justificar um possível novo caso. E por que não? Finais felizes são realmente esperados, sempre, mas são aqueles que os questionam de alguma maneira (nem ouso dizer que o final de “How I Met Your Mother” não é feliz) que nos fazem atentar para elementos que deixamos de acompanhar com mais detalhe em toda a trajetória. Exatamente: minha primeira reação ao assistir o último episódio foi querer assistir ao primeiro e pescar naquele episódio as cenas que abriram esta bem sucedida série. Como já cantava Gonzaguinha, “é como se então de repente eu chegasse ao fundo do fim, de volta ao começo”.

“Forrest Gump”, um filme que eu gosto muito, realiza uma narrativa semelhante: fica ali o Tom Hanks contando tudo o que fez pensando no grande amor de sua vida, aí ele vai correndo encontrá-la em Savannah, mas ela morre antes do filme acabar. O curioso é que o filme oferece, desta maneira, mais minutos de amor que um mero final feliz poderia dar, mas Jenny morre e só assim nós atribuímos maior valor para tudo o que eles viveram diante de grandes acontecimentos da História norteamericana. O filme, no entanto, não esconde os seus maiores clichês: o da superação do protagonista em diversos momentos de dificuldade e o da indestrutibilidade do grande amor.

Concluindo: há muito para se assistir num filme ou numa série que não seja uma linha reta para o final. Por isso, se posso deixar um conselho sincero, pare de ligar para essa rasa cultura de evitar os spoilers. Todos sabemos que um dia vamos morrer, e nem por isso deixamos de nos divertir e de nos emocionar, certo?

O desafio da propaganda customizada

Fazer publicidade tem sido cada vez mais instigante, em especial nas novas mídias digitais. Há alguns anos, o foco era a produção de uma peça para exibir no jornal, entre uma matéria e outra do caderno de economia ou entretenimento. Quem sabe um formato meia página ou página dupla, quando o orçamento for bom. Tudo isso para atingir um público leitor que podia ser definido pela base de assinantes da publicação, que tinha informações como faixa etária, poder aquisitivo e gênero.

Quando a web chegou com força no Brasil, lá pelos anos 1990, enxergou-se a chance de usar publicidade também nessa nova mídia. Primeiro chegaram os formatos ‘transpostos’, como banners e janelas pop-up, que pulavam na frente dos seus olhos antes da informação que você realmente queria ver. Os formatos web foram se desenvolvendo e ganharam nomes como skyscrapper, fullbanner, half banner e outros ‘quadrinhos’ que aparecem em meio à sua navegação, igualzinho quando você folheava o jornal ou a revista.

Com a evolução da internet e das suas ferramentas, novas redes e mídias foram surgindo, e com elas novas possibilidades. Hoje, é possível promover uma postagem no Twitter, divulgar um sua propaganda no Facebook, postar uma imagem no Instagram, fazer um post pago e em breve até o Pinterest poderá permitir ‘pinnadas patrocinadas’.

Propaganda, hoje, precisa estar associada a conteúdos valiosos, que entreguem relevância, diversão, ou ao menos que estejam alinhados com o estilo da publicação onde aparecem

No entanto, uma mudança recente no algoritmo no Facebook, que serviria para oferecer um conteúdo melhor direcionado aos interesses dos usuários, teve como ‘efeito colateral’ uma detonada no alcance orgânico das páginas das marcas. Em prol de mostrar aos usuários mais coisas que eles (supostamente) querem ver, o Facebook peca em instantaneidade (muitas postagens que aparecem são antigas) e também em entregas – mesmo quem é fã de uma determinada página provavelmente não irá receber todas as postagens feitas por ela.

Agora, outro rumor preocupa os publicitários e criativos: o Facebook estaria para dar uma nova ‘foiçada’ no alcance das páginas, baixando a entrega de conteúdo para cerca de 1 ou 2% do total de fãs de uma página. Ou seja, se uma publicação conseguiu angariar uma base de fãs de 100 mil curtidas, apenas 1 mil pessoas veriam uma determinada postagem. Para atingir mais pessoas do que isso será preciso investir na promoção – obviamente paga – de conteúdo.

Mas o que vale prestar atenção é o que esse novo modelo de algoritmo do Facebook evidencia uma tendência atual, que atinge diversas mídias:

o usuário não quer ser impactado com propaganda ‘sem valor’, ou que não tenha sido minimamente ‘personalizada’ para os seus interesses

Propaganda, hoje, precisa estar associada a conteúdos valiosos, que entreguem relevância, diversão, ou ao menos que estejam alinhados com o estilo da publicação onde aparecem. Para que isso seja possível, cada um trabalha como pode. O Facebook mudou seu algoritmo, medida que chateou muita gente por mudar as regras do jogo depois da partida ter começado. Outra forma de seguir nessa direção de ser relevante é a atual tendência de customizar a mensagem publicitária de acordo com o veículo. Esse tipo de produção, tão alinhada com a ‘pegada’ de cada publicação, estaria sendo feita por ‘agências in house’, formadas em geral por profissionais de propaganda especializados em formatar campanhas publicitárias para o veículo em questão, fazendo-as serem quase nativas daquele ambiente.

Quer um exemplo? Em novembro passado, o BuzzFeed fez um divertido vídeo do ‘guia de um gato sobre como tomar conta do seu humano’. Em pouco mais de quatro meses, o vídeo já tem mais de 4 milhões de visualizações, uma elevada taxa de aprovação dos usuários, e uma enxurrada de comentários positivos elogiando o comercial.

Apesar do flash do logo da Purina logo no começo, o vídeo segue a pegada do BuzzFeed, com um gato listando dicas sobre como cuidar do seu dono, para só no finzinho, depois de muitas situações em que donos de gatos pudessem se identificar, citar o produto que eles queriam mesmo divulgar, uma areia para a caixinha de necessidades dos gatos.

A ação customizada cativa o webspectador, porque não é algo que ele se arrepende de ter visto ou de ter compartilhado

Esse tipo de ação cativa o ‘webspectador’, porque não é algo que ele se arrepende de ter visto ou de ter compartilhado. Não atrapalha nem incomoda e ainda entretém. Isso leva a uma curiosa mudança no setor publicitário, que parece limar a agência publicitária como intermediário de ações. É uma pivotagem da agência in-house, que antes era parte da equipe de marketing do anunciante (tendência que esteve em alta nos últimos meses), e que agora passa a ser uma agência especializada em publicidade nativa, agora alocada dentro do próprio veículo.

No BuzzFeed, essa equipe conta com mais de 40 criativos, entre designers, redatores, animadores e especialistas em internet, todos liderados por Melissa Rosenthal, que são responsáveis por desenvolver campanhas engajadoras e compartilháveis para as marcas que se tornam parceiras da publicação. Só em 2013, foram mais de 500 ações do tipo, para marcas como a Purina, GE, American Express, JetBlue e Samsung, que inclusive são promovidas nas redes sociais pelo próprio time ‘in house’. Os resultados, segundo o BuzzFeed, são uma substancial alta na afinidade com a marca (55%) e  88% de aumento na intenção de compra.

Vídeos produzidos 'dentro de casa', pelo time liderado por Ze Frank

Vídeos produzidos ‘dentro de casa’, pelo time liderado por Ze Frank

Tudo isso sem usar nem um bannerzinho, já que a publicação mantém o princípio de ser social até mesmo na publicidade. “Ajudamos as melhores marcas a criarem conteúdo interessante, relevante, que engaja o consumidor e o inspira a compartilhar”, explica a publicação, que recentemente incluiu outro formato de ‘custom branded content’ na sua lista: os quizzes. O interessante é que conteúdos customizados dessa forma tendem a não irritar nem revoltar o webspectador, como chegou a acontecer com o vídeo do “First Kiss”, que no fim das contas era não um encontro emocionante, mas um viral publicitário. Muita gente ficou brava por ter compartilhado o vídeo por tê-lo achado fofo, e depois se descobrir massa de manobra para a viralização de um comercial de roupa.

Há contudo, dois grandes problemas nessa questão da publicidade feita pelo próprio veículo: um ético e outro de negócios.

No quesito ético, é preciso separar bem o papel do jornalista e do publicitário ou criativo. Isso porque o jornalismo tem compromisso com a verdade, com o fato, enquanto o publicitário tem um interesse puro e simples de divulgar o produto do cliente. Se alguém da equipe editorial da publicação, seja ele jornalista ou não, também for responsável pela redação do conteúdo customizado para uma fabricante de gadgets, como ele poderá ser isento ao fazer uma resenha de um produto?

Esse limiar ético pressupõe que mesmo que exista uma equipe interna da publicação para adaptar conteúdos, ela não poderia (ou não deveria) ser a mesma que produz material não patrocinado para esse veículo. “Aqui no BuzzFeed, os times editorial e criativo mantém uma separação como de Igreja e Estado“, garante Melissa, diretora de serviços criativos do BuzzFeed, em entrevista ao B9. A única equipe compartilhada é a de desenvolvimento e tecnologia por trás do site, além de se utilizarem dos mesmos dados estatísticos.

“Por que eu vou compartilhar um volume de informação com alguém que não tem o menor compromisso de trabalhar exclusivamente para mim?”

O dilema de negócios também é curioso. Ainda que o conteúdo seja todo produzido ‘dentro de casa’, qual será a liberdade que a marca tem para passar conceitos, estratégias e até mesmo dados confidenciais, como lançamentos de produtos, para a equipe de um veículo, como no BuzzFeed? “Para eu exigir um resultado mais profundo [da ação], eu preciso compartilhar informação estratégica, confidencial. Só que se hoje essa suposta house trabalha para mim, e amanhã para o meu concorrente, por que eu vou compartilhar um volume de informação, visual, código, critério, ética, linguagem,  com alguém que não tem o menor compromisso de trabalhar exclusivamente para mim?“, questiona Igor Puga, fundador da ID

A escolha sobre o que repassar ao time criativo do BuzzFeed, no entanto, parece ser uma decisão de quem for ‘brifá-los’ – “A maioria das nossas relações é com agências de mídia, criativas, de relações públicas e de mídias sociais. É um processo colaborativo, queremos trabalhar com todos os envolvidos no processo de criação do conteúdo“, detalha Melissa, destacando que a agência in-house do BuzzFeed trabalha tanto diretamente com as marcas como por intermédio de agências, o que mostra que não necessariamente a iniciativa pode ‘canibalizar’ o mercado de propaganda digital.

O que parece inegável é que a publicidade vai precisar ralar para continuar passando sua mensagem ao público. Adblocks e até o próprio comportamento dos usuários já tornam os banners praticamente invisíveis, e será preciso encontrar formas de fazer o produto ou campanha se tornarem realmente interessantes e importantes para a audiência/público alvo. Ao mesmo tempo, o jornalismo precisará encontrar meios de manter sua idoneidade, ainda que a publicidade cada vez mais se ‘confunda’ com conteúdo. Um desafio e tanto para os próximos anos. 

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Selfie, uma prática que desconhece limites

Seria a falta de noção a grande epidemia do século 21? Foi exatamente esta a pergunta que me fiz ao ler a notícia de que um jovem teria quebrado a perna de uma estátua do século 19, na Academia de Belas Artes de Brera, em Milão. O fato ocorreu quando um “estudante de intercâmbio” teria sentado no colo da imagem do “Sátiro Embriagado” para tentar fazer uma selfie, segundo informações da administração do museu. É daí que eu volto a perguntar: seria a falta de noção a grande epidemia do século 21?

Ao longo da história, o mundo foi assolado por inúmeras epidemias: varíola, Praga de Atenas, malária, lepra, peste negra, sífilis, tifo, cólera, Gripe Espanhola, Aids, Gripe Aviária… mais recentemente, até a obesidade passou a ser considerada uma epidemia, por conta do excesso de alimentos processados em nossa dieta.

E se a obesidade pode ser encarada como uma epidemia resultante dos excessos que passaram a fazer parte do nosso cotidiano, então não seria errado concluir a “falta de noção” também se encaixa nesta definição, já que sua ausência nos leva a cometer diversos excessos no dia a dia, muitas vezes levados pelas razões (?) mais absurdas.

As “noções” que temos em relação ao mundo variam muito de cultura para cultura, geração para geração, família para família, pessoa para pessoa

É claro que as “noções” que temos em relação ao mundo variam muito de cultura para cultura, geração para geração, família para família, pessoa para pessoa. Algumas coisas, entretanto, são básicas. Coisas que certamente você ouviu em algum momento da sua vida, como “seu espaço termina onde começa o meu” ou ainda “não faça com os outros o que você não gostaria que fizessem com você”. Elementar, não, meu caro Watson?

Nem tanto. Para uma pessoa conseguir aplicar esses conceitos básicos em sua vida, ela teria de ser capaz de perceber, entender e compartilhar as experiências, sentimentos e emoções das pessoas ao seu redor. Seria necessário ser capaz de exercitar a empatia.

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O “Sátiro Embriagado”, obra da Academia de Belas Artes de Brera

O que a empatia tem a ver com isso?

Digamos, então, que a empatia seria uma espécie de ponto de partida para termos um pouco de noção sobre o mundo ao nosso redor. Seria como perceber que determinadas coisas que fazemos podem afetar o outro de uma maneira muito diferente do que nos afeta. É como quando você faz algum comentário e não percebe que aquilo pode ofender alguém, porque a princípio você não considerou isso ofensivo.

Digamos, então, que a empatia seria uma espécie de ponto de partida para termos um pouco de noção sobre o mundo ao nosso redor

Infelizmente, ninguém está livre de cometer alguns escorregões ao longo do caminho – a mídia está repleta de exemplos e tenho certeza de que todos nós temos alguma história para contar sobre algo desse tipo. O problema é que nem sempre conseguimos perceber isso, talvez porque nossos níveis de empatia tenham passado por um franco declínio nos últimos 30 anos, conforme constatou um estudo conduzido por Sara H. Konrath, na Universidade de Michigan.

A pesquisadora avaliou que a empatia “auto-declarada” por 14 mil estudantes da universidade tem diminuído desde 1980, mas nos últimos 10 anos a queda registrada foi abrupta: 75% dos participantes se avaliaram como menos empáticos do que a média de três décadas atrás. Apesar de não haver uma única justificativa para esse declínio, os estudiosos têm algumas teorias, sendo uma delas o aumento do isolamento social, cada vez mais comum para muitas pessoas.

“Para piorar, durante o mesmo período o narcisismo ‘auto-declarado’ dos estudantes alcançou níveis mais altos, de acordo com uma pesquisa de Jean M. Twenge, psicóloga da San Diego State University”, aponta a matéria publicada pela Scientific American em dezembro de 2010.

No funeral de Mandela, a selfie mais criticada dos últimos tempos

No funeral de Mandela, a selfie mais criticada dos últimos tempos

Narcisismo em alta

Isolamento social, empatia em declínio, narcisismo em alta… E a palavra do ano em 2013 é “selfie”. Mas, será que dá para jogar toda culpa nessa moda?

Fotografar a si mesmo não é uma exclusividade da era digital. Vira-e-mexe aparecem imagens antigas, feitas em câmeras analógicas, e que em tempos mais recentes acabaram recebendo o nome de “selfie”. E, de tão populares, tornaram-se alvo de críticas – Barack Obama e outros políticos no funeral de Nelson Mandela é um exemplo -, mas também de oportunidades – como pudemos ver no Oscar, com Ellen DeGeneres reunindo algumas das principais estrelas da atualidade em uma selfie registrada com um Galaxy, e fazendo Samsung e Twitter rirem à toa.

Ainda assim, a lista de furadas é gigante – algumas das piores estão reunidas em uma página no Facebook chamada Selfie Gone Wrong -, razão pela qual vez ou outra sites como o Mashable reúnem dicas para não errar na hora de se fotografar e compartilhar. Coisas óbvias como olhar ao redor, ser discreto e estar preparado para as reações das pessoas estão ali.

Após a perna quebrada do “Sátiro Embriagado”, na Academia de Belas Artes de Brera, eu incluiria na lista “não se sentar em estátuas do século 19 ou em qualquer outra obra de arte ou objeto histórico”. Mas é só uma sugestão.

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No Oscar, o sucesso da selfie de Ellen

“Você é uma doença. E eu sou a cura”

Piadinhas à parte, apesar de este texto ter sido inspirado por uma selfie, não acredito que o problema esteja na selfie em si, mas sim na falta de noção que as pessoas têm de uma maneira geral, inclusive quando estão tentando fotografar a si mesmas. A selfie é um sintoma dessa falta de noção consequente do nosso narcisismo, que é cada vez maior, e do nosso nível de empatia, cada vez menor. Para variar, tudo se resume ao ser humano, suas decisões e seu comportamento.

A selfie é um sintoma dessa falta de noção consequente do nosso narcisismo, que é cada vez maior, e do nosso nível de empatia, cada vez menor

Por mais que o museu tenha minimizado o fato, pelo menos aparentemente, dizendo que o valor da obra não era muito alto e que ela já foi encaminhada para a restauração, ela tinha a sua importância, ou não estaria em exibição no local – o que me fez lembrar daquela frase atribuída a Oscar Wilde que diz que “hoje as pessoas sabem o preço de tudo e o valor de nada”. E se isso já rolava lá no século 19, imagine o que ele não diria hoje.

Será que a partir do momento em que adota uma política de “shit happens”, o museu não está abrindo um mau precedente? Ou será que de fato não há razões para nos preocuparmos com a crescente falta de noção das pessoas e simplesmente devemos relaxar e aceitar isso como uma consequência do processo evolutivo(?) do ser humano?

Ao meu ver, acredito que o assunto merece, sim, atenção e um pouco de reflexão da nossa parte, independentemente das conclusões que possamos chegar. Afinal, estamos todos interligados e, mesmo que nossa empatia esteja em declínio, isso não quer dizer que o que os outros fazem não nos afete em algum momento. Quem sabe, assim, a gente também consegue recuperar um pouco da nossa noção perdida…

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3 coisas que fiz errado no #SXSW14

A experiência do SXSW na cidade de Austin é algo como tomar água em um hidrante de rua, correndo uma maratona de 50k ao som de 10 bandas tocando ao mesmo tempo no seu fone de ouvido. Tudo é em excesso e isso é bom, mas não é fácil.

A sensação de perder algo legal toda hora, às vezes, é menor do que a sensação de que não vai caber mais nada na sua cabeça. Ou seu corpo não vai mais aguentar e ainda são dez da noite. Nomes, temas, as ruas, os brasileiros, o jack’n’coke, as bandas, o RSVP, a conversa no taxi, o happy hour no hotel de alguém. Tudo é aproveitado e tudo é muito. Muita informação, marcas, idéias, contatos e malucos.

O badge no pescoço vira um convite para alguém vir falar com você e você falar com alguém a qualquer instante em lugar. Até no banheiro. A cabeça está sempre tentando desfragmentar o que rolou há 10 minutos e tentando planejar os próximos 20. Anotações, tweets, cartões trocados. Wearables, Awards, Assange, Snowden. As fichas vão caindo devagar enquanto as coisas acontecem sem parar.

Mesmo com a sensação de ter acertado na maior parte do tempo, aproveitei uma pausa de quatro horas no aeroporto de Atlanta para escrever este post e ver se ele me ajuda a lembrar das coisas que acredito que errei.

1. Não ter paciência para filas gigantes

Em Austin tudo é fila. Chega a ser engraçado. As pessoas gostam de fila e aproveitam ela de alguma forma. Pra dar risada, comer, beber, trocar ideias, olhar o celular… Acho que eu não soube administrar da melhor maneira e só depois cheguei a conclusão que é melhor enfrentar uma fila e entrar onde você quer, do que tentar e desistir de duas ou três e seguir perdendo tempo. Tenha paciência, escolha uma fila e fique nela, mesmo sendo um saco.

2. Ficar longe do centro

Fiquei em uma casa linda e aconchegante na periferia de Austin, próximo ao Metrô Martin Luther King Jr. O problema é que não da para contar toda hora com o metrô da cidade, a não ser pela manhã. O metrô não funciona aos domingos. Depender de taxi então, esquece. Alugar carro muito menos, pelo trânsito e pela quantidade de gente na rua não vale a pena. Fique em algum lugar em downtown e prepare suas pernas.

3. Não ter o badge de Music

Fui somente com o Badge de Interactive consciente de que era um risco. Mas queria aproveitar a categoria e deixar pra explorar música nas ruas conforme fosse possível. Dei muita sorte e vi muitos shows bons. Mas assim que acabou o Interactive, a coisa complicou. Considere o badge Music ou vá logo de Platinum.

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/Crédito Imagem: John Pesina / Shutterstock.com

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Liberdade, Igualdade e… Violência?

A violência parece ser uma constante na história da humanidade. Dependendo do olhar que lancemos ao passado, teremos a nítida impressão de que nossa história foi escrita com o sangue de muita, muita gente. E para provar que não somos muito melhores que nossos antepassados, temos visto por todos os cantos da internet uma série de declarações que parecem reforçar uma conduta agressiva. A famigerada fala de Rachel Sheherazade, falando que era “compreensível que os tais ‘justiceiros’ amarrassem aquele menino no poste” dada a situação precária da segurança pública, foi um dos exemplos mais marcantes das últimas semanas.

Valem menção também todas as polêmicas levantadas pelo deputado Jair Bolsonaro, durante sua tentativa de assumir a Comissão de Direitos Humanos e a situação que envolveu as declarações de Joaquim Barbosa no STF, no que tange as retiradas de acusação de formação de quadrilha no caso do mensalão do PT.

No meio de tudo isso, quando um era acusado de estar incitando a violência ou deturpando algum fato, o falante geralmente diz “eu tenho o direito de dizer o que quiser”. E ele está certo, por mais errado, certo ou violento que seja seu discurso. Pior: nos casos que achamos absurdos, vemos que há um grande número de pessoas que defende tais ideias. E nós ficamos malucos, tentando achar qualquer contra argumento que o valha. Sentimo-nos violentados. E outro lado também.

O assunto “que tipo de violência está sendo exercida (de quem e contra quem)” está quente nas redes sociais. Em ano de eleições presidenciais (e Copa do Mundo, não nos esqueçamos), será muito interessante verificarmos como os candidatos se posicionarão midiaticamente. As aulas que você, leitor, teve de análise de discurso e imagem poderão ser muito úteis para pensar acerca do cenário que se monta diante de nós.

Em casos de pessoas que supostamente “merecem morrer”, poderia-se recorrer ao italiano Maquiavel – Ainda que tal frase nunca tenha sido proferida por ele – e perguntar “os fins justificam os meios”?

No último post que fiz, acerca dos protestos que estão ocorrendo pelo mundo, uma série de questões foi levantada sobre nosso consumo de informações no ambiente virtual e as formações de opiniões num Estado democrático. A legitimação do uso ou não da violência parece ser um debate constante. Com base nos últimos três Braincasts lançados, podemos também expandir essa dúvida.

Por exemplo: se o povo deseja sangue, ele deve obtê-lo? Há sabedoria na opinião popular, mesmo quando ela parece querer um retorno da barbárie? Essas opiniões são nossas (do povo) ou correspondem a grupos de interesse de elite, que ditam o que queremos através das mídias de massa? Somos influenciados pela mídia? Se sim, quanto? E quando este discurso se espalha na internet (supostamente o meio de comunicação mais democrático que já desenvolvemos), como lidar com tudo isso?

Tendo em vista todos esses fatores, acredito ser pertinente aprofundar algumas das questões do texto anterior neste post. Para tanto, focarei na questão da violência, já que ela parece ser um tema bastante em pauta atualmente.

Bolsonaro

Sangue

Violência e Punição: uma breve história

Um dos problemas em falarmos sobre o papel da violência na comunicação é o de defini-la. Acredito que, na maioria dos casos, haveria pouca discussão sobre o caráter de violência que existe em atos extremos como assassinatos ou sequestros. Mesmo nas possibilidades de contextualização, buscando os motivos de tais atos, haveria uma concordância de que matar alguém é um ato de extrema violência – mesmo que esse alguém seja Hitler.

Em casos de pessoas que supostamente “merecem morrer”, poderia-se recorrer ao italiano Maquiavel e perguntar “os fins justificam os meios”? Voltarei a Maquiavel em breve. Por ora, acho importante mencionar que, de acordo com o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da USP e um dos grandes especialistas em Maquiavel no Brasil, essa frase nunca foi proferida pelo autor italiano.

Voltando à questão da violência e sua dificuldade em definição, podemos citar aqui os velhos casos de “piadas mal-entendidas”. Uma “piada” racista ou machista, no ouvido de um ou outro, pode ter efeitos dos mais diversos. Para os que se ofendem, é recorrente taxá-los de “sem senso de humor”. Aquele que se ofende com a piada sente-se violentado direta ou indiretamente. Do outro lado, o que proferiu a piada, se não compreendido, também sente-se violentado (ataca-se, no caso, sua estética humorista e seus princípios morais – ambos são colocados em dúvida).

Quero deixar claro que sou absolutamente contra piadas racistas e machistas (e aprendi o perigo delas após muito tempo). Se fosse para defender um lado, defenderia aquele que se sentiu ofendido. Mas não é essa a questão que desejo levantar aqui, mas sim duas: primeiro, os exemplos que citei podem ser considerados violentos? Segundo, há alguma violência permitida?

Podemos pensar em graus. Um tapa na cara de alguém, uma ofensa, seriam atos violentos em graus menor do que um assassinato. Acho que essa ideia seria bem aceita pelo leitor. Mas, novamente, perguntamos: algum nível é aceitável? Qual seria o grau de violência socialmente aceitável nas relações contemporâneas?

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Em seu livro “A História da Violência”, o historiador Robert Muchembled declara: sem dúvidas, a violência social sofreu uma grande regressão a partir do fim da Idade Média, e é um desafio do historiador entender os motivos para isso. Uma das análises curiosas que ele faz é mostrar que é no momento em que o número de assassinatos começam a diminuir que ele torna-se um problema social. Tornando-se fenômeno cada vez mais raro, coube às autoridades de tais tempos e lugares questionarem “o que fazer com aquele que agride?”.

Sem dúvida, a preocupação com a violência remonta a tempos bem mais remotos do que o medieval. O famoso código de Hamurabi, datado de cerca de 1800 A.C., já explicitava a norma de conduta “olho por olho, dente por dente”. No antigo testamento bíblico, temos os 10 mandamentos, cujo 6º é “não matarás”. Outras civilizações da antiguidade, como os gregos e romanos, foram também exemplos nesse quesito.

Esta última, inclusive, chegou a elaborar complexas análises na questão de danos morais e compensação pelos mesmos. Sendo assim, é curioso notarmos que a violência sempre esteve na pauta das diferentes civilizações que já caminharam no planeta. Por mais que diferentes formas de se lidar com ela tenham surgido, desde o “olho por olho” de Hamurabi até o “dar a outra face a tapa” cristã, ela demonstra ser constante.

Poderíamos dizer então que ela é “natural” do ser humano, mas isso também é perigoso, pois pode ser usado como tentativa de legitimar algum ato cruel. Um exemplo disso é aquela lógica de elevador de que “a humanidade sempre foi violenta, portanto também posso ser agora”. Chamo isso de “lógica de elevador” por ser aquele tipo de conclusão simplista que pode chegar-se em uma rápida viagem de um andar para outro.

A relação entre “transgressão da norma” e “punição” seria historicamente constituída de acordo com certos grupos que detém o poder. Nosso senso de justiça seria, então, histórico e culturalmente construído.

Curiosamente, recentemente tive uma conversa com uma vizinha que falou algo do tipo “você ainda não tem filhos? Tudo bem, o mundo já está superpovoado mesmo. E agora que não tem mais guerras no mundo, não dá nem para dar uma limpada”. Eu imagino o que os povos em conflito na África e Oriente Médio pensariam sobre isso. Mas divago.

Outro livro obrigatório a ser citado nessa discussão é o “Vigiar e Punir”, do filósofo Michel Foucault. Analisando a história das punições, Foucault foi capaz de estabelecer uma mudança na sensibilidade punitiva que via no encarceramento uma via de correção mais humanitária em comparação com o suplício público. Contudo, segundo o autor, isso dependeria da formação de “corpos dóceis”, que interiorizam as regras sociais estabelecidas de modo a sentirem-se vigiados a todo o momento, mesmo quando não estão.

Seria este constante princípio de alerta que nos manteria em linhas de conduta socialmente aceitáveis. E isso, segundo ele, ocorreria via uma série de medidas legislativas que atendem a determinados grupos de interesse. Dito de outra forma, a relação entre “transgressão da norma” e “punição” seria historicamente constituída de acordo com certos grupos que detém o poder. Nosso senso de justiça seria, então, histórico e culturalmente construído.

Sheherazade

Sangue

Violência e Cultura

Acima de tudo, acredito que a violência é um ato que exige interpretação de acordo com o molde cultural na qual o indivíduo está inserido. Como estamos condicionados pela cultura, qualquer ato que se diga “natural” depende de seu interpretante, ganhando assim formas diversas. O cenário islâmico é bem provocador nesse sentido. É lugar-comum do ocidental achar que a religião islâmica é machista (e, sem dúvida, sob nossos olhares, realmente ela é em inúmeros aspectos).

A Burca, por exemplo, seria um símbolo máximo de que a mulher não domina seu corpo, sendo este propriedade ou da sua família ou do seu marido. Ao mesmo tempo, é cada vez mais comum os relatos de mulheres que se sentem extremamente constrangidas com homens que as abordam na rua.

Debatemos sobre isso no AntiCast 116, sobre Feminismos e Discursos de Gênero, portanto não vou me alongar nessa questão aqui. Quero apenas fazer um contraponto com o cenário islâmico dito machista: é norma reconhecida nos países islâmicos que uma mulher que sai de burca não pode ser abordada por um homem. Caso seja, este homem está cometendo um crime, previsto em lei.

Há violência dos dois lados: no ocidente, há um misto de “liberdade com consequências”. No oriente, uma sensação de “prisão libertadora”. Nos dois, há o problema da mulher conseguir se liberar da sua condição historicamente construída de “propriedade privada”. Muito se evolui dos dois lados, mas ainda estamos longe de um cenário satisfatório.

Acredito que, baseado em algumas mulheres que conheço, muitas aceitariam andar de burca na rua, se isso significasse que não seriam abordadas na rua. No ocidente, sequer temos essa opção. Discussão difícil essa num mundo que parece integrar-se cada vez mais através dos meios de comunicação. A sensação de andar em círculos é inevitável. Todos os lados parecem ter malefícios e ficamos determinados a escolher as opções “menos piores”, baseados nos nossos limites de interpretação do entorno.

Falando dos que estão mais perto de nós, eu sou apenas capaz de imaginar o tipo de concepção de “violência” que um morador de uma comunidade da periferia possui. Ao ver seu pai tendo sua dignidade violentada pelo Estado (preço da passagem do ônibus, sistema de saúde falho, baixo salário etc.), ou ainda de ver o traficante local tendo sucesso financeiro indo contra lei estabelecida, sou da opinião de que há aí um ciclo de violência que se autoalimenta. Obviamente há os casos daqueles que foram capazes de se superar, e daí há toda a discussão sobre meritocracia x condições sociais determinantes.

Somos violentos quando sonegamos imposto, quando recebemos o troco errado e não avisamos, quando invadimos a privacidade do outro e quando criticamos alguém.

Eu não sou absolutamente contra a concepção de meritocracia, mas acho que seus defensores esquecem de um dado fundamental: ela só é válida em um ambiente no qual todos possuem acesso a condições de oportunidades iguais. Por exemplo, em uma competição entre dois diretores de arte, que dispõem do mesmo tempo e ferramentas para realizarem seu trabalho, realizará o melhor trabalho aquele que souber ler melhor seu ambiente e inovar com mais contundência.

Em resumo, a criatividade poderá ser uma boa aliada – mas poderá ser pouco útil se um está usando um computador de última geração e o outro só possui um lápis e papel. Há sempre excessões, mas não são elas que determinam o ambiente todo. Sendo assim, gosto de pensar sempre num equilíbrio entre as duas coisas. Contudo, como geralmente lidamos com cenários desiguais, acredito que a violência social acaba desempenhando um papel mais determinante do que ideologias que pregam a existência de uma “boa índole”. E por violência, aqui, refiro-me a todos os seus graus.

Somos violentos quando sonegamos imposto, quando recebemos o troco errado e não avisamos, quando invadimos a privacidade do outro e quando criticamos alguém. Neste caso, não quero dizer que “é errado ser violento”. No último exemplo que dei, por exemplo, a crítica a alguém pode ser muito útil para aquela pessoa – e até para você, especialmente se ver que sua crítica está errada e pode aprender a aguçar seus critérios de julgamento com isso. Mas é um ato violento. Em grau muito menor do que um assassinato, sem dúvida.

Uma ideia parece surgir dessas ponderações: há alguma sabedoria no erro e na violência. Qual (ou quais) exatamente, não sei. Mas parece haver. E, com isso, voltamos à nossa dúvida original: qual tipo de violência seria permitida?

Dredd

Junto com o direito de expressão (e ação), há também o dever de se responder pelas consequências do discurso – especialmente se o fins não forem justificados.

Aprendendo com Maquiavel e Sheherazade

Apesar do subtítulo, quero deixar claro que discordo da opinião da jornalista, e vou explicar o motivo em breve. Antes disso, quero voltar ao pensador italiano, citado anteriormente.

Como já falei, de acordo com o filósofo Renato Janine Ribeiro, a frase “os fins justificam os meios” não é de autoria de Maquiavel. Contudo, parece sintetizar, de alguma forma, seu pensamento.

A obra mais famosa de Maquiavel, sem dúvida, é “O Príncipe”, datada do século XVI, na qual ele basicamente elenca uma série de diretrizes sobre como o monarca deve reger seu governo. Isso já é bem conhecido. Contudo, poucos sabem que Maquiavel era um Republicano, e uma das provas mais fortes disso é o longo tempo que passou escrevendo uma obra chamada “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”. Esta possui um caráter de profundo teor republicano. Não à toa, Rousseau, filósofo francês do século XVIII, levantou a hipótese de que “O Príncipe” era uma paródia. Contudo, ao lermos a obra, veremos que, se ela é uma piada, ela foi levada a sério demais.

Neste texto, Ribeiro retira do próprio texto de Maquiavel um exemplo interessante sobre o que pensa a respeito do Príncipe e seu papel político. Coloco o trecho em questão abaixo:

Árvore

“Se Maquiavel comec?a o livro especificando seu campo de interesse – o regime na?o republicano, mas mona?rquico; que na?o e? antigo, mas novo; que na?o foi obtido por armas pro?prias, mas alheias – ele praticamente o conclui com uma distinc?a?o que mais ou menos se sobrepo?e a esta. No penu?ltimo capi?tulo d’O pri?ncipe, afirma que dos resultados de nossas ac?o?es pode-se dizer que metade vem da fortuna (mais ou menos, o acaso, a sorte, boa ou ma?), metade da virtu?. Para ele, essa palavra na?o significa virtude moral, e por isso os estudiosos preferem cita?-la em italiano, a fim de preservar o sabor maquiaveliano.

A virtu? seria a excele?ncia do pri?ncipe, do condottiere, ao saber como enfeixar em suas ma?os os fios descosidos do destino. Tem virtu? quem sabe, em uma situac?a?o adversa ou apenas devida a? sorte, tornar-se senhor. Vejam o exemplo que da? Maquiavel: tempestades arrasam pontes e estradas, eis a fortuna; mas, depois, o homem refaz o que foi destrui?do, tornando-o mais resistente ao azar, eis a virtu?.

O que faz enta?o o pri?ncipe, na?o digo o ameac?ado pela ma? sorte, mas o que deve seu status apenas a? boa sorte, sem me?rito pro?prio, sem forc?as armadas suas que o defendam? Ele deve ser habili?ssimo. Cada gesto seu precisa estar dirigido a? construc?a?o de um poder que impressione. O grande exemplo de Maquiavel esta? em Cesare Borgia, quando esse pri?ncipe novo por excele?ncia – que deve sua posic?a?o apenas a? sorte de ser filho de papa – ganha a Romagna, enta?o assolada por bandidos.

Nomeia um preposto, Ramiro dell’Orco, para que acabe com eles, o que Ramiro faz com energia e crueldade. A regia?o esta? pacificada, mas Cesare ficou com fama ruim. Para sanar o entrave, Cesare manda matar, de forma cruel, seu pro?prio delegado, Ramiro. O corpo dele, ensanguentado, no centro da capital da Romagna, basta para mostrar que o pri?ncipe pode ser terri?vel e bom. Um gesto teatral fortalece Cesare Borgia.”

Suplício

Sangue

No caso citado de Cesare Borgia, pode saltar aos olhos do leitor o caráter de egoísta e sádico do Príncipe, que deseja manter seu status no poder ao invés de “pensar no povo”. O problema seria justamente esse: o Príncipe tem certeza de que sabe o que é melhor para seu povo. Pensando nisso, precisa manter o poder e faz o que for necessário para tanto.

Como eu gosto sempre de dizer, não existem pessoas que se dizem “malvadas” – o que implica dizer que não existe “gente de bem”, pois o julgamento de “bem” ou “mal” depende de quem está julgando. Todos acham que estão fazendo algo correto, mesmo nas piores das situações. Se pegarmos a totalidade de transgressões que realizamos todo dia, os casos em que sentimos genuína culpa são mais raros do que imaginamos.

Neste sentido, a lógica maquiavélica parece cair como uma luva. “Sei que o que estou fazendo é errado, mas é para um bem maior”. Uma variação é “não sei se o que estou fazendo é errado ou não, mas o resultado sem dúvida é para um bem maior”. Os fins justificando os meios. Contudo, isso é uma interpretação equivocada de Maquiavel. Como defensor da República, ele buscou justamente apontar os perigos de tais atitudes monárquicas.

E o que Sheherazade (entre outros citados no início do texto) tem a ver com isso? A questão é simples: num Estado democrático em que vivemos, todos tem o direito de falar o que bem entendem. Se ela acha que é compreensível amarrar alguém num poste, ela tem o direito de achar isso. Mas o que devemos aprender com Maquiavel e seu “O Príncipe” é que, junto com o direito de expressão (e ação), há também o dever de se responder pelas consequências do discurso – especialmente se o fins não forem justificados. E as consequências das ideias de Sheherazade não são das mais agradáveis para aqueles que defendem um cenário democrático.

Em primeiro lugar, como espero ter demonstrado, o “sentir-se violentado” é algo que depende de uma série de fatores. É importante sabermos quem está acusando a violência e o que Estado diz sobre isso. Ao permitir-se que o cidadão faça “justiça com as próprias mãos”, é importante lembrar-se daquelas aulas chatíssimas de História que teve, na qual o(a) professor(a) explicou o modelo dos três poderes, atuante no Brasil. Aquele que cria as Leis (Legislativo) não pode ser o mesmo que julga (Judiciário) e muito menos o que executa (Executivo).

Ditadura

Se concentrarmos esses poderes em apenas uma pessoa, entramos em um terreno perigoso: e se um dia o meu colega decidir me julgar? Em resumo, ao defender a legitimidade do “fazer justiça com as próprias mãos”, você está pondo em risco a própria liberdade. Ou você deseja viver num futuro pós-apocalíptico estilo Juiz Dredd? Ou deseja o retorno da Ditadura Militar?

Ao defender um novo Golpe, ou um modelo social que restrinja a liberdade do Outro, você está pondo em risco a sua própria.

O fato do Estado ter problemas em manter ordem e segurança a seus cidadãos é obviamente algo grave que deve ser trabalhado dentro dos trâmites legais e do exercício democrático. Particularmente, acho um absurdo ver tanta gente hoje em dia sonhando com um novo golpe militar no Brasil, querendo trocar a própria liberdade conquistada por uma ilusão de segurança. Primeiro: segurança para quem? Para você? Para as “pessoas de bem”? E quem decide quem é de bem ou não? Somos realmente tão egoístas e egocêntricos assim?

E se você acha que com isso estou querendo “defender bandido”, recomendo fortemente a leitura do texto “Ninguém é a favor de bandidos, é você que não entendeu nada”, de Ramon Kayo. Sobre as implicações de Sheherazade e sua demonstração de completo desconhecimento acerca do funcionamento de um Estado democrático moderno, recomendo este texto de David G. Borges, “A jornalista e os justiceiros do Flamengo”, muito esclarecedor.

Por fim, espero que o leitor entenda o seu próprio poder comunicativo. Ao pregarmos a legitimação do uso da violência, seja num jornal no horário nobre, seja na numa rede social para seus amigos, às vezes estamos realizando um atentado contra nós mesmos. Você tem direito de expressão e deve usá-lo à vontade. Mas aprenda a arcar com as consequências. Ao defender um novo Golpe, ou um modelo social que restrinja a liberdade do Outro, você está pondo em risco a sua própria.

Sejamos, portanto, menos preguiçosos no pensamento.

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Corrida por cliques: O risco de se criar conteúdo com engajamento artificial

Semana passada o Yassuda escreveu um post incrível aqui no B9 sobre como a nova ~tendência~ nas redes sociais são chamadas no estilo Upworthy ou listas como o BuzzFeed. Logo depois o Passamani escreveu a sua visão sobre o tema em outro post ótimo. Eu acho muito bom quando posts geram a vontade de debater esses assuntos e que isso extrapola os comentários no blog e viram posts em outros blogs. É isso que a internet e as redes sociais vêm fazendo há anos.

Aí eu resolvi escrever algo a respeito disso. É capaz que eu não consiga acrescentar nada de novo já que, como o Passamani bem colocou no post dele, tudo está mudando sempre. Mas vamos lá.

Tem um trecho do post do Yassuda que eu acho que vale repetir:

“O mais importante de tudo é que o bom conteúdo persiste. Upworthy e BuzzFeed são fenômenos relativamente novos, mas grandes blogs estão aí até hoje. Alguém lança uma nova maneira de burlar Facebook e Google, mas quem fica no fim é aquele que entregava conteúdo efetivamente bom.”

Existem duas maneiras de ler essa trecho.

BuzzFeed

Uma delas é algo que já venho dizendo há algum tempo: Trabalhar com Social Media (e conteúdo também) não tem atalho e dá trabalho mesmo. Então faça um conteúdo bom, persista que seu conteúdo uma hora poderá chamar a atenção e o seu trabalho será recompensado. O lance é exatamente esse. Todo mundo quer atalho. Todo mundo quer viver de renda. Todo mundo quer trabalhar pouco e ganhar uma fortuna. Afinal de contas, todo mundo tem mais o que fazer além de ficar trabalhando, né? Errado.

É esse pensamento que nos trouxe até esse ponto que estamos. Gente, trabalho não é palavrão. Trabalhar criando conteúdo para blogs, canais do YouTube e etc não é ruim e é um trabalho como qualquer outro. O lance é que muita gente acha que criar um blog, copiar conteúdo, colocar chamadas de efeito, caprichar no SEO e colocar links de afiliados é o que vai te dar todas essas possibilidades. Isso é uma falácia. Isso dura algum tempo e com a inclusão digital, parece que nunca vai parar porque continua funcionando.

Agora adivinha o que também continua funcionando? SPAM. É e mesmo assim isso não é uma coisa boa. É, novamente, alguém tentando um atalho. E como todo atalho, ele vicia. E a pessoa fica achando que só assim funciona. Já passamos por muitas fases nas Redes Sociais e em conteúdo. Já passamos pela parte do Seeding (com personagens falsos enganando as pessoas), pela polêmica do post pago, pelo Curte e Compartilha, agora estamos na fase das listas e chamadas malandras. O engraçado é que isso sempre continua até ninguém aguentar mais, aí para e começa a ser motivo de chacota.

Um erro baseado na câmara de eco que nossos feeds causam é a falsa sensação de que todo mundo está falando sobre o mesmo assunto

O BuzzFeed mesmo usando listas (e agora testes) como seu carro chefe tem também uma parte sua de editorial mais sério e ~tradicional~ com matérias políticas que furam a CNN e tudo. Então, acho que quando usamos o BuzzFeed como exemplo acaba sendo o que as pessoas compartilham mas não a qualidade do seu conteúdo como um todo. É um erro baseado na câmara de eco que nossos feeds causam. Uma falsa sensação de que todo mundo está falando sobre isso.

Mas se pararmos para pensar, os grandes responsáveis por essa corrida atrás do próprio rabo somos nós, publicitários, brand managers, gerentes de marketing e etc. Nós estamos querendo acelerar as coisas. Para mostrar competência. Para bater metas. Para mostrar que esse é um canal importante. Mas o grande problema é que estamos usando as métricas erradas. Redes Sociais são ideais para o relacionamento. E como todos nós sabemos, relacionamentos é baseado em confiança. E confiança é baseada em empatia para dar o primeiro passo. É assim com qualquer relacionamento. Entre pessoas e entre marcas e pessoas.

Você não pensa em comprar algo diferente só para testar. Alguma coisa fez com que você considerasse isso, certo? Você não começa a flertar com qualquer um mas sim com quem você acha que tem empatia e que combina com você. Só que ao tentarmos acelerar isso, seja com a corrida por popularidade de ter mais fãs/seguidores, seja por quem tem uma ~taxa de engajamento~ maior, na minha opinião acabamos errando. Ao invés de usarmos os dados que temos das pessoas que já se relacionam conosco para entender melhor como cada conteúdo mexe o ponteiro de awareness e compras, na maioria das vezes só queremos mais, mais e mais.

É uma herança da Revolução Industrial mas que não se aplica tanto em um mundo com tantos nichos. Talvez a métrica certa não seja essa. Talvez seja conexão real. Mas, bem, isso dá trabalho então acho que não deve ser muito rentável, né?

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A segunda maneira de ler o trecho é pensar que essa pode ser uma maneira de tentar quebrar a hegemonia de blogs antigos e que se mantém na ativa até hoje e são bastante populares. Mais ou menos como alguns desenvolvedores estavam fazendo na Appstore para ficar entre os Top Grossing apps. Eles começavam com um preço bem alto. Algo como US$ 999. Os próprios desenvolvedores compravam esse app para furar a fila e já tirar dá frente 1000 downloads dos apps padrão.

Ter um ranking tão facilmente manipulável premia quem burla o sistema

Depois de um período eles baixam para US$ 99 e vão baixando aos poucos até chegar nos US$0.99. O sistema é foda. Então eles simplesmente burlavam o sistema e pagavam a Apple para ter essa exposição. Pagavam à Apple porque 30% do valor da venda vai para ela e o resto vai para o desenvolvedor.

Isso, de alguma forma, pode ser visto como investimento de mídia. É de uma maneira legal? Juridicamente sim mas é moralmente questionável. Eles estão jogando com as zonas cinzas do sistema. Mas, de qualquer maneira, conseguiram quebrar um vício desse ranking Top Grossing apps. Porque na real, o que eles estavam fazendo é deixar com que nós preenchêssemos as lacunas.

“Se um app de US$0.99 está entre os que mais lucraram então ele deve ser muito bom e muita gente deve ter baixado. Vou comprar também”.

É um golpe. É um atalho (olha ele aí de novo) e dá o resultado que todo mundo quer. Nem todos os atalhos são golpes, mas atalho, por princípio, é uma maneira de encurtar um caminho ou, segundo o Aulete é um “Método alternativo pelo qual se busca atingir certo objetivo em menos tempo ou com menos esforço”. Não sei o que a Apple está fazendo a respeito, mas ter um ranking tão facilmente manipulável não me parece um bom caminho pois premia quem burla o sistema.

Apps

Se tem uma coisa que podemos aprender com essa história é que o nosso conteúdo tem que deixar algumas lacunas para que as pessoas possam preencher. Esse talvez seja uma coisa que, nós publicitários (clientes ou agência), tenhamos que aprender novamente. É um risco. As pessoas podem não entender mas é uma maneira de mostrar para essas pessoas que não estamos apenas mandando eles fazerem alguma coisa. Estamos induzindo-os a pensar. Talvez seja por isso que algumas séries de posts como as do Oreo ou aquela do LEGO sobre cultura pop tenham encantado tanto.

Corremos o risco de fazer com que o conteúdo da internet seja todo orientado a cliques, com um engajamento falso e superficial

Mas voltando aos posts, o Status Quo incomoda. E muitas pessoas querem mudá-lo logo. A única coisa que as ferramentas estão fazendo é disponibilizando maneiras de tentar acelerar o processo de mudar o seu status. Seja comprando fãs e seguidores ou mostrando o conteúdo para mais gente através de formato de mídia. Mas, adivinha o que acontece com esse formato ao longo do tempo? Ele começa a perder a eficiência. E aí, os dependentes dos atalhos começam a procurar outras maneiras de atingir aquele mesmo resultado. E começam a procurar zonas cinzas nas regras para que possam burlar e serem chamados de inteligentes. Gênios da mídia e etc.

Agora, quem quer manter o status quo muitas vezes continua fazendo o seu trabalho e faz algumas mudanças cosméticas para se adequar ao que chama a atenção e não mudam o resto. É nesse momento que estamos. Com chamadas de veículos tradicionais copiando as chamadas dos sites que fazem sucesso nos índices de compartilhamento para aumentar o número de acessos. E isso é legal. Só não dá para reduzir o seu conteúdo para apenas o que gera clique.

Devemos achar um equilíbrio entre o que a marca quer falar e o que o consumidor quer ouvir. O ideal é ficar na interseção e nos assuntos que o consumidor quer. Caso o contrário, voltamos para o tradicional anúncio de revista que apenas comunica e não gera conversa. Corremos o risco de fazer com que o conteúdo da internet seja como um TMZ ou um Ego potencializado. Tudo orientado a cliques e um engajamento falso e superficial.

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Outra coisa que eu noto é que poucas marcas realmente criam conteúdo por plataforma. Geralmente o tweet vira um post no Facebook, uma foto no Instagram vira um tweet com imagem e um pin no Pinterest. Ou seja, estão partindo do pressuposto que agimos exatamente igual em todas as redes.

Qualquer pessoa que tenha lido a introdução do livro “A Representação do Eu na Vida Cotidiana” na faculdade consegue fazer o paralelo com como agimos em cada rede social. Se as pessoas funcionam diferente em cada rede social, porque continuamos tratando o conteúdo como se uma pessoa agisse da mesma forma na academia e no botequim? Isso porque nem falei do objetivo de cada rede porque isso é feito pelas pessoas que usam aquele serviço.

Se as pessoas funcionam diferente em cada rede social, porque continuamos tratando o conteúdo como se uma pessoa agisse da mesma forma na academia e no botequim?

Gostaria que me indicassem marcas incríveis que foram construídas da noite para o dia. Que tenham nascido da noite para o dia e se mantido bem. Na minha opinião, isso não existe. Eu gosto de citar dois exemplos: o Camiseteria por que eles apostam na força da sua comunidade. Já a Netshoes faz bastante mídia segmentada e isso funciona para eles.

Mas quer saber o que é legal em ambas? É que elas prezam por um serviço/produto/atendimento bom. Uma experiência boa. Claro que tem gente que vai falar mal, que vai ter (ou teve) problemas e tal. Faz parte do jogo. Mas a maioria teve experiências boas com ambas as marcas. Mas de novo, isso não foi conquistado da noite por dia. Isso foi conquistado a duras penas por anos a fio de bons serviços. Se falarmos de marcas antigas então, isso fica bem mais claro.

Então quando vêm me perguntar qual a solução para um conteúdo que dependa menos de mídia, a única resposta que me vem a mente é: esqueça os atalhos. Foque no conteúdo e não pense em curto prazo. Confiança precisa de tempo. E é essa confiança, que a sua comunidade que cresceu organicamente tem por você, que vai fazer com que a sua marca seja divulgada por essas pessoas e que o boca a boca funcione.

É engraçado, antigamente, falar em ter mídia paga em Redes Sociais era um palavrão. Hoje, falar em crescimento orgânico é que soa como algo feio e ineficiente. Mas para mim é o seguinte: conteúdo bom, promovido com inteligência, privilegiando a comunidade ao redor e que não pensa na pressa dos resultados que vêm de atalhos ainda é o melhor caminho.

Calma, gente. É uma maratona, e não 100 metros rasos.

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O rolê do consumo

Rolezinho. Pronto, finalmente o B9 vai ter um texto sobre o assunto.

Mas não necessariamente para defender ou atacar o despretensioso movimento surgido nas redes sociais para promover o encontro de jovens que só querem curtir, ouvir um funk e paquerar as gatinhas. Minha opinião sobre o rolezinho não pode ser mais importante do que a de bons articulistas que já escreveram e estudaram um pouco mais sobre o assunto. Então não será um texto sobre este debate.

Acredito que para o público cativo deste site, podemos olhar mais atentamente sobre como as marcas, a publicidade e o comportamento de uma parcela considerável da sociedade geram um espetáculo como este.

A começar pela sociedade. Certa vez, Margaret Thatcher afirmou que “não existe essa coisa de sociedade, o que há são indivíduos”, uma reza até hoje repetida à exaustão.

Não é preciso dizer que não foi ela quem inaugurou esta forma de pensar. Há pelo menos 60 anos, o bem-estar individual – conquista capitalista que era orgulhosamente melhor do que o igualitário sistema socialista – é louvado. Criou-se, à base de muitos filmes hollywoodianos, propaganda massiva e publicidade envolvente, uma sociedade que acredita que o esforço individual traz benefícios (mais dinheiro, mais conforto, mais prazer) e que o que diferencia aqueles que possuem mais dos que possuem menos é o esforço e o mérito.

Já pararam para verificar todos os briefings que recebemos de nossos clientes? Target AB.

A regra – como a exclusão de boa parte da população ao ensino superior, o fato de que mulheres ganham menos do que os homens em média ou de que negros ainda sofrem racismo – é abalada por qualquer exceção, como um exemplo de superação individual de alguém que saiu da favela e conquistou o mundo. De repente, uma grande quantidade de gente perde a razão porque apenas um semelhante deles, apenas um, conquistou muito mais do que poderia sonhar. Esta é a beleza vendida.

E sabe qual é a melhor forma de premiar o seu esforço? O consumo. Eu dou um duro danado, eu ganho esse dinheiro com o suor do meu emprego, mereço comprar uma comida melhor, uma bolsa, um sapato, um carro.

Rolezinho

Aí entram as marcas e sua publicidade eloquente. Já pararam para verificar todos os briefings que recebemos de nossos clientes? Target AB. Em apenas duas oportunidades, trabalhei com campanhas “para a Classe C”, e sabe do que se tratava? Dois produtos obsoletos – um celular comum em tempos de smartphones começando a ganhar força e um sistema de som daqueles gigantes, que tocava CDs. Pois é.

Não há comportamento individual que não tenha reflexos no que chamamos de sociedade

Então, certas marcas se destacam porque representam um certo estilo de vida. Está aí o Rei do Camarote para não me deixar mentir. O consumo não visa apenas satisfazer suas necessidades básicas: é também uma forma de evidenciar o seu mérito em ter aquele produto.

Tudo isso para dizer o seguinte: valorizamos tanto as marcas e o status que o consumo delas nos atribui e estranhamos quando os jovens do rolezinho pensam exatamente igual.

Eles só querem curtir. Querem exibir o tênis comprado. As roupas que usam. Querem dançar e ouvir um som. E fazem isso no shopping porque é ali que o consumo é feito e reverenciado. Quando eu era adolescente, também marcava meu rolezinho no shopping: colocava uma roupa bacana e 10 reais no bolso, que bastavam para o cinema ou o fliperama e para o McDonald’s. Éramos quatro ou cinco amigos, mas claro que no mesmo shopping haviam diversos outros quatro ou cinco amigos. Se hoje a molecada pode chamar milhares pelo Facebook, o conceito ainda é o mesmo.

Rolezinho

Rol6e

Não há ato apolítico

Uma das primeiras manifestações sobre o assunto foi o intenso debate direita x esquerda. Entre reprimir a desordem ou aceitar que os jovens faziam um ato político ao ocupar os centros de consumo por não terem outros centros de lazer em seus bairros, houve alguns depoimentos dos jovens dizendo que aquilo “não tinha nada de política. Era só curtição”.

Eu concordo que seja só curtição, mas preciso logo dizer que Thatcher vociferava uma grande inverdade: não há comportamento individual que não tenha reflexos no que chamamos de sociedade.

Com o resultado de qualquer rolezinho, podemos começar a imaginar como o nosso comportamento individualista e consumista também atrapalha uma melhor vida em sociedade num universo maior, como uma cidade, um Estado ou um país.

Você é publicitário ou trabalha próximo ao mercado de comunicação. Você faz parte de um sistema que vende um sonho do carro próprio, da casa própria e das maravilhas do consumo de vestuário, alimentos e eletrônicos de última geração. Se há algo que toda essa história pode lhe ensinar é que, mesmo não parecendo, estas escolhas também são atos políticos e terão implicações em toda a sociedade.

Algo mais incômodo que o rolezinho vai bater na sua porta, sem pedir licença para entrar

Uma pessoa pode conquistar o sonho do carro próprio, mas quando milhões sonham e conquistam, não há sistema viário que aguente. Uma pessoa pode sonhar com a casa própria, num lugar calmo e tranquilo, mas quando milhões sonham e conquistam, os bairros de descaracterizam, dando espaço a um tipo único de construção. Uma pessoa adora pechinchar e não se importa em comprar aparelhos eletrônicos em lojas que não divulgam a procedência dos produtos, mas quando milhares fazem o mesmo, é necessário acelerar os roubos e contrabandos para garantir o estoque.

Ok, há uma solução a curto prazo? Claro que não. Mas quem sabe trazer este tipo de discussão ao campo da comunicação não ajude? Quem sabe, num futuro que eu desejo ser pouco distante, os profissionais da agência e de um primeiro cliente não atentem para um tipo de briefing que considere seus impactos? Algo como “talvez o que eu precise agora não é vender mais carros, e sim defender um uso diferente do carro, porque eu quero continuar a vender este produto daqui a 20 anos”. E quem sabe, com algum sucesso, outras marcas não embarquem nessa?

Não tenho exatamente uma resposta, mas penso que se continuarmos a tocar o barco como está, incentivando o mérito, o consumo e o individualismo e aumentando as tensões entre as pessoas, algo mais incômodo que o rolezinho vai bater na sua porta, sem pedir licença para entrar.

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Respeitem as hashtags

Saber usar hashtags em campanhas é uma arte e poucos souberam usar até hoje. E isso em qualquer lugar no Brasil, no exterior, tanto faz. Criar uma hashtag que pegue na veia e que motive as pessoas a usarem é algo tão difícil e importante que, parafraseando aquela máxima futebolística do Neném Prancha “Penalti é uma coisa tão importante, que quem devia bater é o presidente do clube”.

Pois é, hashtag é algo que deveria ser levado mais a sério. Não precisa ser o presidente da agência mas só de ter o Planejamento, a Criação e um Community Manager pensando nisso já mudaria bastante as coisas. Claro que o cliente teria que ajudar e aprovar mas o ponto aqui é dar mais peso para as hashtags. Algo que ainda não está acontecendo como deveria.

As hashtags originalmente foram usadas no mIRC e em algum momento alguém teve a idéia de usar no Twitter

No Super Bowl desse ano pela primeira vez tivemos mais filmes com hashtags (44) do que com URLs (39). Mas para se ter uma idéia de como esse negócio de criar hashtag é complicado, a maior parte dessas hashtags apareciam apenas no rabicho do filme meio que como um “vamos colocar uma hashtag para mostrar que somos descolados” ou seja, hashtags vazias e sem propósito. Uma das que se destacou foi a de uma campanha da Esurance que daria US$ 1.5 milhão num sorteio.

Só que eles fizeram de uma maneira ~malandra~, o filme foi para o ar logo após o fim do jogo e com isso eles economizaram o dinheiro que foi revertido para a promoção. Eles cresceram de 8.900 seguidores para 204 mil até agora. Se pararmos para pensar, o custo por seguidor foi bem alto mas o buzz que eles conseguiram não tanto. Mais de 1 milhão de tweets na primeira hora está bom para você? Mas peraí, a hashtag foi a responsável por isso tudo? Claro que não mas ela fez parte da estratégia.

Na minha opinião, uma hashtag proposta e usada por uma marca deve ser um convite a participação mas aí caímos novamente naquele velho dilema de boa parte dos clientes “…mas eles podem usar isso para falar mal da gente…” Todo mundo sabe que já estão falando e não vou repetir o discurso de 2005 pela milionésima vez.

Explorar hashtags na segunda tela já está sendo usado por muita gente da indústria de entretenimento

Quando uma marca decide criar uma hashtag do zero, ela está correndo o risco de fazer algo vazio e que não faz o menor sentido para a comunidade. Nesse caso a melhor coisa é pensar que existem assuntos que são interessantes para a marca, assuntos interessantes para a comunidade e há a interseção desses dois, assuntos que são “bons para ambas as partes”. Já vi marcas usando apenas assuntos que são interessantes para elas como hashtag e o resultado foi exatamente o esperado. Nada aconteceu.

Quando marcas usam hashtags já existentes e tentam se apropriar de algo criado pelas pessoas também já vi dar errado e notar pessoas parando de usar aquela hashtag para não fazer propaganda para essas marcas. Nesse caso a marca ~matou~ uma hashtag. As vezes ela volta desvinculada da marca mas na maioria das vezes o estrago já está feito e aquela hashtag vira uma gíria velha. Dá até vergonha alheia ao ver alguém usando. Um exemplo legal de uso de hashtag existente para uma campanha foi a #firstworldproblems com pessoas de países em desenvolvimento lendo aqueles tweets.

Outro caso interessante é o sentido contrário. Uma hashtag que começa a ser usada pelo público mas que na verdade é um slogan de alguma campanha. O que costuma acontecer é que há uma dissonância cognitiva sobre quem é o dono dessa hashtag. A marca é dona do slogan mas quando as pessoas usam como hashtag nas redes sociais, de quem é aquele post (tweet/foto/etc)? Na minha opinião, é da pessoa mas sempre vai remeter a marca. O que pode ser bom ou não. Nesse caso, se a marca resolver usar esses posts sem permissão do seu autor, pode acabar tendo problemas legais.

Agora quando vemos algo emocional e que usa a hashtag como call to action para a campanha o jogo muda. Se essa campanha começa dos meios de massa e vai para a internet acaba funcionando bem também. Itaú e Nextel já fizeram isso com #IssoMudaoMundo e #AceitaLaura. Campanhas de TV, emocionais e que quase demandam uma reação do público via segunda tela.

Trending Topics é o objetivo de qualquer marca que invente uma campanha usando hashtags. Elas querem ser a campanha que todo mundo está falando.

E esse lance de explorar hashtags na segunda tela já está sendo usado por muita gente da indústria de entretenimento. Séries de TV já vem com a hashtag a ser usada pela audiência para comentar o episódio e basta assistir um final de novela, um clássico local de campeonato de futebol (ou curling feminino) ou final de reality show para notar que as pessoas naturalmente comentam usando as hashtags.

As hashtags originalmente foram usadas no mIRC e em algum momento alguém teve a idéia de usar no Twitter, a moda pegou e elas viraram uma forma de dar um contexto para o que está sendo falado e poder indexar e agrupar tudo sobre aquele assunto. Como isso virou referência de uso público, as ferramentas que não tinham a funcionalidade de buscar hashtags foram, uma a uma, se adaptando para poder fazer parte das discussões em tempo real. E as pessoas gostam de estar junto de zilhões de pessoas que estão dividindo aquele momento, assunto ou interesse e se expressando.

Me lembro quando assisti o final de “Lost” em streaming e a sensação que eu tinha era que TODO MUNDO estava falando sobre isso. É uma sensação estranha fazer parte de algo global mas é, ao mesmo tempo incrível. Hashtags em eventos também é muito bom tanto para quem está lá quanto para quem não está presente. É uma maneira de participar mesmo sem estar lá presencialmente. #Claro #que #quem #abusa #das #hashtags #não #entendeu #nada.

E aí chegamos no resultado direto das hashtags: os Trending Topics. Assuntos que estão sendo comentados por muitas pessoas viram isso. E esse é o objetivo de qualquer marca que invente uma campanha usando hashtags. Elas querem ser a campanha que todo mundo está falando. Algo com a campanha de outdoors de Veja foi nos anos 90, como a campanha de Bombril, da Brastemp, de Dreher e tantas outras que caíram na boca do povo.

“Don’t #spam #with #hashtags. Don’t over-tag a single Tweet.” – Manual do Twitter

Hoje são poucas marcas que conseguem aproveitar bem os Trending Topics e as hashtags. A persona do Pinguim do Ponto Frio e a quantidade de produtos que a marca tem permitem que, com criatividade, ele entre em quase qualquer assunto em voga na internet com humor e senso de oportunidade. Isso vai da trama da novela das nove até a o último meme da semana. Mas não lembro de ter visto eles inventando alguma hashtag que tenha virado. Se alguém lembrar, por favor coloque nos comentários.

Voltando as Hashtags para marcas. Quem vai fazer com que essa realidade mude? Queria ver uma campanha com hashtag sair da Internet e ir para a mídia de massa. Queria ver uma campanha de marca com hashtag própria que tenha uma nova vida assim como #nãotempreço da MasterCard que, mesmo não sendo nada da campanha atual, é algo que remete totalmente a marca. Queria ver uma marca abraçar uma hashtag parodiando uma campanha sua e ver no que ia dar.

O lance é continuar tentando. Mas sem deixar a hashtag ser a última coisa da campanha. Não seria legal se ela fosse a estrela da campanha e que tudo rodasse a partir dela? Existe algo mais focado nas pessoas e em Redes Sociais do que isso? Agora, qual será a marca que vai realmente tentar e conseguir executar isso com sucesso?

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Woody Allen: É possível separarmos a obra de arte do artista?

Recentemente, vimos a carta Dylan Allen, filha adotiva de Woody Allen quando casado com Mia Farrow, na qual ela confirmava que seu pai havia abusado dela quando criança. Textos ora a favor de Dylan, ora duvidando, pipocaram por toda a internet. Não vou entrar nos detalhes do caso. Quem quiser, recomendo a leitura desses dois textos: a carta aberta de Dylan sobre o assunto e este texto de Robert B. Weide, responsável por um documentário sobre Woody Allen que foi ao ar nos EUA pela emissora PBS. No texto, Weide explica uma série de fatores que colocam em dúvida as acusações (ambos os textos estão em inglês).

O que mais me chamou a atenção no retorno da polêmica, que teoricamente já foi resolvida em 1993, quando Woody Allen foi absolvido pela corte americana, foi a quantidade de fãs dele se questionando “e agora, devo (ou posso) continuar fã?”. Certamente, ninguém quer correr o risco de ter sua reputação misturada a de um suposto pedófilo, simplesmente porque gosta dos filmes dele.

Mas será que tal associação, mesmo que feita de forma involuntária, é justa? Até que ponto devemos fazer tais questionamentos? Esse é um dos mais mais frequentes debates no campo artístico, e Woody Allen não foi o primeiro a ser objeto de tais dúvidas. Com certeza, não será o último. Este texto é uma infame tentativa de resposta para o dilema.

Woody Allen no set de "Match Point" (2005)

Woody Allen no set de “Match Point” (2005)

Qual a importância do autor?

Quando Roland Barthes, semiólogo francês do século passado, escreveu seu famoso texto “A Morte do Autor”, de 1967, ele desenvolvia uma posição provocadora: em contato com uma obra, a única coisa que importa é o leitor. Seu ensaio era voltado especialmente a uma corrente de crítica literária muito comum em seu tempo, na qual buscava explicar obras publicadas a partir da biografia de seus autores.

“E agora, devo (ou posso) continuar fã?”

Segundo Barthes, a obra literária possuiria uma vida independente da vida do autor que a escreveu, sendo então o resultado de leituras, recepções e interpretações diversas no meio social. Nesta perspectiva, definir a qualidade ou alcance de uma obra partindo da limitação da vida do criador da mesma seria inconsistente. Para os curiosos, discutimos essa questão de Barthes no AntiCast 37.

Woody Allen

Eu tendo a concordar com Barthes nesse ponto. Apesar de achar que o conhecimento sobre a vida do autor pode ajudar a um maior esclarecimento sobre detalhes de determinadas obras, quando vou à livraria ou ligo a TV para ver um filme, especialmente se for algo pouco conhecido, não me importa quem é o realizador. Caso o trabalho me chame a atenção, só então corro atrás para saber quem é o escritor, diretor, ator, e qualquer outro “or” (ou “ora”).

Mas, claro, esse não é o caso de Woody Allen. Seu nome é uma assinatura valiosa. Quem é fã, assistirá seu próximo filme sem pestanejar. Quem é simpatizante, poderá dizer que gosta de seus filmes e verá se tiver a oportunidade. E há sempre aqueles que nunca sabem o nome do diretor, e se surpreendem quando descobrem que o diretor de “Noivo neurótico, Noiva Nervosa” é o mesmo de “Meia-Noite em Paris”.

Trocando em miúdos: o nome Woody Allen vende, mesmo em seus filmes menos conhecidos. É um daqueles diretores de público fiel, uma aposta segura para os estúdios. Você com certeza consegue pensar em outros artistas que possuem o mesmo “selo de qualidade”, seja no cinema, na música, na literatura etc.

Claro, sempre há excessões. Um caso recente, no caso de Woody Allen, foi a fraca recepção ao “Para Roma com Amor”, em 2012, provavelmente por causa da alta expectativa causada após o sucesso que foi “Meia-Noite em Paris”. Ainda assim, seu nome continua forte.

Não estou falando nenhum novidade, mas o curioso é perguntarmos “será que o nome do artista sempre teve essa importância?”. A resposta é não.

Woody Allen

Quando surgiu o artista como um nome?

Recentemente, um colega meu, o professor Rodrigo Graça, do curso de design da UTFPR, foi a Paris e postou uma constatação curiosa:

“A disciplina de História da Arte (HA) poderia se chamar marquetingue (sic), ou HA é um protomarquetingue. O culto as obras primas e o endeusamento do indivíduo, na figura do artista criador, é evidente em Paris. Lugares como o Louvre, o d`Orsay e a l`Orangerie tem filas absurdas, enquanto lugares como o Petit Palais e o Musée Centre du Patrimoine et de L`Architecture com excelentes exposições e, em janeiro de 2014, com exposições temporárias sobre Jordaens e sobre o Art-Deco respectivamente, estão vazios; vazios mesmo, sem filas, sem salas cheias, sem atropelo…”

Se pegarmos qualquer livro de história da arte, ao menos os mais famosos (tipo aquele Gombrich que você tem juntando pó na estante de casa), veremos que eles são recheados de nomes. Contudo, os nomes passam a surgir com mais frequência apenas a partir do Trecento, ou o chamado Pré-Renascimento, que marca a transição da Idade Média para a Idade Moderna, no século XIV. Alguns nomes que aparecem nesse período, apenas a título de curiosidade, são Giotto, Domenico Di Bartolo, e Ambrogio Lorenzetti.

Art

O que quero dizer com isso? Por toda a Idade Média, com raríssimas exceções, os artistas que lidavam com artes manuais (esculturas e pinturas) não tinham grandes preocupações com autoria (ou, se tinham, eram contidos). Eram considerados prestadores de serviço, numa configuração determinada pela mentalidade medieval que declarava que toda capacidade de produção deveria ser em prol da representação religiosa. Não à toa, a assinatura do artista em suas obras é uma das marcas que assinalam o fim da Idade Média.

Não desejo entrar aqui nos méritos ou deméritos da mentalidade religiosa medieval e sua relação com a produção artística. Quero apenas enfatizar essa característica. Importante notarmos também que, no caso das artes de cunho intelectual, tal como música e poesia, a autoria foi mais levada em consideração. Os primeiros artistas plásticos do Renascimento, sendo frutos de um momento histórico de intensas revoluções culturais, são responsáveis por uma mudança de mentalidade da sua época: a luta pela valorização das artes manuais, de forma a mostrá-las como também oriundas de um intenso esforço intelectual. Por consequência, seus nomes passaram a ser importantes. Viu-se surgir a uma economia de reputações baseada na excelência de seus trabalhos.

Os ícones máximos do Renascimento, Leonardo da Vinci e Michelangelo, são exemplos claros disso. Da Vinci era conhecido como um artista excelente, mas que demorava demais para entregar suas encomendas, dado seu zelo com a qualidade do trabalho. A Monalisa mesmo, sua peça mais famosa, nunca foi entregue ao cliente, e estima-se que ele trabalhou nela por mais de 10 anos. Michelangelo era famoso por confrontar seus clientes, dizendo que eles não entendiam nada de arte e que deviam deixá-lo trabalhar em paz, pelo tempo que fosse necessário. E, claro, se deixassem de pagar, o trabalho era encerrado. Que sonho para criativos de hoje, não?

Por toda a Idade Média, com raríssimas exceções, os artistas que lidavam com artes manuais não tinham grandes preocupações com autoria

Os nomes dos artistas carregavam consigo reputações acerca da qualidade de sua obra, seu método de trabalho, seus preços, entre tantas outras informações. Com a difusão das galerias na Europa a partir do século XVIII, os nomes dos artistas passaram a ser ainda mais importantes. Quanto mais admirado fosse, maior seriam as visitas e as ofertas pelas suas obras expostas. Essa mesma lógica ganhou ainda mais força no mercado literário europeu do século XIX, quando vemos a proliferação do Romance (narrativa longa em prosa) como produto bastante consumido pela classe burguesa. É a época na qual os primeiros bestsellers passam a surgir.

Claro, há mais coisas a serem contadas nessa questão da formação histórica da importância do nome do artista. Poderíamos falar sobre as assinaturas dos pintores em suas telas, dos nomes dos escritores nas capas de livros, ou ainda da construção da idolatria aos diretores de filmes pelo fato de colocarem seus nomes nos créditos iniciais, dando assim a ideia de que ele é a figura mais importante na realização do filme.

Hitchcock é marcante nesse sentido, pois foi um dos primeiros diretores dos EUA a transformar seu nome em um selo de qualidade que vendia o filme com algum respaldo. Fato curioso: se olharmos, na mesma época, para a União Soviética, que desenvolvia sua indústria cinematográfica mais ou menos ao mesmo tempo em que o cinema de Hollywood está amadurecendo, o nome que tinha mais destaque nos créditos de abertura era o do roteirista, e não o do diretor. Podemos deduzir daí que a própria noção de autoria é determinada pelas condições sociais nas quais a obra artística é criada.

E isso me faz retomar a frase que citei do meu amigo há pouco. Até que ponto, hoje, estamos consumindo obras de arte e até que ponto estamos consumindo o artista? Há diferença? E, caso sim, qual é o mais importante?

Bale

Famosos “Podres”

Espero ter demonstrado, ao menos brevemente, o autor nunca foi algo muito importante pela esmagadora maior parte da história da humanidade. Passou a ser importante quando surgiu um mercado que consumia não apenas mais a obra, mas sim o nome atrelado a ela. No caso das artes plásticas, gosto de localizar esse momento no Renascimento – como na famosa Pietá, de Michelangelo, única obra sua que leva a assinatura do autor.

No caso das artes ditas “intelectuais” (música e poesia), podemos remontar aos gregos e romanos da antiguidade clássica – ainda assim, com uma série de restrições. A obra sempre foi mais importante do que o artista. Mas o tempo passa e, com ele, obviamente, as formas de nos relacionarmos ao ambiente em que estamos inseridos. Por isso, a pergunta torna-se pertinente.

Picasso era misógino. Caravaggio assassinou um homem. Rimbaud era contrabandista. Lorde Byron cometeu incesto, enquanto o escritor Flaubert pagava por sexo com garotos.

Há um excelente artigo do NY Times, assinado pelo crítico de arte Charles McGrath, chamado “Good Art, Bad People”. Recomendo a leitura do artigo e usarei parte dele para responder a pergunta que dá nome a este post. Vamos, então, à lista dos podres de artistas famosos.

Um ponto recorrente em vários artistas é o anti-semitismo. Neste caso, a lista é gigantesca. O compositor clássico Wagner, aquele que compôs a marcha nupcial, é um dos casos mais famosos nessa lista. Acompanham-no neste caso o pintor Degas, os poetas Ezra Pound e T.S. Eliot, além de Walt Disney e Mel Gibson.

Uma provocação: você acha que, ao tocar a marcha nupcial em seu casamento, você torna-se um anti-semita por tabela? E quando vê um filme da Disney ou um filme estrelado/dirigido por Mel Gibson?

Picasso era misógino. Caravaggio assassinou um homem. O poeta Rimbaud era contrabandista. Outro poeta, Lorde Byron, cometeu incesto, enquanto o escritor Flaubert, autor do clássico “Madame Bovary”, pagava por sexo com garotos (em tempos em que isso era um crime grave). Charles Dickens era um péssimo pai e marido, assim como Hemingway. John Lennon entraria nesse mesmo caso, especialmente quando pensamos no seu primeiro casamento, com Cynthia Powell, no qual teve seu primeiro filho, Julian.

Frank Miller, autor de quadrinhos que escreveu obras de inestimável valor, como “Batman Ano Um”, “Batman: Cavaleiro das Trevas”, “Elektra: Assassina”, entre tantas outras, é conhecido hoje por fazer comentários de alto teor racista a respeito de muçulmanos nos EUA.

Arthur C. Clarke, famoso escritor de ficção científica, autor de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, recebeu sérias acusações de praticar pedofilia no final dos anos 90. As acusações foram, aparentemente, infundadas. Contudo, na época, muitos ligaram o fato dele residir no Sri Lanka, país com sérios problemas na questão de preservação dos direitos humanos, aos seus possíveis hábitos sexuais.

Roger Waters, ex-líder do Pink Floyd, também foi chamado de anti-semita no ano passado, por ter feito críticas duras ao governo de Israel. Ele se defendeu, dizendo que não estava criticando o povo judeu, mas sim o Estado de Israel. Independente do que quis dizer, a repercussão de suas críticas não foram das mais favoráveis.

Aliás, se formos para a música, teremos uma lista incontável, com os mais variados delitos. Axl Rose (e outros membros do Guns N Roses) confessaram que vendiam drogas antes de se tornarem famosos. Richie Blackmore, fundador do Deep Purple, era (e possivelmente ainda é) um babaca. Morrissey, fundador do The Smiths, já soltou declarações racistas para meio mundo. E se entrarmos no assunto “infidelidade”, esse post não terá fim.

Enfim, a impressão que tenho é que os “podres” dos artistas parecem só ter importância quando eles são próximos de nós, a ponto dessas manchas em suas histórias terem sido esquecidas pelo tempo. A pergunta que poderíamos fazer é “devemos esquecê-las”? Não acho que seja o caso. Contudo, não consigo também deixar de acreditar que a obra do artista continua sendo mais importante que sua figura. Todos morremos – algumas obras sobrevivem.

Sendo assim, apesar de condenar muitas das atitudes que listei aqui, não sei até que ponto é possível “higienizarmos” toda nossa biblioteca de livros, músicas e acervo de gostos artísticos em geral. Imagine a situação: para cada banda nova legal que ouço na rádio, procuro no Google sobre o passado dos artistas, para ver se eles merecem ou não minha atenção. Isso me parece inviável e, até certa medida, paranóico. Talvez seja mais saudável lembrarmos do clichê “de perto, ninguém é santo”. Nem você.

Woody Allen

É possível separarmos a obra de arte do artista?

Sim, é possível e desejável. A obra de arte, especialmente aquela que sobrevive ao teste do tempo, é sempre mais potente do que o seu criador, seja no meio que for. Gosto de lembrar de Barthes neste momento e pensar que o que define a obra não é seu criador, mas sim o que fazemos com ela. Sei que essa resposta pode parecer covarde, como uma tentativa de isentar o autor de qualquer crime que tenha cometido no passado, mas realmente penso que é esse o caso.

Acho difícil que os Beatles, ao escreverem “Helter Skelter”, imaginavam que Charles Manson aconteceria. O mesmo vale para Salinger, e seu “Apanhador no Campo de Centeio”, no que se refere a Mark Chapman, o assassino de John Lennon. O verdadeiro perigo encontra-se no receptor da obra, e não nela em si – por mais perverso que tenha sido seu idealizador. Com isso, espero já ter destruído aquela noção simplista que você aprendeu em aulas de teoria da comunicação, na qual existe o emissor de uma mensagem e um receptor passivo, que só recebe a informação. O receptor é tão ativo quanto o transmissor. Às vezes, mais.

Outra questão é importante de ser levantada: a capacidade do artista em transformar-se em um Outro. Essa é uma noção que encontramos em vários momentos na obra do teórico russo Mikhail Bakhtin, especialmente quando analisa a obra de Dostoiévski.

A função da Arte não é te tornar uma pessoa melhor. Você pode até tentar fazê-la adequar-se aos seus desejos mais egoístas, mas isso é uma decisão exclusivamente sua.

Sobre isso, lembro da vez que conversei com o escritor Daniel Galera, no AntiCast 42, e perguntei como havia sido a experiência de escrever o livro “Cordilheira”, no qual o personagem principal, que é também o narrador da obra, era uma mulher.

Naquele momento, Galera teve de se demonstrar capaz de transformar-se num Outro – no caso, um do gênero feminino. O contrário também é comum: autoras que escrevem protagonistas homens – e nem precisamos falar de situações mais malucas, como humanos que escrevem sobre elfos, monstros, anjos, demônios etc. Se o artista estivesse confinado em si mesmo, todas as histórias seriam autobiográficas. Graças à capacidade criativa dos autores, podemos garantir que este não é o caso.

Obviamente, não quero isentar ninguém aqui de culpa. No caso de Woody Allen, sou da opinião de que, se cometeu abuso a uma criança, ele deve ser responsabilizado por isso. O mesmo vale para Polanski e qualquer outro que cometa um crime – especialmente com a gravidade dos casos de cada um. Contudo, suas produções artísticas parecem ser maior do que isso, como se elas não tivessem culpa de terem surgido de pais tão ruins.

O que quero dizer, da forma mais direta possível, é o seguinte: se você é fã do trabalho de Woody Allen, isso não te torna um cúmplice de seu suposto crime. Seria preocupante se você concordasse com sua conduta pessoal. Mas o trabalho do artista, por mais que seja, de alguma forma, um reflexo de sua vivência (em maior ou menor grau), é um trabalho de criação que busca extrapolar os limites da sua própria realidade. Importante citar também que, ao menos legalmente, Woody Allen já foi inocentado pela corte estadunidense na década de 1990, como já citamos no início do texto.

Se você é fã do trabalho de Woody Allen, isso não te torna um cúmplice de seu suposto crime

Para tornarmos essas considerações um pouco mais complexas, é interessante percebermos que é possível o autor “ser um santo” (ou pelo menos parecer um) e criar ótimos vilões ou anti-heróis: o romance “Lolita”, de Nabokov, que narra a história de um pedófilo, é um desses casos. O recente filme “O Lobo de Wall Street”, de Martin Scorsese, é outro. Toda a filmografia de Gaspar Noé, diretor do pesadíssimo “Irreversível”, é mais um. A lista de ótimas obras com temas horríveis é também infinita. Você pode não concordar com a atitude ou conduta dos personagens, mas isso não tira o mérito de serem boas histórias/obras, nem necessariamente exigem que se credite uma “mente doentia” ou um passado criminoso ao autor.

Caso você ainda acredite que a biografia do artista é fundamental para seu trabalho, e que um criador que tenha sua “ficha suja” deve ser ignorado pelo seu estimado “bom gosto”, eu lanço aqui uma última provocação: a função da Arte não é te tornar uma pessoa melhor. Você pode até tentar fazê-la adequar-se aos seus desejos mais egoístas, mas isso é uma decisão exclusivamente sua. E se você acredita que essa deve ser a função dela, você não a entende. Ao procurar apenas por autores higiênicos, você diz mais sobre si mesmo e sua visão de como o mundo deveria ser do que sobre as obras que recusa.

Portanto, sujemo-nos.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Coca-Cola e o Racismo: o caso do Super Bowl

O Super Bowl acabou e, como é todo ano, uma série de propagandas de alto calibre criativo invadiu a televisão e o YouTube. Contudo, um fato que passou desapercebido por muitos brasileiros foi a repercussão da propaganda da Coca-Cola, intitulada “It’s Beautiful”, criação da Wieden & Kennedy.

O nome da peça é uma referência à trilha sonora do comercial, “America The Beautiful”, uma das mais tradicionais e patrióticas músicas da cultura estadunidense. Se você ainda não viu o post sobre o vídeo aqui no B9, podem conferir o vídeo abaixo.

Contudo, o que tomou muitos americanos por surpresa foi o fator diferencial principal da propaganda: após os primeiros versos, cantados no original em inglês, os versos seguintes são cantados em outras línguas, como espanhol, árabe, hindu, francês, mandarim, hebraico e tagalo. Eu gostaria de ser bairrista e perguntar “onde diabos está o português?”, mas tudo bem, dessa vez passa.

A Coca-Cola partiu da ideia dos EUA como um país diversificado, heterogêneo, formado por imigrantes e para imigrantes

A recepção da propaganda não poderia ser mais bizarra: enquanto alguns amaram, houve também uma enxurrada de tweets malucos de americanos indignados pela proposta da campanha. O Tumblr Public Shaming, já conhecido por compilar “vergonhas alheias” internéticas, reuniu algumas das pérolas. Recomendo fortemente que você perca seu tempo lendo, para dar umas boas risadas.

Tem de tudo: desde americanos dizendo que nunca mais tomarão o refrigerante até indivíduos super militantes, dizendo que “na América se fala inglês” – com uma grafia digna de uma criança em fase de alfabetização! A lista de tweets de pessoas que claramente não sabem a diferença entre “You’re” (“você é” ou “você está”) e “Your” (“seu”) é risível, especialmente quando são pessoas que exigem que tal música seja cantada em inglês.

Lembro que meu pai fazia uma piada, quando eu era criança. Ele dizia que nos EUA as crianças eram mais inteligentes, pois elas já falavam inglês desde novinhas. Bobeiras à parte, quando você reclama que brasileiro não sabe escrever em português (basta ver sua timeline no Facebook), saiba que isso não é só problema de ~terceiro mundo~. Mas isso é outro assunto.

America

A Coca e sua proposta Glocal

???O conceito da peça parece ir ao encontro da já conhecida proposta “Glocal” (Global +Local) da Coca-Cola: sendo uma marca poderosa no mundo todo, busca, através de algumas estratégias específicas, uma identificação com o público da região. Como exemplo disso, temos a famosa lata azul do refrigerante, que circula durante o Festival de Parintins, no Amazonas, evento este no qual a Coca-Cola patrocina, podendo assim ser mais aceita pelo público que torce para o Boi Caprichoso, de cor azul, rival do Boi Garantido, de cor vermelha.

Harmonia só ocorre entre elementos diferentes. Um instrumento que toca apenas uma nota não produz música

Outro exemplo marcante vem da China, na adaptação do nome da marca naquele país. De forma a tentar manter a sonoridade do nome, e tendo em vista a dificuldade que a língua chinesa traria na pronúncia do “Coca-Cola”, foi realizado um interessante trabalho de naming para encontrar-se um equivalente fonético do nome original. O resultado é que para se pedir uma Coca- Cola em chinês você deve falar que quer uma “ko-kou-ko-le”, que significa algo próximo a “felicidade na boca”. (Ouça a pronúncia aqui, é divertido.)

E como a nova propaganda é Glocal?

Já não é novidade as estratégias que a Coca-Cola elabora em suas campanhas para associar sua marca a valores específicos de alta aceitação: família, felicidade, harmonia, amor. Mas como fazê-lo no seu país de origem durante um dos eventos que mais patrióticos do ano e, se possível, causa impacto?

A solução, ao meu ver, foi muito interessante. Ao invés de partir da ideia dos EUA como um país unificado e homogêneo, com bandeira estrelada tremulando ao fundo e modelos maravilhosos de queixo quadrado e figuras esguias (uma clara distorção do padrão físico norte- americano – basta viajar para lá e ver com os próprios olhos como são as tais “pessoas comuns”), partiu-se da ideia dos EUA como um país diversificado, heterogêneo, formado por imigrantes e para imigrantes.

Quem conhece a história das propagandas da Coca sabe que essa proposta não é exatamente uma novidade, mesmo nos EUA. Em 1971, a dupla Harvey Gabor e Bill Baker, duas lendas da publicidade estadunidense, criaram a peça “Hilltop” (“Topo da Colina”), na qual pessoas de várias etnias seguravam suas Coca-Colas na mão, cantarolando versos como “Eu gostaria de ensinar o mundo a cantar em perfeita harmonia; Eu gostaria de comprar uma Coca para o mundo e fazê-lo companhia – that’s the real thing”.

?(Nota: recomendo que confiram o Project Re:Brief, idealizado pelo Google, no qual a dupla Gabor e Baker se reuniu novamente em 2012 para refazer a campanha, utilizando o mesmo conceito, mas com as possibilidades que tecnologias atuais, especialmente a internet, oferecem)

Coca-Cola

O interessante desta propaganda da Coca-Cola então está na sua ousadia de ir contra a maré de clichês patriotas. Ao invés de símbolos visuais já estabelecidos e facilmente identificáveis como nos exemplos anteriores, a propaganda da Coca-Cola apostou nos valores de união pela diferença, apostando que a diversidade pode, sim, ser sinônimo de felicidade e harmonia. Faz sentido: harmonia só ocorre entre elementos diferentes. Um instrumento que toca apenas uma nota não produz música. Ou até produz, mas ela será chatíssima.

É então Glocal sim, no seu próprio país de origem, apostando na ideia já esquecida por muitos americanos que eles são um país que devem muito à imigração. As reações pelas redes sociais são claras desse esquecimento. Contudo, se você ainda não se convenceu que, mesmo sendo fórmula antiga, a Coca foi contra o clichê, vejamos algumas comparações com outros comerciais que saíram na mesma noite.

PatriotismoS

É uma proposta ousada, especialmente quando comparada com as estratégias de outras propagandas que utilizaram o tema do patriotismo em seus conceitos. Pelo ranking divulgado pelo AdMeter, já comentado em outro post aqui no B9, vemos que as três primeiras propagandas de mais alto escore usaram temas patrióticos – alguns mais sutis, outros nem tanto.

Peguemos a propaganda com mais alto índice de sucesso (8.29, de 0-10), a peça “Puppy Love”, da Budweiser. Nela, temos música country, fazendeiro (texano?), e a incansável história da amizade verdadeira – dessa vez, entre um cachorro, um (uns) cavalo(s) e seu dono. Este, aliás, é obviamente branco, queixo quadrado, tem todos os dentes, e uma esposa magra, branca, e loira. Loiríssima. O dia que eu ver um casal de fazendeiros estadunidenses desse jeito, eu “tiro meu chapéu”. (mas ok, eu gostei da propaganda, não tenho coração de pedra)

America

A segunda propaganda no ranking é a “Cowboy Kid”, da Doritos. Nele, temos outros elementos tipicamente americanos: casa de subúrbio, mãe voltando das compras, a SUV, e os filhos brincando de cowboy. E, afinal, o que é mais americano que uma criança branca, loira, brincando de cowboy, enlaçando seu irmão, também loiro, todos felizes correndo pelo gramado verde sem grades no subúrbio? Estereótipo atrás de estereótipo. (ok, eu também achei divertidinha, mas pô, né?!)
??
?A terceira propaganda no ranking é, neste cenário, a mais emblemática: outra da Budweiser, chamada “A Hero’s Welcome” (“A recepção do Herói”), utilizando o velho recurso do soldado que volta da guerra para seu lar. Não, ele não estava em uma guerra (guerra?) sem sentido. Não, ele não estava sofrendo as consequências de uma administração desastrosa como foi a do governo Bush. Ele é um herói.

É, na minha opinião, a propaganda mais fraca. Pura apelação emocional a um assunto que ainda é difícil de se lidar para muitos americanos. O vídeo é pura emoção barata: a esposa (branca, loira, magra todos os dentes branquíssimos etc.) que o recebe, a SUV, a cidade pequena acolhedora, os cartazes nas cores da bandeira, o desfile etc. Ao final do vídeo, lemos os dizeres “Todo soldado merece uma recepção de herói”. Em seguida, vem a sugestão de hastag “Salute a Hero”.

Claro, a Budweiser é famosa em suas propagandas no passado por apelar para esse patriotismo militar. Você lembram dessa, de 2006, na qual os soldados retornantes eram aplaudidos no aeroporto?

(cabe a menção de dois comentários que li nesse vídeo. Um usuário disse: “isso é errado em tantos níveis que acho que ficarei doente”. Prontamente, outro usuário responde: “vá ficar doente em outro país então”.)

Honestamente, eu não sei dizer o que é mais bizarro nesse tipo de campanha: seria o fato de muitos americanos ainda apoiarem as manobras militares americanas, mesmo após o desastre que foi a administração Bush (afinal, se não houvesse aceitação, a Budweiser já teria mudado sua estratégia)? Ou seria a tentativa de relacionar o arquétipo do “Herói”, personificado na figura do soldado, ao cidadão comum que só quer ficar em casa e tomar cerveja vendo TV? Ou seria a curiosidade (pelo jeito desconhecida por muitos americanos) de que Budweiser é agora uma marca brasileira, já que a Ambev a comprou em 2008?

Cabe a menção de que, de acordo com o AdMeter, a propaganda “It’s Beautiful” da Coca- Cola ficou em 17º lugar, com um escore de 6.06. Já em outro ranking, o do BrandMagz, também já comentado aqui no B9, algumas posições mudam. O vídeo da Coca passa a 3ª posição, ficando atrás apenas do “Puppy Love” (Budweiser, que leva neste caso os dois troféus) e do trailer dos “Transformers: Age of Extinction” (que, né?).

America

Por que essas diferenças?

Primeiro, temos que lembrar dos métodos adotados para cada análise. O AdMeter, mantido pelo jornal USA Today, define seus escores baseados em notas dadas por milhares de pessoas participantes de focus groups, durante a transmissão do Super Bowl. Assim que assistem a um comercial, eles dão suas notas, que podem ir de 0 a 10. Podemos então assumir que é uma forma de análise de recepção de qualidade da propaganda no cenário offline.

Já a BrandMagz busca acompanhar a quantidade de compartilhamento que cada propaganda recebe em redes sociais. Logo, seu foco é o online, o que informa uma taxa de amostragem muito maior: enquanto o AM lida com alguns milhares, as estatísticas da BM trabalham com centenas de milhares. Comparando os dois rankings, temos um quadro curioso: por um lado, a propaganda “It’s Beautiful” da Coca-Cola teve uma qualidade mediana. Por outro lado, foi muito compartilhada e, provavelmente, bastante discutida.

A língua é um dos primeiros capitais simbólicos que adquirimos. Com ela, demarcamos nosso lugar e nosso país

Chama também a atenção o caso do trailer dos “Transformers: Age of Extinction”. Enquanto ele ficou rankeado em 2º lugar na BM, sendo computados mais de 180 mil compartilhamentos, no AM ele tirou a ínfima nota de 4.61. Talvez, isso pode ser um indicativo de que, no fim das contas, por mais precisas que as estatísticas tentam ser, os dois núcleos de pesquisa estão trabalhando com públicos diferentes.

Nessas horas, é bom lembrarmos o velho ditado popular: qualidade não é exatamente quantidade. Sendo assim, milhões de pessoas podem ter compartilhado o vídeo da Coca simplesmente para xingarem muito no Twitter. Ou Facebook. Ou Google Plus. Enfim, vocês entenderam a ideia. E, claro, o mesmo vale para o filme dos Transformers. Afinal, quem realmente acha que foi uma boa ideia botar o Mark Wahlberg no meio de robôs gigantes?

Mas já que estamos surfando na onda dos clichês, vamos também lembrar que tem gente que acredita que “não existe má propaganda”. Neste caso, talvez “qualidade” e “quantidade” se misturem. Causou-se um buzz, ao menos em terras norte-americanas, e isso é indiscutível. Mas o que ele nos diz?

Publicidade como política

Voltando ao caso da Coca-Cola. É inegável que os comentários selecionados pelo tumblr Public Shaming assustam – assim como alguns comentários no YouTube. Se vocês duvidam, vejam esse comentário que acabou de aparecer no vídeo, enquanto escrevo esse texto (o comentário foi postado há 14 minutos). Na tradução, tentei manter as maiúsculas originais do texto do autor, assim como sua pontuação “de primeiro mundo” (só corrigi alguns erros de escrita, porque paciência tem limites):

“PARA TODOS OS LIBERAIS AMANTES DE Obama POR AÍ… Obama É NOSSO INIMIGO, ELE FOI CRIADO COMO UM COMUNISTA/MUÇULMANO… ELE FOI ENSINADO DESDE A INFÂNCIA A ODIAR A AMÉRICA E TUDO O QUE ELA REPRESENTA, AMBOS SEUS PAIS FORAM COMUNISTAS DEVOTOS. SEU OBJETIVO É DESTRUIR ESTE PAÍS E ATÉ O MOMENTO ELE ESTÁ CONSEGUINDO. ANTES DE SER ELEITO SEUS MELHORES AMIGOS ERAM TERRORISTAS CONHECIDOS E RACISTAS COMO BILL AYERS (TERRORISTA) AL SHARPTON (RACISTA, MENTIROSO, INTOLERANTE, PREGADOR MUÇULMANO CONTRA A AMÉRICA). OBAMA DECLAROU, ELE VAI FICAR AO LADO DOS MUÇULMANOS ATÉ O AMARGO FIM. ELE ESTÁ DO LADO DO NOSSO INIMIGO, UM TRAIDOR, ELE É UM MEMBRO DE UMA IRMANDADE MUÇULMANA UMA ORGANIZAÇÃO TERRORISTA QUE ELE APOIA TANTO FINANCEIRAMENTE (COM DINHEIRO DOS CONTRIBUINTES) E COM ARMAS (F-16s, CAMINHÕES, ARMAS, DINHEIRO) TUDO PARA SER USADO PARA MATAR AMERICANOS. O MAIOR INIMIGO QUE NÓS ENFRENTAMOS ESTÁ NA CASA BRANCA… ELE DEVE SER PARADO, ELE É O INIMIGO. ACORDE AMÉRICA, PARE DE PROTEGER ESTE TIRANO”

Sim, eu sei, eu fiz a besteira de “ler os comentários”, um dos maiores pecados da internet. Ainda assim, isso diz algo. Este comentário selecionado não é o único: há vários usuários comentando ora seu apoio à mensagem da propaganda, ora seu desprezo. Se fosse para chutar, eu diria que a maior “ofensa” para esses estadunidenses que se enfezaram com a propaganda foi o trecho cantado em árabe. Talvez, se essa parte fosse tirada e cantada, sei lá, em português, não haveria tanto ódio. Não digo que não haveria, mas seria menos.

?Devemos entender aqui que, para o americano que foi lá e xingou muito no twitter, o fato de terem cantado uma das músicas mais patriotas do seu país em outras línguas, houve realmente um sentimento legítimo de agressão simbólica. Sendo uma delas o árabe, o impacto foi mais agressivo. Em outros tempos, teria sido cantar em alemão. Em outros, em russo. E por aí vai.

Quem sabe uma consciência política não seja a solução plausível para a onda infindável de clichês que nos invadem todos os dias?

A língua é um dos primeiros capitais simbólicos que adquirimos. Com ela, demarcamos nosso lugar e nosso país. Os sotaques, trejeitos, gírias e semânticas demarcam nossos locais de origem – que podemos ter orgulho ou não. Contudo, o centro da discussão está numa certa miopia social do próprio americano sobre seu país. Ideias confusas sobre o que é (ou deve ser) um estado democrático e quem tem maior capital simbólico que o outro.

Vale aqui uma adaptação da máxima de George Orwell, em “A Revolução dos Bichos”: todos são iguais, mas uns são mais iguais do que outros. Com a reprodução dos estereótipos que os meios de comunicação de massa americanos insistem em realizar (como no caso das propagandas da Budweiser) e transmitir para o resto do mundo, especialmente para eles mesmos, não é difícil de concluir que a mensagem passada é: “o mínimo para ser americano é falar inglês”. Ser branco heterossexual ajuda. Num país formado historicamente por imigrantes, e que deve muito a eles, uns são realmente mais iguais do que os outros.

É essa a mensagem que, ingenuamente ou não, foi passada nas principais propagandas do Super Bowl. Qualquer coisa que fuja desta norma recebe resistências – e não são brandas, como pudemos verificar. Aí está o ponto de diferenciação e ousadia da campanha da Coca-Cola. Algo tão naturalizado, quanto a necessidade de se falar o inglês para ser americano, foi questionado. Para enfatizar o questionamento, a música cantada era um dos maiores símbolos de patriotismo. Neste ponto, a campanha é conceitualmente brilhante.

America

Às vezes, gostamos de nos enganar achando que estamos num mundo globalizado e que o preconceito está diminuindo. Ações publicitárias assim servem de termômetro para vermos que a coisa não está exatamente como gostaríamos que estivessem. É como uma publicidade com atuação social reversa: ao invés de acreditar cegamente no poder transformador que uma mensagem no meio de massa pode ter, talvez seja mais interessante analisarmos as suas formas de recepção e repercussão – como um espelho bem grande que podemos jogar sobre nós mesmos de tempos em tempos.

Gostamos de nos enganar achando que estamos num mundo globalizado e que o preconceito está diminuindo

Cabe a nós, criativos, produtores de conteúdo, ou “meros consumidores” sabermos olhar para esse tipo de repercussão como uma forma de atuação política, e sabermos nos posicionarmos contra ou a favor. Podemos apostar no clichê patriota (e as inúmeras campanhas pró-Brasil em tempos de Copa chegando são exemplos disso), mas podemos às vezes incitar o debate.
?
Não quero também dizer com isso a Coca-Cola é boazinha. Para mim, continua sendo um refrigerante que já me deu duas pedras no rim e que, ainda assim, não consigo parar de tomar. Contudo, espero, sinceramente, que mais campanhas com esse potencial social surjam no futuro, para que possamos cada vez mais ter consciência do potencial político da publicidade – mesmo em peças aparentemente “banais”, como de um salgadinho, de um refrigerante ou de uma cerveja (aliás, notaram se mudaram as propagandas de cerveja no Brasil, de 10 anos para cá?).

Quem sabe uma consciência política não seja a solução plausível para a onda infindável de clichês que nos invadem todos os dias? Ideologias acerca do papel social da mulher, do homem, dos negros, dos estrangeiros, dos gays, dos heteros, tudo isso permeia os produtos dos meios de comunicação de massa. Restam aos clientes e comunicadores decidirem o que fazer com isso. E, principalmente, como fazer.

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Pelo direito de dizer o que se pensa

Há algumas semanas, o site Popular Science publicou um texto explicando a razão de não aceitar mais comentários nos novos textos, daquele dia em diante. “Comentários podem ser ruins para a ciência. É por isso que, aqui no PopularScience.com, nós estamos encerrando-os”, dizia o primeiro parágrafo. A decisão foi atribuída ao excesso de trolls e spambots, que inundavam um espaço dedicado à reflexão e ao debate de ideias. E, apesar de respeitar os argumentos dos editores, discordo da decisão tomada por eles.

No caso da PopSci, entre as justificativas foi citado um estudo realizado na Universidade de Wisconsin-Madison por Dominique Brossard e Dietram A. Scheufele, que apontava que os comentários grosseiros ou mais duros poderiam distorcer de maneira significativa a percepção dos leitores sobre o texto principal, causando impacto em seu entendimento sobre a ciência.

Mas daí fica a pergunta: por que não no site? E mais: se comentários são tão ruins assim para a ciência, por que outros sites não fazem o mesmo?

De acordo com os editores, a partir do momento em que se considera que os comentários formatam a opinião pública, que por sua vez formata as políticas públicas, que consequentemente determinam como, se e quais pesquisas serão financiadas, então a responsabilidade fica muito maior. O texto termina com um pedido para que os leitores continuem interagindo com a publicação, mas por outros meios, como redes sociais e e-mails. Mas daí fica a pergunta: por que não no site? E mais: se comentários são tão ruins assim para a ciência, por que outros sites não fazem o mesmo?

Talvez porque os comentários sejam menos ruins para a ciência e muito mais para a autoestima da equipe do PopSci, que certamente deve estar cansada das trollagens constantes, citadas em sua justificativa. Por um momento eu penso: quem pode culpá-los?

Não é fácil se manter na mira constante de pessoas que muitas vezes não se dão ao trabalho de realmente ler o que você escreveu, que tiram conclusões apressadas a partir de um título e no máximo uma linha fina, que fazem questão de distorcer o que você escreveu de acordo com o que eles conseguiram interpretar – e que geralmente não tem nada a ver com a intenção inicial do autor -, ou ainda que não entendem que o autor de um texto tem direito à opinião – especialmente quando a assinatura dele está ali -, ainda que ela não seja compartilhada pelos leitores ou pela publicação em si. É neste momento que eu me lembro de uma máxima aplicável a inúmeras situações, inclusive à exposição pública de ideias:

“Se não sabe brincar, não desce para o play”.

Os trolls vencem

No caso específico da PopSci, a equipe do site resolveu descer para o play e simplesmente colocar um cadeado no portão, para poder brincar sozinha. Em resumo, os trolls levaram a melhor: se eles não podem comentar, ninguém mais pode. Acabou o debate, acabou a troca de ideias, acabou a liberdade de dizer o que se pensa, independentemente se você está concordando ou discordando do outro. Pelo menos no domínio deles.

O curioso, entretanto, é que não é o conteúdo dos comentários que importa, segundo eles, mas sim o tom adotado.

A dupla de pesquisadores Dominique Brossard e Dietram A. Scheufele, responsável pela pesquisa que ajudou a fundamentar a decisão do Popular Science, também escreveu um artigo para o The New York Times. No texto, eles explicam que “em se tratando de ler e entender novas histórias online, o meio pode ter um efeito surpreendentemente potente na mensagem”. O curioso, entretanto, é que não é o conteúdo dos comentários que importa, segundo eles, mas sim o tom adotado.

“Nosso cenário emergente de mídia online criou um novo fórum público, sem as normas sociais tradicionais e a auto-regulação que tipicamente governam a maneira como nos relacionamos pessoalmente – e esse meio, cada vez mais, formata tanto o que sabemos quanto o que nos pensamos que sabemos”, diz o artigo.

Basicamente, as pessoas tendem a perder o filtro quando estão em frente ao computador (tablet ou smartphone, que seja). Se no mundo real as pessoas costumam ter um pouco mais de cuidado com o que dizem, e não saem por aí ofendendo os outros sem motivo aparente, no mundo virtual qualquer um pode se tornar um especialista e dono da verdade, ainda mais quando se tem aquela sensação automática de que se é ouvido.

Enquanto há quem adote a saída mais fácil e opte por simplesmente proibir comentários, há outras alternativas para lidar com trollagens e afins, como mostra a artista Vi Hart no vídeo Vi Hart’s Guide to Comments.

De uma forma bastante divertida, Vi quebra alguns dos comentários mais comuns que vemos por aí ao mostrar o que está por trás deles, lembrando que é muito fácil encontrar coragem para ofender o outro quando a interação é meramente virtual. E ainda destaca alguns tipinhos típicos, como aqueles que adoram falar mal de um autor ou do seu trabalho, porque não só acreditam que são melhores que ele, mas porque estão desesperados por atenção.

Então, em vez de simplesmente proibir comentários, é possível fazer uma escolha simples, como sugere um popular perfil do Twitter: não leia.

The Disapproval Matrix

A questão seguinte, então, é que nem todos os comentários negativos são feitos por trolls e haters. Às vezes são pessoas que apenas discordam da sua opinião e preferem fundamentar seus argumentos com informações, e não com insultos. Isso significa que, se você resolver ler os comentários, como poderá diferenciá-los uns dos outros?

A jornalista Ann Friedman tentou responder à pergunta com a criação do
The Disapproval Matrix
, uma espécie de plano cartesiano que propõe ajudar a separar os haters dos feedbacks produtivos. Os quadrantes são divididos entre aqueles a quem você deve ouvir e aqueles que você deve ignorar. Ao primeiro grupo pertencem os críticos – pessoas que têm real conhecimento do assunto, mas não estão gostando da forma como você o trata. Suas sugestões podem ser úteis para ajustar o seu trabalho -, e os lovers – pessoas que acreditam em você, mas que também estão dando feedbacks negativos, mas racionais, porque eles querem que você aperfeiçoe seu trabalho.

No segundo grupo, aquele que deve ser ignorado, estão os frenemies – aquelas pessoas que conhecem você e o seu trabalho, mas quando fazem uma crítica, no fundo ela é direcionada a você como pessoa, e não ao seu trabalho. Em resumo, são aquelas pessoas que estão mais interessadas em detonar você do que manter um diálogo produtivo -, e os haters – aqueles que não precisam de argumentos racionais para detonar você e o seu trabalho, e costumam fazer isso sem mesmo saber do que estão falando. O conselho de Ann?

“Ignore! Interagir com eles não vai tornar você melhor no que você faz. E fique tranquilo, pois ter haters é a prova de que seu trabalho está encontrando uma grande audiência e incentivando conversas”.

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Uma banana para o leitor

Em abril de 2011, o site Ars Technica realizou um excelente experimento com seus leitores, confirmando o que todo autor/editor suspeita em algum momento: a maioria realmente não se dá ao trabalho de ler a íntegra de um texto antes de postar um comentário. A comprovação foi feita com a publicação do artigo Guns at home more likely to be used stupidly than in self-defense (Armas em casa são mais suscetíveis de serem utilizadas estupidamente do que em autodefesa), discutindo se faz sentindo ter armas em casa, do ponto de vista da saúde pública.

Lá pelo final do sexto parágrafo, John Timmer, o autor do texto, escreve o seguinte:

“Se você leu até aqui, por favor, mencione Bananas em seu comentário abaixo. Nós temos certeza de que 90% das pessoas que responderão a esta história nem a leram primeiro”.

Primeira página, 40 comentários, e nada de bananas. Segunda página, mais 40 comentários e nenhum sinal das bananas, que só começaram a ser citadas lá pela metade da terceira página, 93 comentários depois. O mais divertido é que, mesmo após a primeira banana ser revelada, seguiram-se incontáveis outros comentários com opiniões pré-fabricadas, de quem nem se deu ao trabalho de ler o texto.

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(Imagem via)

Dois pesos e duas medidas

O mais interessante é que, apesar de todos os problemas causados por trolls e haters, alguns sites preferem manter os comentários abertos por acreditarem no direito que todos têm de expressar suas opiniões, por mais absurdas que elas sejam. A ironia está no fato de muitos leitores, então, decidirem usar este espaço para tentar calar o autor do texto, ora porque não concordam com o que foi dito, ora porque acham que o autor não tem capacidade para falar sobre determinado assunto e trouxe uma visão muito rasa, ou apenas porque não vão com a cara dele e ponto final.

Já perdi as contas de quantas vezes alguém já adotou um tom decepcionado ao usar uma frase do tipo “não esperava isso do site x” ou da revista y ou jornal z, simplesmente porque não gostou do que leu.

Quando você ouvir o Braincast 89 – Rei do Camarote: Verdade ou Mito, que foi ao ar hoje, fique atento ao trecho em que Wagner Martins – o Mr. Manson – falou sobre como estamos, cada vez mais, discutindo coisas que chegam a nós pela visão de outras pessoas, via redes sociais. “Estamos formando nossa opinião pela visão de outras pessoas, sem clicar no link e ler”, disse ele, definindo isso como uma espécie de deformação na maneira como nos informamos.

A impressão que se tem é que qualquer um pode ter e emitir uma opinião, desde que ela esteja de acordo com o que o outro espera

Mr. Manson lembra, ainda, como o algoritmo do Facebook determina as informações que chegam até nós, de acordo com nossas interações. Em outras palavras, se eu interajo mais com alguém que compartilha das minhas opiniões, atualizações de quem tem opiniões contrárias aparecerão com menor frequência em meu feed.

O resultado disso, conclui Mr. Manson, é uma formação cada vez mais distorcida, tanto da nossa opinião quanto do nosso caráter. A impressão que se tem é que qualquer um pode ter e emitir uma opinião, desde que ela esteja de acordo com o que o outro espera que você diga ou escreva.

De verdade, eu espero que os veículos que eu acompanho continuem trazendo opiniões diferentes da minha, especialmente daqueles autores de quem eu discordo completamente.  Considero isso um ótimo estímulo para buscar informações que fundamentem o meu posicionamento sobre este ou aquele assunto. Ou, como disse Voltaire,

“Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo.”

… Ainda que, para isso, seja preciso ignorar o que trolls e haters têm a dizer. Porque, a partir do momento em que uma pessoa é calada em função da sua forma de pensar, não vai demorar muito para que todos nós sejamos silenciados.

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Afogados em números: CRM e Social Media

Todo mundo já falou de usar inteligência de Marketing Direto aplicada a Social Media. Até eu falei um pouco sobre isso no Social Media Week em São Paulo desse ano. É óbvio. Faz todo sentido. Mas dá muito trabalho. Mesmo dando resultado no médio prazo, muitas empresas optam por não fazer nada a respeito. E sim, pode ser chamado de Social CRM. Essa é uma maneira de ver isso mas acho que o termo tenha hype demais e poucas marcas realmente fazendo isso. E o lance é que muitas delas não fazem isso nem quando estão fazendo relacionamento com blogueiros/formadores de opinião.

Um banco de dados com todos os contatos com eles? Duvido. Muitas vezes esse racional fica muito entre os diretores das empresas mas o pessoal que poderia fazer isso acontecer não consegue enxergar tão estrategicamente. E quando fazem, continuam pensando em algo como “flights de relacionamento” por mais bizarro que isso possa ser. Relacionamento é algo constante e não pontual. Fazendo uma analogia tosca, você tem um relacionamento com alguém que só fala duas vezes por ano? E não, fuck-buddies não contam. Estranho, né?

Então vamos lá. Hoje boa parte das empresas têm duas bases de dados: Uma transacional (compras feitas, serviços contratados, etc) e outra de Social Media (Fãs e Followers nas redes sociais) e as vezes esses mesmos fãs e seguidores seguem uma marca apenas pelo aspecto aspiracional e não por serem consumidores dela. Até agora eu não falei nada de novo. Mas como as marcas estão consolidando essas duas bases de dados? Até hoje eu só vi uma ou duas empresas/agências com uma estratégia sólida para aproveitar esses dados disponíveis nas redes sociais.

Gerenciar os dados daquela pessoa que realmente compra o seu produto ou utiliza o seu serviço é básico. Saber que a pessoa comprou um produto 3 vezes nos últimos 6 meses é legal, associar isso a informações de produtos que outras pessoas compraram quando compraram esse mesmo produto também pode ser legal e vemos a Amazon fazer isso direto. Mas e os dados que circulam pelas redes sociais? Qual a política da sua marca nas redes sociais? É seguir todo mundo que te segue? Legal mas o que a sua marca faz com essas informações todas? Quando alguém fala com a sua marca na sua Fanpage, o que você faz? Responde, tira a dúvida da pessoa e pronto? Você não acha que esses dados também são importantes?

Pois é mas em boa parte dos casos, o tal do SAC 2.0 é totalmente subutilizado. Ao invés de aproveitar esses contatos para unir os bancos de dados, os dados de respostas nos canais sociais é esquecido e um monte de informação é perdido, assim como a oportunidade de surpreender as pessoas que seguem/consomem a sua marca. Nesse cenário, o SAC 2.0 é onde o matchcode vai para morrer.

Matchcode? É isso mesmo. É aquela chave que vai cruzar os dados das duas bases de dados que você tem. O Facebook, por exemplo, usa como identificador principalmente dois dados: Email e Telefone Celular. Se você fizer uma ação que gere cadastros em uma base de dados fora do Facebook e cruze essa base com a base transacional, ou a que você usa para o seu CRM, o cenário muda completamente de figura. Porque você consegue saber que aquela pessoa que é fã da sua marca no Facebook também já comprou os produtos X e Y com a frequência Z e que é seu cliente desde 1999. E em B2B, será que dá para chegar no Gerente de Compras pelos seus perfis em redes sociais? Será que funciona? Será que vale a pena ou tem um tom certo de fazer isso? Esse é o meu dia a dia na agência mas não é a rotina de muitas outras.

Pense o PontoFrio.com que é uma operação que parece ter isso mais organizado (baseado na minha experiência de consumidor com eles), se cada contato de dúvida de entrega com o Pinguim via Twitter, eles acrescentarem esse dado no CRM deles e monitorarem o que essa pessoa falou da marca/produto que comprou ou do proprio PontoFrio.com nos dias após qualquer compra, eles já vão ter dados interessantes. Se olharem a Bio dessa pessoa também pode pegar informações interessantes que podem dar detalhes de comportamento.

Isso é ter uma plataforma conectada. Todas as informações em diversos pontos de contato sendo monitoradas e alimentando uma única base de dados que contém dados transacionais e de redes sociais. É saber que a pessoa X tem um carro (ou um celular, computador ou plano de celular terminando período de fidelidade) e que tem postado reclamações sobre o produto/serviço no Twitter e sabemos que essa pessoa já entrou no site da marca e viu algumas opções de novos modelos e pacotes, ter esse nível de conhecimento muda o jogo de uma maneira inacreditável. Me diga quantas marcas estão fazendo isso hoje? Eu conheço poucas fazendo e algumas querendo fazer.

Um dia vi uma palestra online do Gary Vaynerchuk, autor do livro “The Thank You Economy”, em que ele conta (e esse é um trecho de um post meu aqui no B9 publicado 2 anos atrás) o caso de um cliente dele que comprou 20 mil dólares em vinhos da loja dele em dois pedidos e ele sabe, por meio do perfil do Twitter desse cara, que o comprador é fã de um determinado jogador, não seria legal enviar relacionado a isso para o cliente? Pois é. Ele fez.

Melhor que um cupom de frete grátis na próxima compra, né? Dá muito trabalho mas é focar no seu consumidor de alto valor para a marca. Fazer isso em larga escala é bem mais complicado e seria interessante ver essa operação mesmo colocando uma linha de corte de acordo com o perfil do consumidor. Mas e se essa escolha fosse randomica? Será que geraria mais buzz?

Então, em bom português, não adianta ter zilhões de fãs e não saber quem eles são. Você precisa ter controle dos dados do cliente e isso vai ditar as regras de um novo jogo em que Data pode melhorar seu relacionamento com os clientes, vai ajudar a definir o ROI da sua campanha e vai ajudar a melhorar o conteúdo da sua marca. Desse jeito, é possível que comecemos a usar melhor gatilhos de comportamento e localização (para falar alguns) e abordar os seus fãs (e esses são fãs de verdade) em momentos interessantes e relevantes para ele.

Mas aí temos o outro lado da moeda e nessa hora, nada melhor do que parafrasear Tio Ben:

“Com grande poder vem uma grande responsabilidade”

A marca não pode abusar desse poder e transformar algo incrível em algo assustador. Eu lembro do caso em que o pai soube que a filha adolescente estava grávida por conta dos catálogos da Target que ela recebeu falando apenas sobre o universo de novas mães. Isso aconteceu baseado na inteligência de hábitos de compra da base de dados deles. Mulheres que compram loções sem cheiro provavelmente estão no início do segundo trimestre de gravidez, assim como a compra de suplementos vitamínicos nas 20 primeiras semanas de gravidez e, desse jeito eles montaram um índice para prever se a mulher está grávida.

Tudo isso é muito legal mas sem uma estratégia de conteúdo clara, essas informações não adiantariam de muita coisa. No caso da Target, eles notaram que as pessoas ficavam incomodadas ao notar que uma marca sabia tanto da vida deles e aí eles tomaram uma decisão de enviar um catálogo com muitas outras coisas para que os anúncios sobre gravidez parecessem aleatórios e que as marcas não estivessem monitorando o seu comportamento de compras. É uma manobra curiosa de aumentar a taxa de uso de cupons mas ao mesmo tempo beira uma questão moral e ética que pode danificar a marca se descoberta.

Quando essa inteligência é usada para alimentar as possibilidades criativas de conteúdo e segmentação, Social media se torna algo muito mais poderoso. Você conhece profundamente o seu público e sabe os assuntos que vão interessar o seu público. Usando essas informações com responsabilidade e inteligência a sua marca pode não só vender mais produtos como pode também prestar serviços realmente úteis para o seu público. E é usar essa inteligência de Data somada a uma plataforma conectada e a um conteúdo matador e segmentado que vai ditar o caminho que devemos seguir. As possibilidades são infinitas e conseguir fazer isso é uma maneira incrível de otimizar custos de campanhas.

Agora, a pergunta que não quer calar é: você, a sua marca ou a sua agência estão preparados para essas possibilidades?

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Where You Stand: o pop correto e genial do Travis

Quase 6 anos após o estranhíssimo Ode to J Smith, o Travis finalmente regressa com um disco que parece ter sido feito em 1997, quando a banda efervescia com criatividade e identidade. E, com essas características, ajudou a definir a cara e as texturas do que se convencionou chamar de Britpop desde os anos 90 até hoje.

Logo de cara, já na primeira faixa, a banda faz um mea culpa: “Why did we wait so long?”

Soa como um pedido de desculpas aos fãs que ficaram abandonados por tanto tempo. Ou talvez ele só esteja querendo dizer que nem eles sabem o porquê de terem ficado esse tempo longe, já que adoram o que fazem.

Where You Stand é o Strangeland do Travis. É o disco que marca o retorno da banda às suas origens – e ao que os caras realmente sabem fazer – depois de algumas tentativas frustradas de mudança de direção. Com o Keane foi igualzinho: Perfect Symmetry e Night Train flertavam com o experimentalismo e obtiveram resultados de gosto duvidoso. Até que no ano passado veio o Strangeland, um primor absoluto.

E a trajetória do Travis foi parecida. Ode foi um disco esquisito – não parecia Travis – e este tempo de descanso parece ter feito bem à banda. O primeiro single, Moving, é o Travis glorioso de sempre, e a faixa título é a música que o Snow Patrol sempre quis fazer mas nunca conseguiu.

O disco tem vários momentos belíssimos como Mother, In a Different Room e Reminder. Tão maduro que parece uma aula. E mesmo as menos inspiradas mostram uma banda empolgada por estar de volta, e todo o álbum é marcado por esta energia que contagia ouvinte com satisfação.

Where You Stand é intimista, melancólico e agridoce. Uma homenagem do brit-pop para o brit-pop, feita para ouvidos pacientes e exigentes, sem pressa e sem preconceitos.

 

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Sobre essa exigência velada (mas obrigatória) da superficialidade

Alegar que a rotina existe por pura comodidade é fácil. Mas vê-la como parte de um processo para o aprimoramento da qualidade de um trabalho, uma visão ou até mesmo uma doutrina profissional, não. Sair da rotina – ou como dizem, “se reinventar” – todos os dias tornou-se exigência no curriculum vitae. E não parece nenhum absurdo. Afinal, as pessoas flexíveis tem maiores chances nesse mundo tão dinâmico e articulado.

Toffler (autor do livro “Future Shock”) afirmou:

“Os analfabetos do futuro não serão os que não sabem ler ou escrever. Mas os que se recusarem a aprender, aprender e aprender novamente.”

E segundo a dúzia de profissionais veteranos que vi sendo descartados de suas empresas nos últimos anos (por motivos aparentemente banais, como não saber usar tão bem determinada ferramenta), nos faz acreditar que ele acertou em cheio sobre a forma de reação deste novo mercado.

Sem percebemos o conhecimento se tornou um commodity. E as empresas já não buscam estagiários para o aprendizado e aperfeiçoamento. Ele tem que falar inglês, espanhol, além de dominar Photoshop, Illustrator, InDesign, Flash, Dreamweaver, After Effects, Premiere, Audition, ser pontual, pró-ativo, dinâmico, não-fumante, sociável, com nota fiscal, carro próprio e disponibilidade, se necessário, nos fins de semana.

Overclocking mental impede o compromisso de poder “não ter um compromisso”

E assim, assoviar chupando cana passou a ter mais valor do que a experiência e a especialização – palavra praticamente morta. Criando assim um verdadeiro picadeiro mercadológico, onde os mais jovens (que buscam estagiar para crescimento e aprendizado, ao invés de acumular trabalhos de um veterano, ganhando pouco) não possuem as exigências “mínimas” das vagas, enquanto os mais calejados “ganham demais” e “são muito viciados na metodologia de trabalho”. “Não servem.”

Minha amiga (e editora do B9) Amanda de Almeida disse algo muito interessante sobre isso: “As empresas tem medo de investir na formação de um profissional e, finalizando o estágio, ele mudar de emprego. Parece que o estagiário passa a dever a própria alma depois de ter ganhado uma oportunidade. Como se a dedicação e vontade não contassem em nada.”

Muito se fala sobre “dobrar faturamento”, “triplicar prêmios”, “quadruplicar rentabilidade”. Mas “aumentar a satisfação dos clientes, com a qualidade da nossa entrega” parece utópico (ou conversa pra boi dormir). E sem romantismo, sabemos: números valem mais do que qualidade. “Future Shock” foi premonitório também sobre este novo ritmo das empresas e pessoas, inclusive alegando que essa sobrecarga de metas, conhecimento e informações nos deixaria mais desorientados, desligados e estressados. E vou além: superficiais, também.

Justamente por esse overclocking mental ser tão alto, muitos anseiam por aquele momento de “não pensamento” em algum minuto da semana. E pelo compromisso de poder “não ter um compromisso”.

Toda essa dissonância cria um ambiente instável, onde as pessoas não tem mais tempo para se dedicarem ao aprimoramento daquilo que fazem de melhor, mas vivem uma assimilação continua por algo novo. E, como já disse meu amigo Ronaldo Tavares (DM9) em um Braincast:

“… um oceano de conhecimento, com um palmo de profundidade”.

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